10.12.2019 Autor: Andre Vltchek
É impressionante a facilidade com que o império ocidental está a conseguir destruir os países “rebeldes”
que estão no seu caminho, sem que haja resistência.
Trabalho
em todos os cantos do planeta, onde os “conflitos” kafkianos forem desencadeados por Washington, Londres ou Paris.
O
que vejo e descrevo, não são apenas aqueles horrores que estão a acontecer à
minha volta; horrores que estão a arruinar vidas humanas, a destruir aldeias,
cidades e países inteiros. O que tento perceber é que, nas telas da televisão e
nas páginas dos jornais e da Internet, os crimes monstruosos contra a Humanidade
são descritos até certo ponto, mas as informações são distorcidas e
manipuladas de tal forma que os leitores e os espectadores de todas as partes
do mundo, acabam por não saber quase nada sobre o seu próprio sofrimento e/ou o
sofrimento dos outros.
Por
exemplo, em 2015 e em 2019, tentei reunir-me e argumentar com os manifestantes
de Hong Kong. Foi uma experiência verdadeiramente reveladora! Eles não sabiam
nada, absolutamente nada sobre os crimes que o Ocidente cometeu em lugares como
o Afeganistão, Síria ou Líbia. Quando tentei explicar-lhes quantas
democracias latino-americanas Washington tinha derrubado, pensaram que eu era
um lunático. Como é que o Ocidente, bom, terno e “democrático”, tinha matado
milhões de pessoas e mergulhado continentes inteiros em sangue? Não foi o que nos
ensinaram nas universidades. Não foi o que a BBC, a CNN ou mesmo o que
o China Morning Post disseram e
escreveram.
Olhem,
estou a falar a sério. Mostrei-lhes fotografias do Afeganistão e da Síria; fotos
armazenadas no meu telefone. Eles deviam ter compreender que era algo genuíno, em primeira mão. Ainda
assim, eles observavam, mas os seus cérebros não eram capazes de processar o
que lhes estava a ser mostrado. Imagens e palavras; essas pessoas estavam
condicionadas a não compreender certos tipos de informações.
Talvez considerem difícil de acreditar, mas mesmo num país comunista como o Vietname; um país orgulhoso, um país que sofreu enormemente com o colonialismo francês e o imperialismo louco e brutal dos EUA, as pessoas com quem me relacionei (e morei em Hanói durante 2 anos) não sabiam quase nada sobre os crimes horríveis cometidos pelos EUA e pelos seus aliados durante a chamada “Guerra Secreta” contra os pobres e indefesos habitantes do país vizinho, o Laos; crimes que incluíam o bombardeio de camponeses e búfalos de água, dia e noite, por bombardeiros estratégicos B-52. E no Laos, onde fiz uma reportagem sobre os trabalhos de desminagem, as pessoas não sabiam nada sobre as mesmas monstruosidades que o Ocidente tinham cometido no Camboja; onde tinham assassinado centenas de milhares de pessoas através de atentados à bomba e desalojado milhões de camponeses das suas casas, provocando a fome e abrindo as portas para o domínio do Khmer Vermelho.
Quando
falo dessa falta de conhecimento chocante no Vietname, sobre a região e sobre o
que esse povo foi forçado a suportar, não falo apenas de vendedores ou de fabricantes de
vestuário. Aplica-se a intelectuais, artistas, professores vietnamitas. É uma
amnésia total e surgiu com a chamada 'abertura' para o mundo, o que significa com o
consumo da comunicação mediática ocidental e, mais tarde, com a infiltração das
redes sociais.
Pelo
menos, o Vietname partilha fronteiras com o Laos e o Camboja, além de uma
história turbulenta.
Mas
imaginem dois grandes países só com fronteiras marítimas, como as Filipinas e a
Indonésia. Alguns moradores de Manila que conheci, pensavam que a Indonésia se
situava na Europa.
Agora,
adivinhem, quantos indonésios têm conhecimento dos massacres que os Estados Unidos
efectuaram nas Filipinas há um século, ou como as pessoas nas Filipinas foram
doutrinadas pela propaganda ocidental sobre todo o Sudeste Asiático? Ou quantos
filipinos têm conhecimento do golpe militar de 1965, desencadeado pelos EUA, que
depôs o Presidente Sukarno, matando entre 2 a 3 milhões de
intelectuais, professores, comunistas e sindicalistas na “vizinha” Indonésia?
Consultem as secções estrangeiras dos jornais indonésios ou filipinos e o que verão? As
mesmas notícias da Reuters, AP, AFP. De facto, também verão os mesmos
relatórios nas agências de notícias do Quénia, da Índia, do Uganda, do
Bangladesh, dos Emirados Árabes Unidos, do Brasil, da Guatemala e a lista
continua. Este esquema foi planeado para produzir um único resultado: a fragmentação
completa!
***
A
fragmentação do mundo é incrível e está a aumentar com o passar do tempo.
Aqueles que esperavam que a Internet melhorasse a situação, pensaram
erradamente.
Com
a falta de conhecimento, a solidariedade também desapareceu.
Neste
momento, em todo o mundo, decorrem tumultos e revoluções. Estou a noticiar as
mais significativas; no Médio Oriente, na América Latina e em Hong Kong.
Deixem-me
ser franco: não há absolutamente nenhuma percepção no Líbano sobre o que está a
acontecer em Hong Kong, ou na Bolívia, no Chile ou na Colômbia.
A
propaganda ocidental joga tudo no mesmo saco.
Em
Hong Kong, os manifestantes doutrinados pelo Ocidente são apresentados como “manifestantes
pró-democracia”. Eles matam, queimam, espancam pessoas, mas ainda são os
favoritos do Ocidente. Porque estão a antagonizar a República Popular da China,
considerada agora, o maior inimigo de Washington. E porque esses manifestantes
foram criados e apoiados pelo Ocidente.
Na
Bolívia, o Presidente anti-imperialista foi derrubado por um golpe orquestrado
por Washington, mas a maioria da população indígena, que exige o seu regresso, é citada como um bando de arruaceiros.
No
Líbano, assim como no Iraque, os amotinados são tratados gentilmente pela
Europa e pelos Estados Unidos, principalmente porque o Ocidente espera que o
Hezbollah pró-iraniano e outros grupos e partidos xiitas, possam vir a ser
enfraquecidos pelos protestos.
A
revolução, visivelmente anti-capitalista e anti-neoliberal no Chile, bem como os
protestos legítimos na Colômbia, são relatados como uma espécie de combinação
de explosão de queixas genuínas e hooliganismo e saques. Mike Pompeo alertou,
recentemente, que os Estados Unidos apoiarão os governos de direita da América
do Sul, na tentativa de manter a ordem.
Todas
essas reportagens são um absurdo. De facto, têm um único objectivo: confundir os espectadores e os leitores. A fim de assegurar que eles não saibam nada ou que
percebam muito pouco. E que, no final do dia, aterrem nos sofás com suspiros
profundos, exclamando: “Oh, o mundo está um caos!”
***
Também
conduz à tremenda fragmentação dos países em cada continente e em todo o hemisfério
sul do globo.
Os
países asiáticos conhecem muito pouco uns dos outros. O mesmo acontece com a
África e com o Médio Oriente. Na América Latina, são a Rússia, a China e o Irão
que estão, literalmente, a salvar a vida da Venezuela. Os outros países latino-americanos,
com a excepção brilhante de Cuba, não fazem nada para ajudar. Todas as
revoluções latino-americanas estão fragmentadas. Todos os golpes produzidos pelos
EUA, basicamente, não têm oposição.
A
mesma situação está a acontecer em todo o Médio Oriente e na Ásia. Não há
brigadas internacionalistas que defendam os países destruídos pelo Ocidente. O
grande predador vem e ataca a sua presa. É uma visão horrível, como um país
morre perante o mundo, em terrível agonia. Ninguém interfere. As pessoas apenas
vêem.
Um após o outro, os
países estão a render-se.
Não é assim que, no
século XXI, os Estados devem comportar-se. Esta é a lei da atracção da selva.
Quando eu morava em África, fazia documentários no Quénia, no Ruanda e no Congo,
conduzindo através do deserto; era assim que os animais se comportavam, não as
pessoas. Os grandes felinos a encontrar a sua vítima. Uma zebra ou uma gazela.
E a caça começava: uma ocorrência terrível. Depois, a morte lenta - comendo a
vítima viva.
Muito semelhante à
designada Doutrina Monroe.
O Império tem de matar.
Periodicamente. Com regularidade previsível.
E ninguém faz nada. O
mundo está a assistir. Fingindo que nada de extraordinário está a acontecer.
Perguntem a si mesmos: A
revolução legítima pode ser bem sucedida em tais condições? Qualquer governo
socialista eleito democraticamente poderá sobreviver? Ou tudo que é decente,
esperançoso e optimista acaba sempre vítima de um império degenerado, brutal e
vulgar?
Se for esse caso, qual
é o sentido de seguir regras? Obviamente, as regras estão podres. Existem só para manter o 'status quo'. Protegem os colonizadores e castigam as
vítimas das rebeliões.
Mas não é este assunto
que eu queria discutir aqui, hoje.
O que quero dizer é que
as vítimas estão divididas. Sabem muito pouco umas das outras. As lutas pela
verdadeira liberdade estão fragmentadas. Aqueles que lutam e sangram, mas que
mesmo assim lutam, muitas vezes são hostilizados pelos seus companheiros que
são mártires menos ousados.
Eu nunca vi o mundo tão
dividido. Afinal, o Império está a vencer?
Sim e não.
A Russia, a China, o
Irão, a Venezuela – já acordaram. Ergueram-se. Estão a adquirir conhecimento
sobre os outros, uns com os outros.
Sem solidariedade, não
pode haver vitória.
Sem conhecimento, não pode haver solidariedade.
Nitidamente, a coragem intelectual vem agora da Ásia, do “Oriente”. Para
mudar o mundo, a comunicação mediática de destaque ocidental precisa de ser
marginalizada, confrontada. Todos os conceitos ocidentais, incluindo a “democracia”, a “paz” e os “direitos humanos” devem ser questionados e redefinidos.
E naturalmente, o conhecimento.
Precisamos de um mundo
novo, não de um mundo melhorado.
O mundo não precisa de
Londres, Nova York e Paris para ensiná-lo sobre si mesmo.
A fragmentação tem de
terminar. As nações precisam de aprender, directamente, umas sobre as outras. Se o
fizerem, dentro em breve, as verdadeiras revoluções serão bem sucedidas, enquanto os tumultos e as falsas revoluções coloridas, como as de Hong Kong, da Bolívia e
de todo o Médio Oriente, serão confrontadas regionalmente e impedidas de
arruinar milhões de vidas humanas.
Andre
Vltchek, filósofo, romancista, cineasta e jornalista investigador, é o criador
de ‘O Mundo de Vltchek em Palavras e Imagens'. Escreveu vários livros,
incluindo a ‘China e a Civilização Ecológica’. Escreve, especialmente, para a revista
online “New Eastern Outlook.”
Tradutora:
Maria Luísa de Vasconcellos
Webpage:
NO WAR NO NATO
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