MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O PRIMEIRO DIA
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
3.6 A ligação entre o nuclear militar e civil
Já em 1943, no decurso do projecto Manhattan, descobre-se que o reactor
nuclear, com que se produz o plutónio para a bomba de Nagasaki, produz energia
térmica que poderia ser convertida em energia eléctrica. Torna-se evidente aos
generais e aos governantes, a vantagem de construir centrais nucleares civis
que, enquanto produzem energia eléctrica, podem fornecer plutónio e outros
materiais físseis para uso militar e, ao mesmo tempo, amortizar os custos
através da energia eléctrica produzida.
Paradigmático, é o facto, de que o anúncio do futuro nascimento da indústria
nuclear ter sido feito, imediatamente após o primeiro uso militar de energia nuclear,
com o bombardeamento de Hiroshima: «A energia atómica – escreve o Presidente
Truman na Declaração de 6 de Agosto de 1945 - poderia, no futuro, fornecer a energia que
agora provém do carvão, do petróleo e da água, mas que no estado actual não
pode ser produzida numa base comercialmente competitiva». A primeira
energia electronuclear surge produzida experimentalmente nos Estados Unidos, em
1951 e, três anos depois, também na União Soviética.
Em 8 de Dezembro de 1953, o Presidente dos Estados Unidos, Dwight D.
Eisenhower pronuncia, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o discurso «Átomos
para a Paz». Antes de tudo, ele salienta que «o arsenal de bombas atómicas dos
Estados Unidos, o qual aumenta mais a cada dia e supera, muitas vezes, o
equivalente a todas as bombas e a todos os projécteis, aviões e canhões em
todos os teatros bélicos, durante todos os anos da Segunda Guerra Mundial». Mas,
acrescenta, «o terrível segredo e os aterradores instrumentos da potência
atómica não pertencem só a nós.» De facto, a União Soviética realizou a sua
primeira explosão nuclear experimental em 1949, e a Grã-Bretanha em 1952.
Embora os Estados Unidos tenham «acumulado uma grande vantagem
quantitativa» nos armamentos nucleares, afirma Eisenhower, «o conhecimento
agora possuído por alguns países será finalmente partilhado por outros, talvez
por todos os outros», isto é, é possível que muitos outros países adquiram a
capacidade de construir armas nucleares. Em seguida, ele propõe construir uma
agência internacional, sob a égide das Nações Unidas, para o uso pacífico da
energia atómica, em particular para «fornecer energia eléctrica abundante, às
áreas do mundo esfomeadas de energia». Assim, todos os povos «poderão ver que,
nesta era iluminada, todas as grandes Potências da Terra, seja do Leste ou do
Ocidente, estão mais interessadas nas aspirações humanas do que na
construção de armamento de guerra».
Fundamentada nesta proposta que, também é aceite pela União Soviética, é
constituída em 1957 a International
Atomic Energy Agency (IAEA), organização autónoma inter-governamental, sob a
égide das Nações Unidas, à qual aderem, sucessivamente, 168 Estados. Segundo o
Estatuto, aprovado em 1956, a sua tarefa principal é «encorajar e ajudar a
pesquisa da energia atómica para fins pacíficos, o seu desenvolvimento e as aplicações práticas, à escala mundial». Depois da conclusão do Tratado de
Não-Proliferação das Armas Nucleares, em 1968, a IAEA assume também a tarefa de
«verificar que os Estados não nucleares, aderentes ao TNP, obedeçam às
obrigações da não-proliferação».
Enquanto é constituída a IAEA, entra em funcionamento, em Calder Hall, na
Grã Bretanha, em Outubro de 1956, a primeira central electronuclear do mundo. A primeira central americana
fica pronta a funcionar, em Dezembro de 1957, em Shippingport (Pennsylvania).
Também essa, como a de Calder Hall, enquanto fornece electricidade, produz
plutónio para as bombas nucleares. O mesmo acontece em França, onde o primeiro
reactor electronuclear que começa a funcionar em Marcoule, em 1959.
O desenvolvimento indiscutível da industria electronuclear começa nos
anos sessenta. Em seguida, nos anos setenta e oitenta, a indústria
electronuclear atinge o máximo desenvolvimento: tornam-se operacionais, neste período, 105 reactores nos Estados Unidos, 52
em França, 47 na União Soviética, 37 no Japão, 28 na Alemanha,19 no Canadá,
17 na Grã Bretanha, 12 no Japão, 9 respectivamente na Espanha e na Coreia do
Sul, 7 na Bélgica, 5 na Checoslováquia, Índia e Bulgária, 4 na Hungria,
Finlândia e Suiça; 2 na África do Sul e Argentina; 1 no Brasil, México, Itália,
Holanda, Jugoslávia e Paquistão.
A indústria eletronuclear nasce, portanto, como uma consequência
tecnológica do nuclear militar e serve, por sua vez, para o desenvolvimento
deste último, permitindo produzir, às grandes potências nucleares, quantidades
crescentes de plutónio e de outros materiais físseis, e de amortizar,
parcialmente, os custos através da venda da energia eléctrica e de centrais
electronucleares completas. Cria-e assim um mercado internacional do sector
nuclear, dominado no Ocidente por um
oligopólio de multinacionais como a Westinghouse, a General Electric, a Union
Carbide. Deste modo, outros países estão capacitados para produzir plutónio e
urânio enriquecido, cuja quantidade real pode ser facilmente subtraída ao
controlo dos inspectores do IAEA: de facto, basta declarar uma produção inferior
à efectiva, sobrestimando as perdas tidas nas instalações de reprocessamento
do combustível dos reactores nucleares. Além disso, no ciclo de exploração do
urânio, não existe uma linha nítida de demarcação entre o uso civil e o uso
militar dos materiais físseis.
Uma vez extraído na mina, o Urânio 238 é enriquecido, e torna-se em U 235 numa
instalação especial: 60% para reactores rápidos actuais, mais de 90% para armas
nucleares (mesmo que baste exceder 20% para construir uma bomba nuclear
rudimentar). Com o urânio enriquecido a 3-4%, são fabricadas as barras de
combustível para os reactores térmicos. Estas são montadas e instaladas nos
reactores, dos quais constituem o núcleo, permanecendo 2-3 anos. O combustível
usado nas centrais electronucleares, ainda fortemente radioactivo, forma as
escórias que são, em parte, transferidas para uma fábrica de tratamento, onde
são extraídos os elementos utilizáveis: o Urânio 235 e o Plutónio 239.
Entretanto, o urânio extraído volta para a instalação de enriquecimento ou para a fábrica de elementos combustíveis para reactores térmicos. O Pu 239 é recolhido
num depósito.
Parte deste plutónio é utilizada, juntamente com o urânio enriquecido a
60%, para fabricar as barras de combustível para os reactores rápidos. Nos
reactores auto fertilizantes rápidos, que usam como combustível o plutónio,
produzindo mais material fissionável do que aquele que consomem, o urânio (U
238) transforma-se, por sua vez, em Pu 239, que vai aumentar o depósito de
plutónio. Para o fabrico de armas nucleares é usado o Pu 239, proveniente do
depósito de plutónio, e o U 235, proveniente da fábrica de enriquecimento. O plutónio
para as armas nucleares é fornecido
também pelos reactores térmicos militares que, utilizando barras de
combustível metálico, produzem uma quantidade maior do que os reactores normais,
que utilizam barras de óxido de urânio, mas sempre inferior à dos reactores
auto fertilizantes rápidos.
Esta é a ligação estreita entre o nuclear civil e militar a favorecer a
proliferação das armas nucleares. Sublinha-o, em 1976, Victor Gilinsky, membro
da comissão americana que lança as concessões para a construção das centrais
nucleares: ««Pelo que diz respeito ao plutónio produzido nos reactores, de
facto, é possível utilizá-lo para a
realização de bombas atómicas em sistemas tão diversos de desenvolvimento
tecnológico. Por outras palavras, países menos desenvolvidos do que os
principais países industrializados, desenvolvem programas de energia nuclear e estão a ponto de realizar bombas
atómicas de qualidade não desprezível». Quando Gilisky lança este aviso, a
China e a Índia já começaram a construir armas nucleares e o Paquistão prepara-se
para fazê-lo.
N.da T: Relação das centrais nucleares actuais e do seu estado
- Centrales nucleares en Alemania
- Centrales nucleares en Argentina
- Centrales nucleares en Armenia
- Centrales nucleares en Bélgica
- Centrales nucleares en Brasil
- Centrales nucleares en Bulgaria
- Centrales nucleares en Canadá
- Centrales nucleares en China, continente
- Centrales nucleares en Eslovenia
- Centrales nucleares en España
- Centrales nucleares en Estados Unidos
- Centrales nucleares en Federación de Rusia
- Centrales nucleares en Finlandia
- Centrales nucleares en Francia
- Centrales nucleares en Hungría
- Centrales nucleares en India
- Centrales nucleares en Irán
- Centrales nucleares en Italia
- Centrales nucleares en Japón
- Centrales nucleares en Kazajstán
- Centrales nucleares en Lituania
- Centrales nucleares en México
- Centrales nucleares en Países Bajos
- Centrales nucleares en Pakistán
- Centrales nucleares en Reino Unido
- Centrales nucleares en República Checa
- Centrales nucleares en República Eslovaca
- Centrales nucleares en RO Corea (del Sur)
- Centrales nucleares en Rumania
- Centrales nucleares en Sudáfrica
- Centrales nucleares en Suecia
- Centrales nucleares en Suiza
- Centrales nucleares en Taiwán
- Centrales nucleares en Ucrania
A seguir:
3.7 Acidentes ocorridos com as centrais nucleares
Tradutora: Maria Luísa de
Vasconcellos
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