Mina de urânio, a nova ameaça fronteiriça
20.02.2018 às 8h00
A mina de urânio de Retortillo é contestada por ambientalistas portugueses e espanhóis, que têm nova acção de protesto marcada para sábado, em Salamanca
NUNO
BOTELHO
Infografia
A
cerca de 50 quilómetros em linha recta da fronteira portuguesa projecta-se a
escavação de uma mina de urânio a céu aberto. Depois de Almaraz, Espanha volta
a ignorar Portugal quanto à avaliação de impactos transfronteiriços. Em causa
está a potencial contaminação radioactiva pelo ar ou pela água, através do rio
Douro.
A
cratera ainda não começou a ser escavada, mas a empresa mineira australiana
Berkeley espera começar a extrair urânio da projectada mina a céu aberto em
Retortillo, a cerca de 50 quilómetros da fronteira portuguesa, já em 2019. A
ser concretizada, esta será a única mina de urânio do género da Europa
Ocidental e dominará um perímetro de 27 quilómetros junto ao rio Yeltes, um
afluente do Huebra, que desemboca na bacia do Douro internacional.
“A
eventual implantação de uma mina de urânio em Retortillo tem impactos directos
no território português, pois pode vir a existir contaminação radioactiva
através do ar ou da água, já que a mina fica em cima de um afluente do Rio
Douro”, alerta, preocupado, o deputado do Bloco de Esquerda Pedro Soares,
também presidente da Comissão parlamentar de Ambiente e Ordenamento do
Território. Pedro Soares teme que se esteja perante “uma réplica do que se
passou com o armazém de resíduos nucleares de Almaraz”, já que, sublinha, “mais
uma vez as autoridades espanholas estão obrigadas a um processo de avaliação do
impacto ambiental transfronteiriço - e não o fizeram”.
Segundo
informação prestada pelo Governo esta segunda-feira ao presidente da Comissão
de Ambiente do Parlamento, as autoridades portuguesas só foram informadas sobre
a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) positiva dada ao projecto desta mina
três anos depois de as autoridades espanholas a terem emitido. A DIA foi
emitida em Setembro de 2013 e a documentação só chegou à Agência Portuguesa do
Ambiente em Abril de 2016.
E,
apesar do Ministério Português do Ambiente ter entendido que “o projecto poderia
ser susceptível de ter efeitos ambientais significativos em território
nacional”, as autoridades espanholas entenderam “não ser necessário realizar
consultas transfronteiriças”. Até porque, lê-se no documento, “a concessão da
licença de exploração se encontrava já concluída, não sendo possível a
pronúncia de Portugal”.
Nova
troca de missivas em 2017 levou o Ministério dos Assuntos Exteriores de Espanha
a informar Portugal de que “a unidade de processamento de urânio“ se encontrava
“pendente no Conselho de Segurança Nuclear, sem o qual a mina não entraria em
funcionamento”.
“GOVERNO
DEVE SER MAIS FIRME DO QUE FOI EM ALMARAZ”
“E
andamos nisto”, lamenta Pedro Soares. O deputado do BE diz esperar que “o
Governo português seja mais firme desta vez do que foi no caso de Almaraz”,
aquando do licenciamento do armazém temporário de resíduos nucleares.
O
bloquista e representantes de outros grupos parlamentares portugueses
visitaram, esta segunda-feira, o local para onde está projetada a mina de
urânio em Retortillo, assim como duas localidades vizinhas, Boada e Villavieja
de Yeltes, cujos alcaides estão contra o projeto.
“Ao
que sabemos, a avaliação de impacte ambiental espanhola considera que há 14
impactes severos, mas a Junta de Castilla y León deu parecer favorável ao
projeto”, conta Pedro Soares, lembrando que já foram arrancadas mais de mil
árvores no local e estão a ser afectadas áreas da Rede Natura 2000.
Questionado
pelo Expresso sobre se está preocupado com a mina de urânio projetada para
Retortillo e sobre que medidas foram tomadas pelo Governo português, o ministro
do Ambiente, João Matos Fernandes, recusou responder, dizendo que só falaria
sobre o assunto no final desta segunda-feira, numa cerimónia na Ordem dos
Engenheiros. Na próxima quarta-feira, Matos Fernandes terá de responder às
perguntas dos deputados sobre Retortillo, durante uma audição parlamentar na
Assembleia da República.
“MINISTRO
SOPRA PARA O AR”
“O Ministro do Ambiente continua a soprar para o ar em relação a esta mina de
urânio, tal como soprou para o ar em relação a Almaraz ou em relação à poluição
do Tejo”, critica António Eloy, dirigente do Movimento Ibérico Antinuclear, que
acompanhou a visita dos deputados portugueses e espanhóis a Retortillo.
Os
ambientalistas têm a expectativa de que o Conselho de Segurança Nuclear (CSN)
de Espanha não dê luz verde à fábrica de urânio processado, da qual depende a
mina. “O CSN ainda não passou a licença para que possam avançar com a construção
da fábrica, e o projeto está parado”, explica o físico nuclear Paco Castejon,
dirigente espanhol do MIA e membro dos Ecologistas en Acción.
Paco
Castejon sublinha os riscos de “uma nuvem radioactiva chegar a Portugal”, tendo
em conta que se trata de uma mina a céu aberto. E lembra que “mais uma vez
Espanha não cumpre o protocolo de transparência transfronteiriça com Portugal”.
Para o ecologista “não se percebe a insistência neste projecto já que a
rentabilidade económica não está garantida, uma vez que se estão a fechar
centrais nucleares na Europa”.
Em
Portugal as minas de urânio foram fechadas há cerca de duas décadas e “ainda
hoje há problemas graves a nível ambienta e de saúde pública associados a
doenças oncológicas”, sublinha António Eloy.
A
mina da Berkeley obteve licença de exploração de urânio em Espanha em 2014 e a
classificação de “interesse público” da Junta de Castilla Y Leon. O projecto
visa a extracção de 2,2 milhões de toneladas de urânio por ano, ao longo de pelo
menos uma década.
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