Lula, um preso diferenciado e isolado
Publicado por Marcelo Auler em 19 de Abril de 2018
Marcelo Auler, de Curitiba
Leonardo Boff: a unica concessão foi um banquinho junto à
guarita. Foto: reprodução do DCM
Na manhã desta quinta-feira (19/04) o prêmio Nobel da Paz
(1980), Adolfo Pérez Esquivel, e o teólogo Leonardo Boff aportaram na frente do
prédio da Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal do
Paraná (SR/DPF/PR). São dois velhos amigos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva que tentaram visitá-lo na “sala reservada, uma espécie de Sala de
Estado Maior”, onde ele se encontra recolhido há 12 dias, em um
cumprimento antecipado de pena. Os dois, porém, foram barrados.
Sem nenhum pedido de visita ajuizado, Boff sequer
foi recebido pelo superintendente em exercício, o delegado regional
executivo, Roberval Vicalvi. A única concessão que mereceu foi um
banquinho na guarita da entrada do estacionamento, enquanto servidores aguardavam
orientação se ele poderia ou não entrar. Ele pretendia entregar a Lula dois
livros. Um de sua autoria, “O Senhor É Meu Pastor”. O segundo do frade
carmelita Carlos Mesters: “A Missão do Povo Que Sofre”. Saiu de Curitiba com os
mesmos na bagagem.
Esquivel, como noticiado aqui em Lula aos filhos: estou melhor do que 90%
da população, na segunda-feira
(16/04) ajuizou um pedido de visita ao ex-presidente. Nele especificou que
estaria na cidade entre a noite de quarta-feira e à tarde de sexta-feira. Horas
depois, apresentou em juízo um “Comunicado de Inspeção” que pretendia fazer,
respaldado nas “Regras de Mandela” – um normativo aprovado pela ONU que foi
recepcionado, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2016.
Responsável pela execução da pena de Lula, a juíza
Carolina Moura Lebbos, na quarta-feira, às 14h32, em despacho de 58
linhas, com 557 palavras, apenas justificou os motivos de indeferimento do
segundo pedido ajuizado pelo Prêmio Nobel da Paz – da inspeção. Não fez menção
à solicitação de visita, mesmo depois de o Ministério Público Federal não ter
se oposto e a defesa de Lula esclarecer que mais do que concordar, o
ex-presidente desejava ver o amigo, como noticiado aqui em Lula à juíza: desejo ver Esquivel.
Apesar da amizade de mais de 36 anos, o direito de Lula
de receber o amigo não foi apreciado a tempo. (fotos: Arquivo PT/Ricardo
Stuckert)
Se sobrepondo ao direito divino – Diante do silêncio da juíza e preocupadas com o
fato de as visitas a Lula terem sido estabelecidas nas quintas-feiras, as
advogadas do argentino, no final da tarde de quarta-feira, por meio de um
embargo, pediram que ela se manifestasse quanto à visita.
Ela voltou a despachar no processo às 12h27 de
quinta-feira, mas ainda assim nada decidiu. Com outras 97 palavras expôs que a
urgência existiu em afastar a possibilidade de Inspeção. Da visita em si,
alegou não existir motivo de pressa, apesar da passagem rápida de Esquivel por
Curitiba:
“A urgência alegada, por sua vez, não
resta caracterizada. Isso porque a prévia indicação de data pelo
requerente, com curto lapso de antecedência, baseia-se apenas em critério
de comodidade. Não há risco efetivo de perecimento de direito“, despachou.
Ao deixar de analisar o pedido de Esquivel, que mora fora
do país e está em Curitiba de passagem, ainda que tenha especificado não haver
risco de efetivo perecimento de direito, na realidade o réu deixou de usufruir,
no dia marcado para as visitas, o direito que a própria Lei de Execução Penal
prescreve: receber a visita de amigos. Uma delas com conotação até espiritual.
Boff, na quarta-feira à noite, no evento “Constituição da
Primavera”, realizado no teatro da reitoria da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), explicou que ao visitar Lula cumpriria um preceito divino. Mas, como
previu na ocasião, “um juiz que maneja as leis humanas acabou se sobrepondo às
leis divinas”:
“Vim para cá, a convite de vocês todos,
mas também por um motivo particular. Para visitar o velho amigo, de 30 anos,
que está encarcerado e cumprir um preceito evangélico que está em Mateus, 25,
que diz: “quando estava com fome me deste o que comer; quando estava nu me
cobristes; quando estava encarcerado me visitaste”. Eu vim visitá-lo
encarcerado. Agora, o que me espanta é que um juiz que maneja leis humanas pode
se sobrepor a uma lei divina. Isso é injusto. Isso é indigno“.
Deferência gerou isolamento – A prisão de um ex-presidente, como descreveu o
senador João Capiberibe (PSB-AP), na terça-feira (17/04), após participar da
diligência à PF-PR dos onze senadores da Comissão de Direitos
Humanos (CDH) do Senado Federal, “é um caso raríssimo na História do nosso
país”.
Na verdade, uma situação inédita que muitos não sabem
como lidar. Afinal, trata-se não apenas de um ex-presidente, mas de uma
liderança política – queiram ou não seus adversários e algozes – reconhecida
mundialmente e, como enfatizou Capiberibe, líder que mesmo condenado mantém a
preferência de 31% do eleitorado – mais do que o dobro do segundo colocado – na
corrida à Presidência da República.
Há um debate, que vai longe, se Lula é ou não preso
político. Mas, independentemente dele, o entendimento de que Lula teve um
julgamento político já ultrapassou ao âmbito dos chamados “operadores do
Direito”. Começa a ser admitido por parte da população, como ficou claro na
publicação pelo O Estado de S. Paulo, no sábado (14/04), da
pesquisa do Instituto Ipsos, aqui citada em Lula aos filhos: estou melhor do que 90%
da população.
Nela, 77% dos consultados concordaram com a tese de que
“Os poderosos querem tirar Lula da eleição”; outros 55% apoiaram que “A
Lava Jato faz perseguição política contra Lula”; e, por fim, 47% entenderam que
“A Lava Jato até agora nada provou contra Lula”, contra exatos 47% que pensam
ao contrário.
Lula, na verdade, é um preso diferenciado. A começar pela
“deferência” concedida pelo juiz Sérgio Moro: o uso de uma “sala
reservada, uma espécie de Sala de Estado Maior”. Ela, porém, lhe gerou ônus.
A iniciativa de Moro provavelmente resultou mais da
preocupação com a segurança do réu do que o alegado reconhecimento pelo cargo
que ocupou. Afinal, na carceragem da Polícia Federal estão alguns dos
“delatores de Lula” – entre os quais o ex-ministro Antônio Palocci e Léo
Pinheiro, presidente da OAS. Levar o ex-presidente para lá não era
aconselhável. Preferiram adaptar um novo espaço no quarto andar da
superintendência. Com isso, consciente ou inconscientemente, o isolaram.
Isolamento não previsto na sentença, tampouco respaldado em alguma falta
disciplinar do apenado. Logo, discutível legalmente.
Fins de semana sozinho – Embora todos que estiveram com o preso, incluindo
advogados, reconheçam que as acomodações são boas perto do que se conhece de
presídios e carceragens, a tendência era de Lula permanecer seis dos sete dias
da semana com contato apenas com os policiais que o vigiam. As visitas se
limitam às quintas-feiras. Até no banho de sol ele fica solitário.
O isolamento só é quebrado por conta do providencial
rodízio de advogados, que o visitam diariamente. Menos nos finais de semana,
quando isso não é permitido. Daí a promessa dos senadores de no relatório da
diligência que levarão ao plenário do Senado proporem saídas para esta
situação. A dúvida é como fazê-lo sem criar privilégios ao preso.
Nesta quinta (19/04), tal como ocorreu semana passada,
Lula recebeu a visita dos filhos. Desta vez vieram Luiz Claudio, Sandro
Luís, com a esposa, Marlene Araújo. Estiveram na PF ainda a nora Renata Abreu
(casada com Fábio Luís, que não estava no grupo) e um neto do ex-presidente.
Ao impedir a visita de governadores e senadores, a juíza
Carolina Lebbos sinalizou o isolamento de Lula (Foto: Marcelo Auler)
A pretexto de não flexibilizar as normas disciplinares da
Polícia Federal, a juíza Carolina Moura Lebbos, ao negar autorização para
governadores e senadores se encontrarem com Lula, três dias após sua chegada à
Curitiba – terça-feira, 10/04 – acabou sinalizando o isolamento que vem se
constatado. Ficou mais nítido nesta quinta-feira quando Esquivel, um amigo
antigo, cuja visita teve a concordância do MPF e do próprio réu, não pode
encontrá-lo por a juíza não ter apreciado o pedido. O que não ocorreu até a
edição desta reportagem, às 18h00, já depois do horário de visitas.
Nesta perspectiva de que Lula é um preso diferenciado,
não apenas pelo tratamento diferente que lhe foi destinado, mas por sua
popularidade e liderança política, reconhecida, inclusive, internacionalmente,
que precisam ser compreendidos os inúmeros pedidos de visita já apresentados à
Vara de Execução Penal – sete até o início da tarde desta quinta-feira.
Além de Esquivel, já solicitaram direito a visitar Lula a
senadora Gleisi Holffmann e o deputado federal José Carlos Becker de Oliveira e
Silva, o Zeca Dirceu (PT-PR) – aos quais os procuradores da República não
impuseram nenhum óbice; Ciro Gomes, candidato à presidência pelo PDT que
pretende ir com Carlos Lupi e André Figueiredo – presidente e vice do
partido; o vereador do PT em São Paulo, Eduardo Suplicy; os presidentes da
União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias de Souza, e da União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Pedro Lucas Gorki
Azevedo de Oliveira; e, por fim, o ex-prefeito de São Bernardo do Campo e
ex-ministro de Lula, Luiz Marinho. Todos estes pedidos ainda pendentes de
despacho da juíza. Nas previsões feitas em Curitiba, nos próximos dias
quem poderá chegar para visitar lula será o ex-presidente do Uruguai, José
Mujica.
José Mujica, ex-presidente do Uruguai, poderá ser a
próxima liderança internacional a querer visitar Lula. (Foto: reprodução DCM)
Além das solicitações para visitar Lula, foram
“informadas” à juíza três inspeções aos detidos: a dos senadores, já realizada;
a de Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, rejeitada pela juíza; e a de uma Comissão
Externa da Câmara dos Deputados, criada na terça-feira (17/04) pelo presidente
da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que não é um partidário de
Lula. Esta última, comunicada à Vara das Execuções Penais às 22h19 de
terça-feira, marcada inicialmente para quinta-feira (19), depois remarcada para
a próxima terça-feira, dia 25.
Naquela mesma terça-feira, pela manhã, ao tratar da
visita dos senadores, a juíza havia determinado que novas inspeções devessem
ser autorizadas judicialmente, com antecedência mínima de dez dias e se
especificando os motivos da decisão. Expôs na decisão às 9h38:
“Eventuais novos requerimentos de diligências deverão
ser previamente submetidos à apreciação judicial, acostando-se os documentos
atinentes ao teor da deliberação do ato, com indicação do fato motivador,
respectivos fundamentos e pessoas indicadas. Requerimentos não efetuados em
tempo hábil para a oitiva das partes e deliberação judicial, com antecedência
mínima de dez dias, poderão ser desde logo indeferidos.”
Ainda assim, um ofício do deputado Paulo Pimenta (PT-RS),
líder da bancada do Partido dos Trabalhadores, encaminhado às 21h31 da
quarta-feira (18/04), não pedia autorização, apenas informava a mudança de data
da “visita” dos deputados, sem respeitar o prazo de dez dias estipulado pela
juíza. Dele consta:
“Inicialmente, a fim de melhorar a compreensão sobre a
presente petição, é de bom alvitre destacar que nesta terça-feira, dia
17/04/2018, o Requerente protocolou um ofício, a este i. juízo, informando
a instauração de Comissão Externa de Parlamentares, cujo objetivo é
verificar in loco as condições em que se encontra o Ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na Superintendência da Polícia Federal de
Curitiba-PR, conforme petição identificada como “evento 49”. (…)
Diante do exposto, o Requerente, com o
devido respeito e sempre contando com os doutos suprimentos de Vossa
Excelência, informa que a inspeção in loco será realizada no dia
24/04/2018 (terça-feira), às 11h00 (onze
horas), pois, levando em consideração o tempo razoável para a programação logística, somente nesse dia haverá a viabilidade de todos os membros integrantes da comissão externa comparecerem à Superintendência da Polícia
Federal de Curitiba-PR”
horas), pois, levando em consideração o tempo razoável para a programação logística, somente nesse dia haverá a viabilidade de todos os membros integrantes da comissão externa comparecerem à Superintendência da Polícia
Federal de Curitiba-PR”
Paulo Pimenta (PT-RS), dia 18, informou à juíza a
inspeção da Câmara dos Deputados na terça-feira,24. (Foto de Luiz Macedo)
Oficialmente, até o fim da tarde desta quinta-feira, a
juíza não se manifestou sobre o novo comunicado dos deputados. Mas ao negar a
inspeção pedida por Esquivel, no início da tarde de quarta-feira, referiu-se ao
primeiro documento de Pimenta protocolado na noite de terça-feira, em um
despachou no qual transparece sua contrariedade com as “inspeções”:
“Em menos de duas semanas da prisão do
executado já chegaram a este Juízo três requerimentos de realização de
diligência no estabelecimento de custódia, sem indicação de fatos concretos a
justificá-los. A repetida efetivação de tais diligências, além de despida de
motivação, apresenta-se incompatível com o regular funcionamento da repartição
pública e dificulta a rotina do estabelecimento de custódia. Acaba por
prejudicar o adequado cumprimento da pena e a segurança da unidade e de seus
arredores“.
De fato não ocorreu qualquer denúncia ou situação extrema
que tenha levado os senadores, anteriormente, e os deputados agora, a
promoverem tais inspeções. A não ser a percepção de isolamento do preso quando
a juíza Carolina impediu que onze governadores e três senadores, já em
Curitiba, o avistassem.
O expediente de “inspeção” ao qual recorreram senadores e
deputados é uma prática de qualquer legislativo diante de denúncia concreta. No
caso, porém, parece estar sendo usado para vencer o isolamento imposto ao
ex-presidente Lula, a partir da “deferência” do juiz Sérgio Moro. Pelo visto,
deve gerar uma queda de braço entre o judiciário do Paraná e, agora, a Comissão
Externa da Câmara, que será a próxima a aportar na Superintendência, em
Curitiba. Como lembrou a juíza, isto tudo em menos de duas semanas de
Lula ali recolhido.
Aos leitores: O Blog, desde 6 de abril, acompanha, inicialmente em
São Bernardo do Campo (SP), agora em Curitiba (PR), os fatos relacionados à
prisão de Lula, buscando notícias exclusivas e com enfoques diferentes, além de
tentar revelar os bastidores de tudo o que está acontecendo com relação à
detenção do ex-presidente. Como é do conhecimento de todos, nossa sobrevivência
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