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Friday, February 23, 2018

PT -- GUERRA NUCLEAR: 3.6 A ligação entre o nuclear militar e civil






MANLIO DINUCCI

GUERRA NUCLEAR
O PRIMEIRO DIA
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe



3.6  A ligação entre o nuclear militar e civil

Já em 1943, no decurso do projecto Manhattan, descobre-se que o reactor nuclear, com que se produz o plutónio para a bomba de Nagasaki, produz energia térmica que poderia ser convertida em energia eléctrica. Torna-se evidente aos generais e aos governantes, a vantagem de construir centrais nucleares civis que, enquanto produzem energia eléctrica, podem fornecer plutónio e outros materiais físseis para uso militar e, ao mesmo tempo, amortizar os custos através da energia eléctrica produzida.

Paradigmático, é o facto, de que o anúncio do futuro nascimento da indústria nuclear ter sido feito, imediatamente após o primeiro uso militar de energia nuclear, com o bombardeamento de Hiroshima: «A energia atómica – escreve o Presidente Truman na Declaração de 6 de Agosto de 1945  - poderia, no futuro, fornecer a energia que agora provém do carvão, do petróleo e da água, mas que no estado actual não pode ser produzida numa base comercialmente competitiva». A primeira energia electronuclear surge produzida experimentalmente nos Estados Unidos, em 1951 e, três anos depois, também na União Soviética.

Em 8 de Dezembro de 1953, o Presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower pronuncia, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o discurso «Átomos para a Paz». Antes de tudo, ele salienta que «o arsenal de bombas atómicas dos Estados Unidos, o qual aumenta mais a cada dia e supera, muitas vezes, o equivalente a todas as bombas e a todos os projécteis, aviões e canhões em todos os teatros bélicos, durante todos os anos da Segunda Guerra Mundial». Mas, acrescenta, «o terrível segredo e os aterradores instrumentos da potência atómica não pertencem só a nós.» De facto, a União Soviética realizou a sua primeira explosão nuclear experimental em 1949, e a Grã-Bretanha em 1952.

Embora os Estados Unidos tenham «acumulado uma grande vantagem quantitativa» nos armamentos nucleares, afirma Eisenhower, «o conhecimento agora possuído por alguns países será finalmente partilhado por outros, talvez por todos os outros», isto é, é possível que muitos outros países adquiram a capacidade de construir armas nucleares. Em seguida, ele propõe construir uma agência internacional, sob a égide das Nações Unidas, para o uso pacífico da energia atómica, em particular para «fornecer energia eléctrica abundante, às áreas do mundo esfomeadas de energia». Assim, todos os povos «poderão ver que, nesta era iluminada, todas as grandes Potências da Terra, seja do Leste ou do Ocidente, estão mais interessadas nas aspirações humanas do que na construção de armamento de guerra».

Fundamentada nesta proposta que, também é aceite pela União Soviética, é constituída em 1957 a International Atomic Energy Agency (IAEA), organização autónoma inter-governamental, sob a égide das Nações Unidas, à qual aderem, sucessivamente, 168 Estados. Segundo o Estatuto, aprovado em 1956, a sua tarefa principal é «encorajar e ajudar a pesquisa da energia atómica para fins pacíficos, o seu desenvolvimento e as aplicações práticas, à escala mundial». Depois da conclusão do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, em 1968, a IAEA assume também a tarefa de «verificar que os Estados não nucleares, aderentes ao TNP, obedeçam às obrigações da não-proliferação».

Enquanto é constituída a IAEA, entra em funcionamento, em Calder Hall, na Grã Bretanha, em Outubro de 1956, a primeira central electronuclear do mundoA primeira central americana fica pronta a funcionar, em Dezembro de 1957, em Shippingport (Pennsylvania). Também essa, como a de Calder Hall, enquanto fornece electricidade, produz plutónio para as bombas nucleares. O mesmo acontece em França, onde o primeiro reactor electronuclear que começa a funcionar em Marcoule, em 1959.

O desenvolvimento indiscutível da industria electronuclear começa nos anos sessenta. Em seguida, nos anos setenta e oitenta, a indústria electronuclear atinge o máximo desenvolvimento: tornam-se operacionais, neste período, 105 reactores nos Estados Unidos, 52 em França, 47 na União Soviética, 37 no Japão, 28 na Alemanha,19 no Canadá, 17 na Grã Bretanha, 12 no Japão, 9 respectivamente na Espanha e na Coreia do Sul, 7 na Bélgica, 5 na Checoslováquia, Índia e Bulgária, 4 na Hungria, Finlândia e Suiça; 2 na África do Sul e Argentina; 1 no Brasil, México, Itália, Holanda, Jugoslávia e Paquistão.

A indústria eletronuclear nasce, portanto, como uma consequência tecnológica do nuclear militar e serve, por sua vez, para o desenvolvimento deste último, permitindo produzir, às grandes potências nucleares, quantidades crescentes de plutónio e de outros materiais físseis, e de amortizar, parcialmente, os custos através da venda da energia eléctrica e de centrais electronucleares completas. Cria-e assim um mercado internacional do sector nuclear, dominado no Ocidente por um oligopólio de multinacionais como a Westinghouse, a General Electric, a Union Carbide. Deste modo, outros países estão capacitados para produzir plutónio e urânio enriquecido, cuja quantidade real pode ser facilmente subtraída ao controlo dos inspectores do IAEA: de facto, basta declarar uma produção inferior à efectiva, sobrestimando as perdas tidas nas instalações de reprocessamento do combustível dos reactores nucleares. Além disso, no ciclo de exploração do urânio, não existe uma linha nítida de demarcação entre o uso civil e o uso militar dos materiais físseis.

Uma vez extraído na mina, o Urânio 238 é enriquecido, e torna-se em U 235 numa instalação especial: 60% para reactores rápidos actuais, mais de 90% para armas nucleares (mesmo que baste exceder 20% para construir uma bomba nuclear rudimentar). Com o urânio enriquecido a 3-4%, são fabricadas as barras de combustível para os reactores térmicos. Estas são montadas e instaladas nos reactores, dos quais constituem o núcleo, permanecendo 2-3 anos. O combustível usado nas centrais electronucleares, ainda fortemente radioactivo, forma as escórias que são, em parte, transferidas para uma fábrica de tratamento, onde são extraídos os elementos utilizáveis: o Urânio 235 e o Plutónio 239. Entretanto, o urânio extraído volta para a instalação de enriquecimento ou para a fábrica de elementos combustíveis para reactores térmicos. O Pu 239 é recolhido num depósito.

Parte deste plutónio é utilizada, juntamente com o urânio enriquecido a 60%, para fabricar as barras de combustível para os reactores rápidos. Nos reactores auto fertilizantes rápidos, que usam como combustível o plutónio, produzindo mais material fissionável do que aquele que consomem, o urânio (U 238) transforma-se, por sua vez, em Pu 239, que vai aumentar o depósito de plutónio. Para o fabrico de armas nucleares é usado o Pu 239, proveniente do depósito de plutónio, e o U 235, proveniente da fábrica de enriquecimento. O plutónio para as armas nucleares é fornecido  também pelos reactores térmicos militares que, utilizando barras de combustível metálico, produzem uma quantidade maior do que os reactores normais, que utilizam barras de óxido de urânio, mas sempre inferior à dos reactores auto fertilizantes rápidos.

Esta é a ligação estreita entre o nuclear civil e militar a favorecer a proliferação das armas nucleares. Sublinha-o, em 1976, Victor Gilinsky, membro da comissão americana que lança as concessões para a construção das centrais nucleares: ««Pelo que diz respeito ao plutónio produzido nos reactores, de facto, é possível utilizá-lo  para a realização de bombas atómicas em sistemas tão diversos de desenvolvimento tecnológico. Por outras palavras, países menos desenvolvidos do que os principais países industrializados, desenvolvem programas de energia nuclear e estão a ponto de realizar bombas atómicas de qualidade não desprezível». Quando Gilisky lança este aviso, a China e a Índia já começaram a construir armas nucleares e o Paquistão prepara-se para fazê-lo.


N.da T: Relação das centrais nucleares actuais e do seu estado 



  • Centrales nucleares en Abu Dhabi


  • A seguir: 

    3.7  Acidentes ocorridos com as centrais nucleares

    Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

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