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Saturday, April 28, 2018

PT -- GUERRA NUCLEAR: 3.7 Acidentes nas centrais nucleares

MANLIO DINUCCI

“Copyright Zambon Editore”


GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe


3.7  Acidentes nas centrais nucleares 

Ao período da proliferação junta-se o do impacto ambiental das instalações nucleares. No seu funcionamento normal, elas emitem radioactividade em pequenas quantidades, dado que os sistemas de filtragem não podem eliminar toda a radioactividade do ar e da água, que são continuamente aspiradas e expulsas. Todavia, como demonstram várias pesquisas epidemiológicas, mesmo pequenas doses de radioactividade podem causar, a longo prazo, graves danos nos seres vivos, sobretudo formas cancerígenas e malformações genéticas. Muito maiores do que as das centrais são as emissões das fábricas de enriquecimento e reprocessamento do combustível nuclear, que descarregam em grande parte, na atmosfera, gases radioactivos. Contaminam não só a zona circundante, pois que os radionuclídios emitidos por uma central ou uma outra instalação nuclear, podem ser transportados a grandes distâncias pelos ventos e tornar a cair no solo através da chuva, entrando no ciclo alimentar e fixando-se nos organismos dos seres vivos.

As maiores fugas de radioactividade são provocadas por frequentes deteriorações e acidentes. Não obstante todas as garantias fornecidas sobre a segurança das instalações, a história da indústria electronuclear está constelada de milhares de acidentes. Os mais graves verificaram-se, em 1979, em Three Mile Island, na Pennsylvania (USA) e, em 1986, em Chernobyl, na Ucrânia (URSS). A de Three Mile Island, acontece em 28 de Março de 1979, em seguida a uma falha mecânica agravada por erros humanos. Às 4 da manhã, as bombas do sistema de alimentação, destinadas a fornecer água aos geradores de vapor, bloqueiam-se acidentalmente, no momento em que o reactor trabalha a 97% da potência instalada. No reservatório de refrigeração, a temperatura eleva-se de súbito, provocando um forte aumento de pressão. Neste ponto, abre-se uma válvula de segurança, que permite o escoamento do vapor e da água do reservatório e, ao mesmo tempo, no reactor, a fissão nuclear pára automaticamente. No entanto, permanece um calor residual, produzido pelo material radioactivo em decadência, que deve ser eliminado para evitar o sobreaquecimento do núcleo do reactor, contendo as barras de combustível nuclear. Um sujeito da sala de controlo, certifica-se se as bombas de emergência entram regularmente em funcionamento; não se apercebe, no entanto, de duas luzes, as quais assinalam que, depois do fecho de duas válvulas, a água não chega aos geradores de vapor. Entretanto, tendo ficado aberta a válvula de segurança, o sistema de refrigeração continua a perder água. Numa sucessão de ordens, contra ordens e grandes erros, a situação torna-se gravíssima: às 06:54, verifica-se uma forte emissão de vapor radioactivo no exterior da central e, facto ainda mais grave, no coração do reactor forma-se uma bola de hidrogénio que corre o risco de explodir, provocando a catástrofe: a fusão do núcleo.

Os responsáveis da central, que pertencem à empresa Met Edison e as autoridades, fazem tudo para esconder o acidente, cuja notícia escapa só porque um colaborador de uma estação radiofónica local, intercepta por acaso, com a sua aparelhagem CB, uma comunicação dos bombeiros. Quando, às 13:50, se escuta  na sala abarrotada de controlo, um rumor surdo provocado pela explosão do hidrogénio, no coração do reactor, os dirigentes explicam que é só o bater de uma ponte levadiça da instalação de arejamento («para não provocar o pânico», dirão depois). Entretanto, aumenta no exterior a radioactividade, acrescida do facto de que a direcção da central, faz descarregar no rio, sem comunicar nada às autoridades, um milhão e meio de litros de água radioactiva acumulada no interior da central. Espalha-se a notícia da possível explosão do núcleo do reactor, o governador faz evacuar 3.500 crianças e mulheres grávidas e pede aos habitantes para se fecharem em casa. Mas o pânico espalha-se e outras 100 mil pessoas fogem. A América está com a respiração suspensa até 2 de Abril quando, miraculosamente, a bolha de hidrogénio do reactor é reabsorvida, evitando a explosão.

As consequências para a saúde do acidente de Three Mile Island nunca foram oficialmente reconhecidas. Segundo as autoridades, os indícios epidemiológicos, efectuados nos anos seguintes, não evidenciaram nenhum aumento de tumores e de leucemia devido às radiações. Por outro lado, numerosos pesquisadores privados, afirmam o contrário. «Diversas centenas de pessoas, no momento do acidente, acusaram náuseas, vómitos, queda de cabelo e irritações cutâneas, e muitas disseram que os seus animais domésticos morreram ou mostraram sinais de exposição às radiações», afirma um estudo publicado em 1997, pelos pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, os quais sublinham «ter encontrado, depois de 1979, um impressionante aumento da incidência de casos de cancro na zona sotavento, referente à central de Three Mile Island». Os pedidos de compensação, apresentados por 2.000 habitantes da zona, acompanhados de atestados médicos, foram rejeitados, em 1996, pelo juiz do tribunal da comarca distrital.

Central Nuclear Soviética de Chernobil

Ainda mais desastroso é o acidente que acontece em Chernobil, em Abril de 1986. Apenas dois meses antes, o Ministro da Energia da República Ucraniana, assegurava: «As probabilidades de um acidente no núcleo da central, são de 1 para 10.000. Temos aqui, em Chernobil, para cada reactor, três sistemas de protecção que operam de modo independente, uns dos outros. Também o ambiente exterior está protegido: os edifícios são selados hermeticamente e existem três sistemas de purificação das escórias tóxicas, que excluem qualquer descarga na atmosfera». «O Homem e a Natureza estão completamente seguros». – garantia o Director da central - «Mas, se acontecesse o impossível, o controlo automático dos sistemas de segurança desligavam o reactor, no espaço de poucos segundos».

O acidente verifica-se às 01:23h, do dia 26 de Abril de 1986, enquanto os trabalhadores conduzem uma experiência de rotina num dos quatro reactores: um RBMK-1000 de mil megawatt, adaptação para uso civil de um reactor militar, projectado para produzir material físsil para armas nucleares. Em três segundos, sem que houvesse tempo de activar os sistema de segurança, a produção de energia do núcleo eleva-se 100 vezes acima do nível máximo normal, fazendo subir enormemente a temperatura. Duas explosões atravessam a placa de metal de 2.000 toneladas, que sela a parte de cima do reactor e destroem o edifício, lançando no ar os fragmentos incandescentes e altamente radioactivos do núcleo.

«Tudo acontece como num conto de fadas desconhecido» - conta sucessivamente, uma mulher de Chernobil. No céu, a grande altura, apareceram de improviso, a girar, estrelas enormes que pareciam acender-se e depois, momentaneamente, despenhavam-se, caindo, como um gigantesco fogo de artifício. Ficámos fascinados a ver aquele espectáculo insólito e belíssimo, e chamamos as crianças para que elas também o desfrutassem. Depois as estrelas desapareceram e apenas permaneceu uma fuga de fumo que, ocasionalmente, se coloria de fogo. Depois fomos dormir com a esperança de que, na noite seguinte, o fenómeno se repetisse. No dia seguinte, o espectáculo da noite anterior foi o tema de todas as conversas. E quando chegou a noite, muitos habitantes de Cernobil tornaram a contemplar o céu. Mas o espectáculo não se repete, a não ser algum brilho que, de vez em quando, aparece no horizonte. No domingo quase tínhamos esquecido, quando os primeiros rumores, vagos e confusos, alcançaram Chernobil. Diziam que tinha havido uma falha no reactor, mas que não era grave e que se estava a providenciar a eliminação da mesma. Visto que as autoridades locais estavam silenciosas, pareceu que fosse de proporções limitadas. O alarme estalou na segunda-feira. As crianças voltaram da escola antes do habitual e disseram que lhes tinha sido recomendado para não saírem de casa, para lavar os cabelos e mudar de roupa. Encontrei o meu marido em casa. Disse-me que tinha sido comunicado aos operários da sua fábrica para se prepararem para sair de Chernobil com as suas famílias. Só naquele momento, é que tivemos a sensação clara de uma catástrofe».

A catástrofe de Chernobil provoca o lançamento de uma radioactividade equivalente a 200 vezes a totalidade lançada pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki. Na Ucrânia, Rússia e Bielorússia, contamina uma área total de mais de 160.000 km2, habitada por cerca de 9 milhões de habitantes. A nuvem radioactiva espalhou-se, em grande parte, na Europa Central e Oriental e, também, na Europa Ocidental, abrangendo a Itália Setentrional e Central.

As consequências para a saúde são agravadas pelo facto de que, as autoridades soviéticas, quer centrais, quer locais, esperarem mais de dois dias antes de dar, ao meio dia de 28 de Abril, o anúncio oficial do desastre. Ao mesmo tempo as autoridades dos EUA revelam que a CIA estava ao corrente, em 26 de Abril, do acidente na central nuclear. Esta demora impede a evacuação imediata dos habitantes e atrasa a adopção de medidas de urgência, na área atingida pela nuvem radioactiva, contribuindo para aumentar o número de vítimas.

Nos dias e semanas seguintes à explosão do reactor, cerca de 13.000 crianças da região de Chernobil, respiram ar contendo níveis elevados de iodo 131, um isótopo radioactivo que se acumula na tiróide: como consequência, a incidência de tumores na tiróide das crianças, aumenta cerca de 10 vezes. Na Bielorússia, cuja fronteira dista 50 km de Chernobil, o cancro da tiróide manifesta-se com uma frequência 285 vezes maior do que antes. Mais de 800.000 crianças e adolescentes, na Bielorússia e na Ucrânia, arriscam contrair a mesma doença que, de 1986 a 1995 já matou 600 dos seus conterrâneos e, por esse motivo, são tidas sob controlo médico apertado. O número de mortos por causa da contaminação radioactiva é indeterminado: as estimativas vão de 30 mil a mais de 300 mil. Segundo algumas estimativas governamentais, as mortes ligadas à catástrofe nuclear foram, num espaço de dez anos, 180 mil na Ucrânia e 120 mil na Bielorússia. As pessoas atingidas, mais ou menos,  gravemente – avalia a UNESCO – são 4.900.000. Particularmente expostos às consequências das radiações estão os bombeiros que apagam o incêndio do reactor, pois sabem quais são os riscos, e os 800 mil militares, operários e técnicos que efectuam os trabalhos de descontaminação e de construção do «sarcófago», a estrutura de betão armado e aço, construída em volta dos restos radioactivos do reactor que explodiu, compreendendo mais de 400 quilogramas de plutónio e 100 toneladas de combustível nuclear. Segundo uma avaliação confiável, morrem cerca de 10 mil, enquanto muitos outros, provavelmente mais de 250 mil, foram atingidos por doenças do aparelho reprodutor, entre as quais a esterilidade e anomalias dos espermatozóides. A experiência dos efeitos das radiações, a longo prazo, baseada em grande parte em exames clínicos dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, leva a pensar que o número de vítimas do acidente de Chernobil continuará a crescer nos próximos decénios.

Aos danos físicos provocados pela catástrofe de Chernobil, junta-se o «síndroma dos deslocados». Muitos dos habitantes, constrangidos a abandonar os lugares em que nasceram e viveram, são atingidos por formas agudas de stress psicológico e fisiológico, semelhantes aos que atingiram muitos habitantes de Hiroshima e Nagasaki, depois do bombardeamento atómico. Tal síndroma – agravado pela perda de familiares e amigos, do constante temor de ficar doente de cancro devido às radiações e à dificuldade de adaptação a um outro tipo de vida – provoca perturbações psíquicas e estados depressivos que conduzem ao alcoolismo. Muitos, não podendo suportar viver o resto da vida nas condições de deslocados, voltam nos anos seguintes, às suas casas, mesmo sabendo os riscos que correm: num raio de 30 quilómetros em volta da da central, está sepultada, em cerca de 800 fossas revestidas de argila, uma enorme quantidade (mais de um bilião de metros cúbicos) de material tornado radioactivo pela explosão do reactor. Ao drama destas pessoas, junta-se a tragédia de famílias inteiras, originárias de outras zonas que, não tendo habitações, vão ocupar as casas de Chernobil que permaneceram vazias. Este é o trágico balanço, ainda em aberto, da catástrofe de Chernobil.  

A seguir: 

3.8 Os movimentos anti-nucleares durante a guerra fria
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

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