MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O PRIMEIRO DIA
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
1.4 O
inverno nuclear
Durante mais de trinta
anos depois do bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki, cientistas de
todo o mundo concentraram os seus estudos sobre os efeitos de uma simples
explosão nuclear: irradiação térmica, onda de choque, queda radioactiva local,
intermédia e a longo prazo. Só no início dos anos oitenta, começaram a indagar
sobre as consequências de um uso em vasta escala de armas
nucleares. Os modelos científicos que
elaboraram, fornecem-nos – embora com diferenças notáveis uns dos outros, uma
indicação fundamental inequívoca. Uma guerra nuclear provocaria não só o que
aconteceu em Hiroshima e Nagasaki multiplicado por mil ou um milhão, mas algo ainda
mais grave: a desorganização dos equilíbrios climáticos e dos eco-sistemas.
Num conflito nuclear em
vasta escala, desenvolver-se-iam, ao mesmo tempo, em áreas urbanas e
florestais, milhares de incêndios violentos, cada um dos quais estendido até centenas
de quilómetros. Não tendo tido nunca, incêndios deste tipo e de tão
vastas proporções, é difícil estimar com exactidão, a quantidade de fumo que
seria emitida. De qualquer maneira, acredita-se que até a combustão de uma
pequena parte dos materiais inflamáveis provocaria consequências gravíssimas.
Bastaria a combustão de
um terço de mais de 10 biliões de toneladas de madeira e de papel –
concentrados nas áreas urbanas e industriais - da América do Norte,
Europa e Rússia – para produzir uma quantidade de fumo estimada, desde dezenas
de toneladas e, ulteriormente, mais centenas de milhões de toneladas,
constituída por um quarto ou um terço de carbono elementar amorfo.
A combustão dos
materiais inflamáveis concentrados nas áreas urbanas e industriais – madeira,
papel, petróleo, gasolina, querosene, gasóleo, produtos químicos, materiais
plásticos, fibras sintéticas, borracha, asfalto e outros – produziria centenas
de milhões de toneladas de fumo muito fuliginoso, constituído por mais de 50%
de carbono elementar amorfo.
Os incêndios de grandes
áreas florestais, na ordem de dezenas o centenas de milhares de km2,
adicionariam, em quantidade variável dependendo da estação e do tipo de
vegetação, outras dezenas de milhões de toneladas de fumo, o qual teria, em
relação ao produzido pelos incêndios urbanos, um coeficiente mais elevado de
absorção da radiação solar.
Esta enorme quantidade
de fumo fuliginoso – constituído de partículas com diâmetro de 01, a 1 micron,
formado de uma mistura de carbono elementar amorfo, hidrocarbonetos
condensados, detritos minúsculos e outras substâncias – seria transportado
rapidamente para a atmosfera, a uma altitude de 10-15 km, por violentas
correntes ascendentes geradas pelos incêndios. Se bem que uma parte caísse no
solo, depois de algum tempo, com as precipitações atmosféricas, uma outra
parte ficaria muito tempo suspensa na atmosfera, exercendo uma forte acção
absorvente da radiação solar.
No hemisfério Norte, no
período que vai da Primavera ao início do Outono, a temperatura média da
superfície poderia cair de 20ºC para -40ºC dentro de poucos dias, provocando
fortes perturbações. Nas latitudes médias, a temperatura média de verão à
superfície poderia cair a níveis outonais ou de princípio de inverno por
períodos de semanas ou mais. Nas zonas interiores dos continentes poderia
existir períodos caracterizados por temperaturas muito rígidas, de pleno
inverno. Fortes correntes de ar frio poderiam dirigir-se para o sul, para
regiões onde raramente ou nunca, há condições de gelo.
O manto de fumo poderia
permanecer na atmosfera durante um ou mais anos, e determinar à escala mundial,
um arrefecimento a longo prazo com a duração de anos, com um declínio de vários
graus das temperaturas médias, em particular depois dos oceanos terem
arrefecido significativamente. Em tais condições, poderia verificar-se uma
notável redução da precipitação.
Um outro fenómeno que
se produziria na estratosfera, poderia ter graves efeitos biológicos e
ecológicos. Os óxidos de azoto gerados pela explosão nuclear, atingindo a
estratosfera, catalisariam reacções químicas que, dentro de alguns meses,
poderiam reduzir de 10 a 30% a camada de ozono. Como consequência, a radiação
ultravioleta biologicamente activa, logo que se reduzisse o manto de fumo,
atingiria a superfície terrestre com maior intensidade.
Outros efeitos
resultariam da emissão nas camadas baixas da atmosfera de grandes quantidades
de monóxido de carbono, óxido de azoto e de enxofre, ácido clorídrico e de
outras substâncias, produzidas pela combustão de milhares de toneladas de
produtos de celulose e combustíveis fósseis. Tais substâncias, algumas das
quais muito tóxicas, poderiam se nocivas, directa ou indirectamente, para
muitas formas de vida.
As consequências de
todos estes fenómenos seriam devastadoras. O declínio da radiação solar e da
temperatura teria um impacto imediato sobre a possibilidade de sobrevivência
dos sobreviventes, os quais, privados em grande parte, de abrigos adequados, de
combustíveis e de energia eléctrica, deveriam de enfrentar durante semanas ou
meses, temperaturas baixíssimas em condições de obscuridade e grandes tumultos
climáticos.
Efeitos a médio e longo
prazo, também irreversíveis, aconteceriam na vegetação, em particular na das
zonas tropicais e subtropicais, que pode existir apenas dentro de uma faixa
muito restrita de temperatura e iluminação. Ao mesmo tempo, o fitoplancton e o
zooplancton seriam destruídos, quer pela queda das radiações, quer pelo aumento
das radiações ultravioletas, produzindo efeitos chocantes em todo os
eco-sistemas marinhos.
A agricultura também
seria gravemente atingida. Ao verificar-se episódios, mesmo de breve duração,
de congelamento durante a estação de maturação, duração insuficiente da própria
estação de maturação, falta de temperatura para o crescimento trariam a perda
de colheitas completas. Tal possibilidade é demonstrada não só em experiências
de laboratório, mas também do estudo de grandes erupções vulcânicas.
A erupção do Tambora,
na Indonésia, em 1815, projectou na estratosfera 150 quilómetros cúbicos de
matéria pulverizada. No ano seguinte, em 1816, foi definido como «o ano sem
verão»: Na América do Norte e na Europa nevou em Junho e houve temperaturas
baixíssimas em Julho e Agosto; seguiu-se uma grande carestia, a qual,
provavelmente, favoreceu a epidemia de cólera que, surgiu em Bengala, chegou
primeiro ao Cáucaso e, em seguida, à Europa e à América.
De grande duração, pior
seria esta situação, se caísse sobre a Terra o «inverno nuclear».
Os aprovisionamentos de
cereais, seriam suficientes em teoria, para manter a vida dos sobreviventes
durante alguns anos, só nos maiores produtores, mas mesmo nesses países, em
rapina devido a convulsões sociais, seria praticamente impossível um
funcionamento regular dos sistemas de distribuição. No resto do mundo,
compreendendo a maioria dos países e das populações, as reservas alimentares
durariam poucas semanas ou poucos meses. Como consequência, se a produção
alimentar fosse interrompida durante uma ou mais estações e ao mesmo tempo
fossem interrompidas as importações, não haveria comida suficiente para manter
os sobreviventes vivos.
A desnutrição, as
doenças galopantes e o caos que dominaria em quase toda a parte, provocariam o
declínio global da espécie humana.
A seguir:
Capítulo 2
A CORRIDA AOS ARMAMENTOS NUCLEARES
2.1 O confronto nuclear USA-URSS
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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