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MEMORIAM: Andre Vltchek, 1962-2020
Por Flávio Gonçalves
23 de Setembro de 2020
A
notícia chegou-nos como um choque, para vos sermos sinceros estamos ainda em
negação à espera de receber um qualquer relato contraditório em como houve um
erro de identificação e Andre Vltchek ainda se encontra vivo, perpetuamente em
viagem a relatar os crimes e as injustiças do Império, sempre imparável, um
verdadeiro titã na defesa dos oprimidos.
Os leitores das edições em língua inglesa e em língua portuguesa do Pravda.ru estavam
familiarizados com o seu nome, em Portugal os seus textos eram também publicados
nos portais libertaria.pt, tiremasmaosdavenezuela.com e resistir.info, vários
deles traduzidos por mim para publicação no Pravda.ru e
posteriormente reencaminhados para reprodução em portais como o do Centre for
Research on Globalization, era também presença habitual nos canais de televisão
da iraniana PressTV, da russa RT e até da venezuelana TeleSUR, isto nos tempos
de glória deste ambicioso projecto chavista.
Foi uma das primeiras vozes internacionais a defender Lula, publicando
inclusivamente a obra “Por Lula: O Brasil de Bolsonaro, O Novo Tubarão Num
Mar Infestado de Tubarões” em 2018, sendo que aquando da segunda edição em
Abril de 2019 me pediu inclusivamente para interceder junto do núcleo do Núcleo
de Lisboa do Partido dos Trabalhadores para determinar se alguém poderia fazer
com que um exemplar fosse entregue ao próprio.
Ainda não foram divulgadas as causas da sua morte, não nos surpreenderiam se
não fossem naturais do mesmo modo que não será qualquer surpresa se o forem. O
último ano foi particularmente intenso e cruel para com Andre Vltchek, tanto
física como psicologicamente, quem o seguia nas redes sociais testemunhou quão
frustrado se sentia com a generalizada falta de apoio ao seu trabalho, com
milhares de seguidores e dezenas ou até mesmo centenas de milhar de leitores em
todo o mundo, em língua portuguesa, inglesa e castelhana, a verdade é que
contava com menos de uma trintena de patronos.
Migalhas Para um Revolucionário
Desabafava frequentemente que os seus leitores ocidentais só estavam
interessados em borlas, em lê-lo talvez por mero entretenimento político ou
alívio de consciência, mas que todos os elogios, traduções e partilhas e gostos
não se repercutiam em qualquer apoio directo e que tampouco compravam os seus
livros, o seu Patreon contava apenas com 26 patronos, sendo um deles este que
aqui vos escreve. No último ano contraiu uma infecção que o deixou febril e
parcialmente cego numa das suas passagens pela Ásia, na altura pediu-me
conselhos de tratamento uma vez que eu próprio no início de 2019 também contraí
uma infecção que me deixou parcialmente cego durante uma semana em Lisboa.
Após uma estadia forçada no Chile – que aproveitou para nos deliciar com
reportagens em primeira mão sobre os movimentos sociais locais – seguiu para a
Venezuela e depois para a Europa após várias jornadas que o levaram a colapsar
em Berlim de exaustão. Era uma máquina viva o nosso Andre, sempre em movimento
viveu por largas temporadas no Líbano, no Chile – que considerava o seu segundo
lar –, no Japão e até no coração do Grande Satanás, os EUA, onde obteve
cidadania.
Embora sendo um revolucionário comunista ortodoxo que se deleitava com as conquistas sociais da China, do Vietname, de Cuba e até da Coreia do Norte, o seu coração era imenso o suficiente para aceitar como companheiros de viagem e de luta anarquistas, socialistas diversos, até gente do outro extremo político, desde que nestes testemunhasse uma mesma ética, uma mesma moral, uma mesma vontade de transformar o mundo num sítio melhor para as próximas gerações ou até para as actuais. Estava ainda a ‘dever-lhe’ uma dezena de traduções e já me tinha oferecido para traduzir para língua portuguesa um ou mais dos seus livros, sem quaisquer custos e publicados pela sua editora, a PT. BADAK MERAH SEMESTA (RINOCERONTE VERMELHO em tradução livre).
Fomos camaradas internacionalistas, colegas em vários projectos jornalísticos e cúmplices no combate por um mundo melhor, chorei literalmente com a notícia da sua morte, era um titã irredento, nunca se rendeu, nunca se vendeu, combateu com todas as suas forças até ao último suspiro, nunca adiando uma viagem ou reportagem por miudezas irrelevantes e reaccionárias como o perigo de vida ou uma infecçãozinha insignificante.
Até sempre camarada, dado o imenso volume da tua obra ainda te iremos manter vivo em língua portuguesa por uns largos meses e aquela entrevista eternamente adiada ficará para quando nos revermos no Grande Pub Celestial, a maior de todas as redacções.
Flávio Gonçalves
Flávio Gonçalves é cronista, crítico e difusor literário na edição em língua
portuguesa do jornal digital Pravda.ru, diretor da revista
"Libertária", tradutor, autarca, membro do Conselho Consultivo do
Movimento Internacional Lusófono, sócio fundador do Instituto de Altos Estudos
em Geopolítica e Ciências Auxiliares, ativista do Conselho Português para a Paz
e Cooperação e das campanhas internacionais Tirem As Mãos da Venezuela e Hands
Off Syria Coalition, é colaborador do Centre for Research on Globalization
(Canadá) e do Center for a Stateless Society (EUA), ex-jornalista na revista
"Your VIP Partner" e no semanário "O Diabo".
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