MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
4.6 A intervenção da NATO na crise balcânica e a guerra contra a Jugoslávia
O «novo conceito estratégico» da NATO é posto em prática nos Balcãs, onde a crise da Federação Jugoslava, devido aos contrastes entre os grupos de poder e às forças centrifugas das repúblicas, atingiu o ponto de rotura.
Em Novembro de 1990, o Congresso dos EUA aprovaram o financiamento directo de todas as novas formações «democráticas» da Jugoslávia, encorajando assim as tendências separatistas. Em Dezembro, o Parlamento da República Croata, controlado pelo partido de Franjo Tudjman, difunde uma nova Constituição com o fundamento de que a Croácia é a «pátria dos croatas» (não mais dos croatas e dos sérvios, os povos constituintes da República) e é soberana sobre o seu território. Seis meses depois, em Junho de 1991, além da Croácia, também a Eslovénia proclama a independência. Pouco depois, surgem confrontos entre o exército federal e os independentistas. Em Outubro, na Croácia, o governo Tudjman expulsa 25.000 sérvios da Eslavónia, enquanto as suas milícias ocupam Vukovar. O exército federal responde, bombardeando e ocupando a cidade. A guerra civil começa a estender-se, mas podia ainda ser interrompida. O caminho tomado, é diametralmente oposto: a Alemanha, empenhada em alargar a sua influência económica e política na região balcânica, em Dezembro de 1991, reconhece unilateralmente a Croácia e a Eslovénia como Estados independentes. Como consequência, no dia seguinte, os sérvios da Croácia proclamam a sua autodeterminação, constituindo a República Sérvia da Krajina. Em Janeiro de 1992, primeiro o Vaticano e depois a Europa dos doze reconhecem, além da Croácia, também a Eslovénia. Neste ponto incendeia-se a Bosnia-Erzegovina que, em proporções reduzidas, representa a gama completa dos nós étnicos e religiosos da Federação Jugoslava.
Os capacetes azuis da ONU, enviados para a Bosnia como força de interposição entre as facções em luta, são deliberadamente deixados em número insuficiente, sem meios adequados e sem directivas precisas, acabando por se tornarem reféns, no meio da luta. Tudo concorre para demonstrar a «falha da ONU» e a necessidade de ser a NATO a tomar conta da situação. Em Julho de 1992 a NATO lança a primeira operação de «resposta à crise», para impor o embargo à Jugoslávia.
Em Fevereiro de 1994, os aviões da NATO derrubam aviões servo-bósnios que violam o espaço aéreo interdito, sobre a Bósnia. É a primeira acção de guerra desde a fundação da Aliança. Com essa medida viola o artigo 5 da sua própria carta constitutiva, pois que a acção bélica não é motivada pelo ataque a um membro da Aliança e é efectuado fora da sua área geográfica.
Extinto o incêndio na Bósnia (onde o fogo permanece sob as cinzas da divisão, nos Estados étnicos), os bombeiros da NATO correm a lançar gasolina sobre o viveiro do Kosovo, onde está em curso, há anos, uma reivindicação de independência da parte da maioria albanesa. Através de canais subterrâneos em grande parte coordenados pela CIA, um rio de armas e financiamentos, entre o final de 1998 e o início de 1999, vai alimentar o UCK (Exército de Libertação do Kosovo), braço armado do movimento separatista kosovar-albanês. Agentes da CIA declaram, em seguida, ter entrado no Kosovo, em 1998 e 1999, disfarçados de observadores do OSCE, encarregados de verificar o «cessar fogo», fornecendo ao UCK, manuais americanos de treino militar e telefones celulares/telemóveis, para que os comandantes da guerrilha pudessem estar em contacto com a NATO e Washington. O UCK pode, assim, fomentar uma ofensiva contra as tropas federais e contra os civis sérvios, com centenas de atentados e detenções.
Entretanto os encontros entre as forças jugoslavas e as do UCK provocam vítimas de ambos os lados, uma poderosa campanha político-mediática prepara a opinião pública internacional para a intervenção da NATO, apresentada como o único meio para acabar com a «limpeza étnica» sérvia no Kosovo. O alvo principal é o Presidente da Jugoslávia, Slobodan Milosevic, acusado de «crimes contra a Humanidade» pelas operações de «limpeza étnica».
A guerra, denominada «Operação Força Aliada», tem início em 24 de Março de 1999. Enquanto os aviões dos Estados unidos e da NATO lançam as primeiras bombas sobre a Sérvia e sobre o Kosovo, o presidente democrático Clinton anuncia: «No fim do século XX, depois de duas guerras mundiais e de uma guerra fria, nós e os nossos aliados temos a possibilidade de deixar aos nossos filhos uma Europa livre, pacífica e estável.» Nesta guerra, o papel da Itália foi determinante: o governo D’Alema coloca o território italiano, em particular os aeroportos, à inteira disposição das forças armadas dos Estados Unidos e dos outros países, para exercer, como o Presidente do Conselho define, «o direito de ingerência humanitária». Durante 78 dias, descolando, sobretudo, das bases italianas, 1.100 aviões efectuam 38 mil saídas, lançando 23 mil bombas e mísseis. 75% dos aviões e 90 % das bombas e dos mísseis são fornecidos pelos Estados unidos: Aos EUA pertence a rede de comunicações, de comando, de controlo e dos serviços secretos, através dos quais são conduzidas as operações: «Dos 2.000 objectivos atingidos na Sérvia pelos aviões da NATO – documenta, em seguida, o Pentágono – 1999 foram escolhidos pelos serviços secretos americanos e apenas um, pelos europeus».
Sistematicamente, os bombardeamentos desmantelam as estruturas e as infra-estruturas da Sérvia, provocando vítimas, sobretudo entre os civis. Os danos que decorrem para a saúde e para o ambiente são inqualificáveis. Só da refinaria de Pancevo, sobressaem, devido aos bombardeamentos, milhares de toneladas de substâncias químicas altamente tóxicas (compreendendo a dioxina e o mercúrio). Outras destruições, na Sérvia e no Kosovo, são provocadas da parte da NATO, pelo emprego maciço de balas de urânio empobrecido, já usadas na guerra do Golfo.
Nos bombardeamentos participam 54 aviões italianos, que perfazem 1.378 saídas, atacando os objectivos indicados pelo comando americano. «Pelo número de aviões fomos secundados apenas pelos Estados Unidos. A Itália é um grande país e não se deve surpreender do empenho demonstrado nesta guerra», declara o Presidente do Conselho, D’Alema, durante a visita feita em 10 de Junho de 1999, à base de Amendola, sublinhando que, para os pilotos que participaram nela, foi «uma grande experiência humana e profissional».
Em 10 de Junho de 1999, as tropas da Federação Jugoslava começam a retirar-se de Kosovo e a NATO põe fim aos bombardeamentos. A resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU dispõe que a presença internacional deve ter uma «substancial participação da NATO» e ser repartida «sob o controlo e comando unificados». O Presidente Clinton esclarece a quem cabe o comando, sublinhando que o acordo sob o Kosovo prevê «o estabelecimento de uma força internacional de segurança, tendo a NATO como núcleo, o que significa uma cadeia de comando unificada da NATO». «Hoje a NATO enfrenta a sua nova missão: a de governar», comenta The Washigton Post.
Acabada a guerra, são enviados para o Kosovo 60 agentes do FBI, mas não encontraram vestígios de massacres que justificassem a acusação, feita pelos sérvios, de «limpeza étnica». Slobodan Milosevic, condenado a 40 anos de reclusão pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, morre depois de cinco anos de prisão. O mesmo Tribunal exonera-o, em 2016, da acusação de «limpeza étnica».
O Kosovo, onde os EUA instalam uma grande base militar (Camp Bondsteel), torna-se uma espécie de protectorado da NATO. Ao mesmo tempo, sob a cobertura de «Força da paz», o ex UCK no poder, aterroriza e expulsa mais de 250 mil sérvios, rom/ciganos, judeus, e albaneses «colaboracionistas». Em 2008, com a auto-proclamação do Kosovo como Estado independente, é ultimada a demolição da Federação Jugoslava.
A seguir:
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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