MANLIO DINUCCI
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GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
1.3 Os efeitos da chuva radioactiva
O maior número de vítimas é provocado pelo fallout, ou
seja, a recaída ou chuva radioactiva. Cerca de metade dos materiais radioactivos
produzidos pela explosão nuclear, voltam a cair no solo dentro de vinte e
quatro horas: a outra metade, constituída por partículas mais leves, espalha-se
na atmosfera. Depois da explosão no solo de uma bomba de 1 megaton, as pessoas
que permanecem ao ar livre ficam expostas a doses mortais de radiações –
radiações gama externas, produzidas por materiais radioactivos e radiações beta
pelo contacto do fallout sobre a pele – numa área de cerca de 2.000 quilómetros
quadrados e a doses perigosas numa área de 10.000 km2.
Um número crescente de pessoas, que permanecem
aparentemente ilesas, começam a apresentar sintomas indicadores do síndroma da
radiação. No caso de síndromas que afectam o sistema nervoso central, causada
por forte radiação, a vítima é afectada por enxaqueca, seguida rapidamente por
um estado de sonolência, profunda letargia e apatia, um tremor generalizado e
perda de coordenação muscular, entra num estado de coma, acompanhado de
convulsões e a morte ocorre dentro de 48 horas.Não existindo nenhum tratamento
possível, o resultado é fatal.
No caso de síndroma gastrointestinal, provocado por
irradiação aguda, a vítima é atingida por náuseas, vómitos, diarreia
hemorrágica, acompanhada de um estado grave de desidratação e febre alta.
No espaço de uma ou duas semanas verifica-se a morte por enterite, septicemia,
toxemia ou desequilíbrio dos líquidos orgânicos.
Um síndroma hematopoiético, devido a doses menores,
provoca na vítima, uma fase inicial de náusea e vómito, que se prolonga por 24
horas, à qual se segue uma semana de incubação em que o indivíduo parece
normal. Neste ponto inicia-se um estado de mal-estar difuso, acompanhado de
febre e de forte diminuição dos glóbulos brancos em circulação. Petéquias e
hemorragias das gengivas não tardam a manifestar-se, enquanto cai o número das
plaquetas sanguíneas e se determina um estado de anemia devido a insuficiência
medular e hemorragias. Dependendo do grau de exposição e da extensão das lesões
da medula óssea, a pessoa pode restabelecer-se em algumas semanas ou alguns
meses, ou caso contrário, morrer por hemorragia ou septicemia, devido à
supressão das defesas imunitárias.
O destino daqueles que, encontrando-se no raio de
destruição da bomba nuclear, tiveram a má sorte de não morrer imediatamente,
descrevem-no os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki por tê-lo visto com
os seus próprios olhos. Michito
Ichimaru - um estudante de Medicina que, no momento da explosão da bomba sobre Nagasaki,
se encontra a dois quilómetros e meio do hipocentro, não tendo podido ir para a
aula devido ao descarrilamento de um eléctrico – conta «À 11 da manhã, enquanto
estava no quarto com um companheiro de estudos, senti o ruído de um B-29 que
passava sobre as nossas cabeças. Pouco depois, o ar acendeu-se com uma luz
amarela brilhante e sentimos um enorme golpe de vento. Aterrorizados,
precipitámo-nos para nos escondermos no
gabinete. Mais tarde, quando me recuperei, vi que no tecto se tinha produzido um
buraco, todos os vidros se tinham quebrado e uma lasca tinha-me feito uma
ferida no ombro, que sangrava. Ao sair, vi que o céu de azul se tinha tornado
negro e tinha começado a cair uma chuva negra. Pouco depois, tentei chegar à
minha Escola de Medicina, em Urakami, mas não consegui por causa dos incêndios
que surgiam por toda a parte. Encontrei muitas pessoas que regressavam de lá.
Tinham as roupas rasgadas e farrapos de pele que pendiam do corpo. Vagueavam
como fantasmas.
«No dia seguinte
consegui alcançar Urakami. Restavam, unicamente, as estruturas em cimento
e ferro. Avizinhando-me da escola, vi cadáveres negros e carbonizados, que
mostravam o branco dos ossos. Dentro do edifício escolar destruído, encontrei
alguns dos meus companheiros ainda com vida, mas incapazes de se moverem. Mesmo
os mais fortes estavam caídos por terra.Falei com eles e disseram-me que iriam
recuperar, mas, na realidade, todos morreram dentro de poucas semanas. Nunca
mais posso esquecer o olhar daqueles olhos nem o som daquelas vozes. Subi a
pequena colina atrás da escola. As árvores tinham perdido a folhagem, a colina
verde tinha-se tornado castanha. Encontrei muitos estudantes, médicos e
enfermeiras e alguns pacientes fugidos do hospital. Estavam muito fracos e
sedentos, gritavam: «Dá-me, água, água, suplico-te». Tinham as roupas em
farrapos, sujas e ensanguentadas. O seu estado era gravíssimo. Levei amigos
pela colina abaixo, carregando-os nos meus ombros. Servindo-me de um carrinho
puxado por uma bicicleta, levei-os para casa.Morreram todos dentro de poucos
dias. Alguns amigos morreram com febre elevada, em delírio. Outros
lamentavam-se de um mal estar geral, e tinham diarreia com sangue. Em todas as
escolas públicas que visitei, encontrei muitos sobreviventes levados para lá, por
pessoas com saúde. É impossível descrever o horror daquela cena. Recordo-me das
vozes que gritavam de dor e e um fedor terrível. Eu lembro-me disto como sendo
o inferno. Também todas estas pessoas morreram em poucas semanas.»
O testemunho deste
estudante de Medicina indica o que mais tarde será cientificamente verificado.
A International Physicians for the Prevention for Nuclear War (
A Associação Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear) –
fundada em 1980 pelo americano, Bernard Lown e pelo soviético, Evgueni Chazov e
premiada, em 1985, com o Prémio Nobel da Paz, pela sua «informação credível»
sobre as consequências da guerra nuclear – demonstra que, depois de um
bombardeamento nuclear, a assistência médica às vítimas das radiações consiste,
unicamente, em aliviar o seu sofrimento enquanto estão a morrer, a
prestar-lhes «a
última ajuda».
Com efeito, depois
de um bombardeamento nuclear, seria muito difícil, se não impossível, assistir
os feridos graves e os moribundos. Médicos e enfermeiros, que restassem na
zona, apesar de saberem o perigo mortal das radiações, deveriam trabalhar na
condição caótica de uma cidade destruída e em chamas, com os poucos
medicamentos que restassem, privados de energia eléctrica e de
telecomunicações. O impulso electromagnético, produzido pela explosão nuclear,
de facto, colocaria fora de uso todos os aparelhos eléctricos e electrónicos
não protegidos. Num ataque em grande escala, bastaria uma explosão nuclear a
uma altitude de 100 km para colocar fora de uso esses aparelhos, num raio de
1.000 km.
Em 1945, o jovem
Michito Ichimaru, enquanto assiste impotente, à morte dos amigos pelo efeito da
«chuva negra» radioactiva, não pode saber que tantas outras pessoas morreram
sucessivamente, também em zonas longínquas, sempre por causa do bombardeamento
nuclear de Hiroshima e Nagasaki. As partículas radioactivas, que a explosão de
uma bomba nuclear dispersa na estratosfera, tornam a cair no solo depois de
algumas semanas, depositando-se num círculo amplo em volta da Terra, à mesma
latitude da explosão. A percentagem de radioactividade desta recaída intermédia
aumenta, se o engenho nuclear é de potência menor, pois que grande parte
das partículas radioactivas produzidas pela explosão fica na troposfera, mais
sujeita a turbulência e, depois de ter dado várias voltas em torno da Terra,
torna a cair no solo. Depois de alguns meses ou anos, também as outras
partículas radioactivas tornam a cair sobre toda a Terra.
Calcula-se que numa
cidade de um milhão de habitantes – onde todos, no momento da explosão, se
encontrassem dentro dos edifícios com um factor de protecção igual a 5 (ou
seja, capaz de reduzir a um quinto, a dose de radiações que receberiam se
estivessem no exterior) – a recaída local de uma explosão nuclear de 1 megaton
a nível do solo provocaria cerca de 230.000 vítimas, 85.000 das quais morreriam
no decurso dos primeiros meses. Com um factor de protecção igual a 1,5 - as
vítimas da radiação intensa seriam 510.000, 190.000 das quais morreriam nos
primeiros meses; como consequência a longo prazo, 30.000 pessoas morreriam de
tumores malignos provocados pelas radiações, e outras 9.000 poderiam transmitir
danos genéticos aos seus próprios descendentes.
Ainda mais amplos
seriam os efeitos do bombardeamento nuclear de uma central nuclear, que
aumentaria enormemente a quantidade de radionuclídeos de longo prazo. Se um
reactor fosse atingido por uma bomba nuclear, a sua radioactividade
espalhar-se-ia juntamente com a da bomba. Dado que ela contém uma quantidade
relativamente pequena de compostos radioactivos de curto prazo, a sua
destruição não contribuiria sensivelmente para o aumento da radioactividade do
ambiente, na primeira semana. Os efeitos mais graves seriam a longo prazo,
enquanto a destruição do reactor provocaria a dispersão de quantidades de Estrôncio-90 e Césio-137, cuja radioactividade perdura por muito mais tempo e
espalha-se por uma área muito mais vasta.
A população das
áreas expostas à recaída intermédia seriam sujeitas a irradiação interna,
principalmente por causa do Iodo-131, contido no leite dos animais que tivessem pastado em
zonas contaminadas. Atingiria principalmente as crianças e os fetos das
mulheres grávidas, que teriam a tiróide danificada. Radionuclídeos como o
Estrôncio-90 e o Césio-137 exporiam os habitantes da zona contaminada ao perigo
de radiações a longo prazo.
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