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Sunday, May 5, 2019

PT -- David Swanson -- FALLUJAH ESQUECIDA



FALLUJAH ESQUECIDA
Por David Swanson

Não sei se a maioria das pessoas nos Estados Unidos soube alguma vez, o que significava Fallujah. É difícil acreditar que, se elas soubessem, as forças armadas dos EUA ainda existissem. Mas, claro que foi em grande parte esquecido - um problema que poderia ser remediado se todos pegassem uma cópia do livro ‘The Sacking of Fallujah: A People's History’, de Ross Caputi (um veterano dos EUA num dos cercos de Fallujah), Richard Hill, e Donna Mulhearn.
 “Bem-vindos para servir!”
Fallujah era a “cidade das mesquitas”, com uma população de cerca de 300.000 a 435.000 pessoas. Tinha a tradição de resistir a invasões estrangeiras – incluindo invasões britânicas. Sofreu, assim como todo o Iraque, sanções brutais impostas pelos Estados Unidos nos anos que antecederam o ataque de 2003. Durante esse ataque, Fallujah viu mercados abarrotados serem bombardeados. Após o colapso do governo iraquiano em Bagdad, Fallujah formou o seu próprio governo, evitando o saque e o caos vistos noutros lugares. Em Abril de 2003, a 82ª Divisão Aerotransportada dos EUA mudou-se para Fallujah e não encontrou resistência.
A ocupação começou, imediatamente, a produzir o género de problemas que surgem em cada ocupação, em qualquer lugar. As pessoas queixavam-se da circulação, nas ruas, de veículos militares a alta velocidade, de serem humilhadas nos postos de investigação e segurança, de mulheres tratadas inadequadamente, de soldados a urinar nas ruas e de soldados em pé nos telhados com binóculos, violando a privacidade dos moradores. Em poucos dias, o povo de Fallujah ansiava ser libertado dos seus “libertadores”. Assim, o povo tentou demonstrações não violentas. E os militares dos EUA dispararam contra os manifestantes. Mas, finalmente, os ocupantes concordaram em estacionar fora da cidade, limitar as suas patrulhas e permitir a Fallujah uma certa auto governação acima do que era permitido no resto do Iraque. O resultado foi um sucesso: Fallujah foi mantida mais segura do que o resto do Iraque, mantendo os ocupantes fora dela.
É claro que esse exemplo precisava ser esmagado. Os Estados Unidos estavam a reivindicar a obrigação moral de libertar o inferno para fora do Iraque, para “manter a segurança” e “ajudar na transição para a democracia”. O Vice Rei, Paul Bremer, decidiu “limpar Fallujah”. Em seguida vieram as tropas da “coligação”, com a sua incapacidade habitual (ridicularizada com bastante eficiência no filme War Machine, de Brad Pitt, na Netflix) de distinguir pessoas às quais eles estavam a conceder liberdade e justiça, das pessoas que estavam a matar. As autoridades americanas descreveram as pessoas que queriam matar como “cancro” e liquidaram-nas com ataques e tiroteios que dizimaram muitas pessoas não cancerosas. Na época, desconhecia-se a quantas pessoas os Estados Unidos estavam realmente a provocar cancro.
Em Março de 2004, quatro mercenários de Blackwater foram mortos em Fallujah, os seus corpos foram queimados e pendurados numa ponte. A comunicação mediática americana retratou os quatro homens como sendo civis inocentes que, de alguma forma, se encontravam no meio de uma guerra e foram alvos acidentais de violência irracional e desmotivada. As pessoas de Fallujah eram “bandidos”, “selvagens” e “bárbaros”. Como a cultura dos EUA nunca se arrependeu de Dresden ou Hiroshima, houve clamores abertos por seguir esses precedentes em Fallujah. Um antigo assessor de Ronald Reagan, Jack Wheeler, inspirado num antigo modelo romano, exigiu que Fallujah fosse completamente reduzida a escombros sem vida: “Fallujah delenda est!”
Os ocupantes tentaram impor a hora de recolher e a proibição de uso e porte de armas, dizendo que precisavam de tais medidas para distinguir as pessoas a quem matar, das pessoas a quem dar a democracia. Mas quando as pessoas tinham de deixar as suas casas para ir buscar comida ou remédios, elas eram abatidas. Famílias inteiras foram abatidas, uma a uma, quando cada pessoa surgia para tentar recuperar o corpo ferido ou sem vida de um ente querido. Foi designado como o “jogo da família”. O único estádio de futebol da cidade foi transformado num enorme cemitério.
Um menino de sete anos chamado Sami viu a sua irmã mais nova ser atingida. Viu o seu pai correr para fora da casa para agarrá-la e, por sua vez, ser atingido. Ouviu o seu pai gritar, em agonia. Sami e o resto de sua família tinham medo de sair. De manhã, a irmã e o pai estavam mortos. A família de Sami ouviu tiros e gritos nas casas vizinhas, enquanto a mesma história se desenrolava. Sami lançou pedras aos cães para tentar mantê-los longe dos corpos. Os irmãos mais velhos de Sami não deixavam a mãe sair para fechar os olhos abertos do falecido marido. Mas, finalmente, os dois irmãos mais velhos de Sami decidiram sair, correndo para os corpos, na esperança de que um deles tivesse sobrevivido. Um irmão foi atingido instantaneamente na cabeça. O outro conseguiu fechar os olhos do pai e recuperar o corpo da irmã, mas foi ferido no tornozelo. Apesar dos esforços de toda a família, aquele irmão teve uma morte lenta e horrível, provocada pela ferida no tornozelo, enquanto os cães lutavam pelos corpos do pai e do irmão, e o fedor tomava conta de um bairro de cadáveres.
A TV Al Jazeera mostrou ao mundo alguns dos horrores do Primeiro Cerco de Fallujah. Depois outros canais mostraram ao mundo a tortura em que os EUA estavam empenhados em Abu Ghraib. Os Libertadores retiraram-se de Fallujah, culpando a comunicação mediática e resolvendo comercializar melhor os seus futuros actos genocidas.
Mas Fallujah permaneceu um alvo designado, um objectivo que exigiria mentiras semelhantes àquelas que lançaram toda a guerra. O público dos EUA foi informado agora, que Fallujah era um dos focos da Al Qaeda controlado por Abu Musab al-Zarqawi - um mito retratado anos depois, como se fosse verdade, no filme norte-americano American Sniper.
O Segundo Cerco de Fallujah foi um ataque total a toda a vida humana que incluiu o bombardeamento de casas, hospitais e, ao que tudo indica, a qualquer alvo desejado. Uma mulher cuja irmã grávida foi morta por uma bomba disse a um repórter: "Não consigo tirar a imagem da cabeça do feto a ser expelido do seu corpo". No Segundo Cerco, em vez de esperar que as pessoas saíssem das casas, os Fuzileiros Navais dos EUA dispararam contra as casas com tanques e lança foguetes e terminaram o trabalho com escavadoras, ao estilo dos israelitas. Também usavam fósforo branco nas pessoas, o qual as derretiam. Destruíram pontes, lojas, mesquitas, escolas, bibliotecas, escritórios, estações de comboios, centrais de eletricidade, estações de tratamento de água e todos os sistemas de saneamento e comunicação. Foi um sociocídio. As empresas de comunicação mediática, infiltradas e controladas, desculparam tudo.
Um ano após o segundo cerco, com a cidade transformada numa espécie de prisão a céu aberto entre os escombros, os funcionários do Hospital Geral de Fallujah notaram que algo estava errado. Houve um dramático aumento de cancros (pior do que em Hiroshima), nadomortos, abortos espontâneos e defeitos congénitos nunca antes vistos. Uma criança nasceu com duas cabeças, outra com um único olho no centro da testa, outra com membros suplementares. Existem poucas dúvidas de que a Guerra Humanitária seja a causa, de que parte da culpa do sucedido seja atribuída ao fósforo branco, ao urânio empobrecido, ao armamento de urânio enriquecido, à abertura de poços de queima de lixos nas zonas ocupadas pelos militares americanos e a diversas outras armas.
As incubadoras voltaram ao ponto de partida. Das mentiras sobre os iraquianos a tirar bebés das incubadoras que (de alguma forma) justificaram a primeira Guerra do Golfo, às falsidades sobre armas ilegais que (de alguma forma) justificaram o terrorismo maciço do Choque e do Terror, chegamos agora às salas cheias de incubadoras contendo bebés deformados, morrendo rapidamente, devido à misericordiosa libertação americana.
O Terceiro Cerco de Fallujah, levado a cabo pelo governo iraquiano instalado pelos EUA, ocorreu em 2014-2016, com a nova versão para os ocidentais, referindo o controlo de Fallujah pelo ISIS. Mais uma vez, os civis foram massacrados e o que restou da cidade foi destruído. Fallujah delenda est, de facto. Não foi mencionado que o ISIS foi originado por uma década de brutalidade liderada pelos EUA, coroada com o ataque genocida do governo iraquiano aos sunitas.
Claro que, enquanto tudo isto acontecia, os Estados Unidos estavam a liderar o mundo - através da queima do petróleo, foram travadas guerras, entre outras práticas – tornando, não só Fallujah, mas a maior parte do Médio Oriente, quente demais para os humanos poderem habitar aí. Imaginem a indignação, quando as pessoas que apoiam alguém como Joe Biden, que desempenhou um papel fundamental na destruição do Iraque (e que parece nem se arrepender da morte do seu filho devida a um * poço de combustão de lixo a céu aberto, muito menos da morte de Fallujah) descobrirem que quase ninguém no Médio Oriente, está grato pela transformação do clima num inferno inabitável. Será, então, que a comunicação mediática nos irá dizer quem são as verdadeiras vítimas desta história.



·         *open burn pits – poços de incineração de lixo a céu aberto em zonas militares

 Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com




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