MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O PRIMEIRO DIA
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
8.4 A ameaça mortal do plutónio e o aviso não escutado de Fukushima
A potências nucleares, sobretudo as cinco maiores –
Estados Unidos, Rússia, França, China e Grã-Bretanha – possuem, segundo
estimativas aproximadas relativas a 2015, 240 toneladas de plutónio e 1.330
toneladas de urânio altamente enriquecido (HEU) para uso militar directo,suficientes para fabricar 80.000 armas nucleares.
Juntam-se a estes cerca de 2.400 toneladas de
plutónio proveniente, juntamente com 40
toneladas de HEU, dos reactores nucleares para a produção de electricidade,
situados em 33 países. Este plutónio é suficiente para fabricar 300.000 armas
nucleares (com base no cálculo de que são necessários 8 kg por ogiva nuclear) e
aumenta quase 50 toneladas por ano. A parte mais facilmente utilizável para
fins militares é constituída por plutónio não irradiado: 275 toneladas,
equivalentes a cerca de 12% da quantidade total, suficiente para fabricar mais
34.000 armas nucleares. O plutónio não irradiado aumenta cerca de 2 toneladas
por ano, suficiente para fabricar 250 novas ogivas nucleares.
Continua-se, desta maneira, a produzir plutónio,
existente na natureza só como vestígios em minerais de urânio, recuperando-lo e
separando-lo do urânio, nas operações de tratamento do combustível nuclear.
Acumula-se, assim, criando-o artificialmente, um potencial destrutivo capaz,
pela primeira vez na História, fazer desaparecer a espécie humana da face da
Terra. Bastariam poucas centenas de quilogramas de plutónio, distribuídos
convenientemente, para provocar cancro do pulmão em toda a população humana. E
o plutónio permanece perigoso durante 240.000 anos.
A crescente quantidade de plutónio disponível
permite aos países que já possuem armas nucleares, aumentar o seu número a qualquer momento e, ao mesmo tempo, permite aos outros países,
abastecer-se de armas nucleares visto
que, no ciclo de exploração do urânio, não existe uma linha nítida de
demarcação entre o uso civil e militar do material físsil.
Mas não é só este perigo que se origina. As
instalações nucleares está sujeitas a graves acidentes, como já aconteceu. Como possam ser essas consequências, demonstra-o o acidente ocorrido na
central nuclear japonesa de Fukushima.
Em 11 de Março de 2011, o nordeste do Japão é atingido por um violento terremoto com o epicentro no fundo marinho do
Pacífico, que provoca um tsunami com ondas da altura de 10-15 metros. Quando
elas atingem a costa, quatro dos seis reactores da central nuclear de Fukushima
ficam submersos. As bombas param de funcionar, bloqueando o arrefecimento dos
reactores, e os dispositivos de segurança não entram em funcionamento. Após o
bloqueio dos sistemas de refrigeração, verifica-se a fusão dos núcleos dos três
reactores.
A causa decisiva é natural, mas no acidente de
Fukushima – como os que foram verificados em 1979, em Three Mile Island, na
Pennsylvania (USA) e, em 1986, em Chernobyl, na Ucrânia (URSS) – as responsabilidades
humanas são determinantes. Acima de tudo a escolha de construir uma central
nuclear sobre uma costa com a altura de, apenas, 4 metros acima do nível do mar e
protegida por quebra-mares de pouco mais de 5 metros, numa zona sujeita a
tsunami.
Surgem também graves faltas no controlo e na
manutenção das instalações da parte da TEPCO (Tokyo Electric Power Company), a sociedade privada de gestão da central. Depois do acidente, a mesma
sociedade é forçada a admitir a insuficiência dos controlos às instalações. Por
exemplo, as válvulas da temperatura de um reactor, não eram verificadas há 11
anos, enquanto as verificações espaçadas para precisão eram aproximadas e
faltavam inspecções aos dispositivos de reserva de arrefecimento. Além do mais, imediatamente após o bloqueio dos reactores, a TEPCO atrasa, conscientemente, as intervenções para arrefecer com água do mar, os reactores
onde está em curso a fusão do núcleo. O uso da água do mar pode baixar a
temperatura dos reactores, reduzindo os riscos de explosões imediatas e de
fugas radioactivas, mas, ao mesmo tempo, danifica os reactores tornando-os
inutilizáveis: coisa que a TEPCO procura, até ao fim, evitar para não ter
perdas económicas posteriores.
As responsabilidades são, igualmente, do Governo
japonês e da Agência Internacional da Energia Atómica, que procuram, de
maneiras diversas, diminuir a gravidade do acidente. Em 12 de Março, o dia
seguinte ao acidente, o Governo declara que dos reactores não se espalhará uma
grande quantidade de radiação e que a população residente num raio de mais de 20
km não será afectada. Duas semanas depois, o governo pede à população que vive
entre 20 a 30 km da central, para evacuar a zona e, no fim de Abril, estende a
zona de evacuação até 50 km. O número de deslocados sobe a quase meio milhão.
Seis anos depois do acidente, em 2017, a situação
ainda é dramática. Para arrefecer o combustível derretido dos três reactores,
demasiado quente e radioactivo para ser removido, chega água bombeada através
dos reactores, vinte e quatro horas sobre vinte quatro, cerca de 400 toneladas
por dia. A água usada, que se tornou radioactiva, é tratada numa instalação de
descontaminação, cujos filtros, no entanto, não podem remover toda a
radioactividade absorvida. A água ainda radioactiva é armazenada no interior da
central em grandes reservatórios, que em 2017 já contêm cerca de um milhão de
toneladas. Não sabendo durante quantos anos se deverá bombear a água nos
reactores derretidos, e sendo praticamente impossível continuar a armazená-la em
reservatórios, a TEPCO e as autoridades governamentais pensam diluir a água
radioactiva e descarregá-la no mar. Mas os pescadores e os habitantes da zona
opõem-se vigorosamente a esta «solução». É ao mesmo tempo, o problema insolúvel,
de como impedir que a água fortemente radioactiva no interior dos reactores,
contamine as reservas hídricas e a água marinha. O «muro de gelo» subterrâneo,
realizado em 2016, colocando à profundidade de 30 metros em volta dos reactores
mais de 1.500 tubos através dos quais passa uma solução salina a -30ºC,
revela-se ineficaz.
Além da água há o problema do lodo radioactivo, que
se acumula nos filtros das instalações de descontaminação: em seis anos encheram
3.500 contentores e continuam a aumentar. Também se acumularam em seis anos, 65
mil metros cúbicos de roupas de protecção e 80 mil metros cúbicos de resíduos
florestais que se tornaram radioactivos. Juntam-se a estes mais 200 mil metros
cúbicos de destroços e 13 milhões de metros cúbicos de solo radioactivo. Além
do mais, há cerca de 1.600 barras de combustível nuclear, ainda radioactivo,
que a TEPCO, em vez de transferi-las para um sítio adequado, tinha
armazenado no interior da central, para
poupar nos custos.
O Governo japonês comunica, em 2017 que, para
desmantelar a central de Fukushima e beneficiar a zona, seria necessário 4
décadas e uma despesa de quase 200 biliões de dólares, visto que os níveis
elevados das radiações, abrandam as operações. No entanto, ao mesmo tempo, nos
seus relatórios avaliados pela Agência Internacional de Energia Atómica,
continua a sustentar que, salvo qualquer caso esporádico, não haveria
vítimas por causa das radiações do
acidente de Fukushima. O balanço das mortes foi apenas atribuído o tsunami, que
em 11 de Março de 2011, matou mais de 18.500 pessoas. Sobre as consequências
das radiações, a médio e a longo prazo, é colocado uma capa de silêncio. Ao
mesmo tempo, pressionam-se os deslocados (muitos dos quais, sobretudo os
idosos, vivem em condições de grande desconforto) para que se instalem,
novamente, nas suas aldeias, não obstante, hajam níveis de radiações perigosos. A TEPCO, a
sociedade responsável pela catástrofe de Fukushima, é autorizada em 2017, a
reactivar dois reactores na central nuclear Kashiwazaki-Kariwa, a maior do
mundo, no reactor 3 de Fukushima, onde o combustível nuclear derramado se
misturou com o metal derretido.
O reactor 3 é o mais perigoso visto que, na central
de Fukushima, é único carregado com MOX,
contendo plutónio. O MOX, um misto de óxido de urânio e plutónio, sendo muito
mais instável e radioactivo, aumenta o risco de acidentes nucleares e, em caso
de derrame, é extremamente perigoso. O reactor 3 de Fukushima foi carregado com
este combustível de plutónio em Agosto de 2010, depois do Governador da
Prefeitura de Fukushima ter dado a aprovação. Outros dois reactores, nas
centrais de Kyushu Genkai e Shikoku Ikata, já tinham sido carregados com MOX, em
Novembro de 2009 e Março 2010, no âmbito de um programa que previa expandir o
uso deste combustível.
O MOX para os reactores japoneses é produzido em
França, utilizando escórias nucleares enviadas do Japão. Das instalações de
processamento de AREVA, na Normandia, o combustível com plutónio é transportado
por mais de um milhar de quilómetros, em autocarros, das instalações Melox, de
Marcoule, onde são fabricadas as barras de combustível. Elas são novamente
transportadas para a fábrica de Beaumont-Hague, para preparar a expedição.
Assim, os contentores são transportados ao porto de Cherbourg e embarcados em
navios que, tendo a bordo homens armados, em ambiente de guerra, zarpam para o
Japão.
Greenpeace denuncia os perigos do transporte deste combustível de plutónio por terra ou por mar, percorrendo dezenas de milhares de quilómetros, se bem
que ninguém possa prever o que seria em caso de acidente.Denuncia, também, que
o MOX favorece a proliferação das armas nucleares, dado que o plutónio se pode
extrair dele mais facilmente. Quase nenhum governo presta atenção ao alarme
lançado pelo Greenpeace. O governo irlandês tinha procurado, em vão,
dirigindo-se, em 2003, ao Tribunal de Arbitragem de Haia, fechar a instalação
de Sellafield, em Inglaterra: a fábrica, da qual ainda se serve o Japão, é a
fonte de um inquinamento radioactivo perigoso do Mar de Irlanda e do Atlântico
Norte.
Não é dada grande atenção ao alerta, lançado
em 2017, em França, pela Autoridade sobre a Segurança Nuclear (ASN) a respeito
da AREVA, de Beaumont-Hague. Segundo a ASN, a protecção do local contra o risco de
explosão tornou-se insuficiente. Estas instalações concentram a maior
quantidade de plutónio e de outros materiais radioactivos da Europa. Um
acidente provocaria consequências catastróficas para a totalidade da região
europeia.
Informação complementar: http://www.prohealthytips.com/2016/05/ten-most-radioactive-places-on-earth-mapped-out-%E2%98%A2-graphic/
.
A Seguir:
8.5 A ameaça
do terrorismo nuclear
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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