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Sunday, April 29, 2018

PT -- GUERRA NUCLEAR: 5.4 O tratado de Moscovo e o novo START

MANLIO DINUCCI

“Copyright Zambon Editore”


GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe



5.4  O tratado de Moscovo e o novo START

Fundamentalmente, devido à tentativa dos Estados Unidos em aumentar a sua vantagem estratégica sobre a Rússia, os tratados surgem sempre mais desprovidos de verdadeiro conteúdo.

Representativo desta situação é o Tratado sobre a redução de armas estratégicas ofensivas,  assinado em Moscovo, em 24 de Maio, pelos Presidentes Bush e Putin. Bush queria concluir o acordo, não por escrito mas com um aperto de mão, como se usa entre cavalheiros. Depois, frente ao pedido de Putin, de colocar o acordo por escrito, preto no branco, consente, dizendo: «Se é necessário lavrá-lo num pedaço de papel, ficarei contente em fazê-lo». Assim, é preparado o «pedaço de papel» que, como sublinha o Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, «necessitou seis meses de negociações e ocupa apenas três páginas, enquanto o START I, de 1991, requereu 9 anos de negociações e preenche setecentas páginas».

O tempo e papel usado para redigir o Tratado de Moscovo, são proporcionais ao seu valor. Os Estados Unidos e a Federação da Rússia, comprometem-se a reduzir as ogivas nucleares estratégicas em funcionamento (com um alcance superior a 5.500 Km e prontas a ser lançadas), assim como «o número dessas ogivas não pode ser superior a 1.700-2.200, para cada parte, em Dezembro de 2012». No entanto, não é estabelecido nenhum mecanismo de verificação e cada uma das duas partes, «no exercício da sua soberania nacional, pode retirar-se do Tratado, notificando a outra parte por escrito, com uma antecedência de três meses».

Além do mais, o Tratado de Moscovo não especifica o que se deve fazer às ogivas nucleares colhidas das plataformas de lançamento, deixando cada uma das duas partes, livres para conservarem as armas desactivadas.

A intenção dos Estados Unidos não só de manter, mas de potenciar o seu arsenal nuclear, é confirmada pelo Secretário de Estado, Colin Powell: «O Pentágono – declara – tem programado conservar 4.600 ogivas como força de resposta: 1.700-2.200 estarão imediatamente disponíveis e, outras 2.400-2.900  estarão em reserva activa». Que não são apenas palavras, demonstra-o a decisão – anunciada em 1 de Junho de 2002, uma semana apenas, depois da assinatura do Tratado de Moscovo – de construir uma nova fábrica, cujo custo é de 2-4 biliões de dólares, para retomar o fabrico em larga escala dos pits, os detonadores de plutónio com os quais se desencadeia a explosão das ogivas  termo-nucleares, que a fábrica de Rocky Flats deixou de fabricar em 1989 e o Laboratório de Los Alamos continua a produzir, mas em quantidade limitada. Este mesmo requisito é considerado necessário pelo Departamento de Energia, a fim de manter em plena eficiência e renovar, constantemente, o arsenal nuclear dos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, é decidido desenvolver a Pantex Plant, a instalação industrial do Departamento de Energia, perto de Amarillo (Texas), onde se fabricam os explosivos químicos para as ogivas nucleares; onde se desmontam as armas nucleares retiradas do arsenal e onde se montam as armas novas. Nessa ocasião, a Pantex Plant dispõe de uma reserva de cerca de 66 toneladas de plutónio para uso militar. Assim, perdem a validade, as cláusulas colocadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, segundo as quais, o Tratado deveria ser «verificável e irreversível, e assim que as armas estratégicas seriam reduzidas, não apenas no papel». Com base no Tratado de Moscovo – sublinha o Bulletin of the Atomic Scientists - «muitas, senão a maior parte das ogivas nucleares americanas, em vez de serem desmanteladas, serão colocadas nos depósitos (juntamente com as outras – cerca de 5.000 – mantidas de reserva) com o objectivo claro de serem reintroduzidas em qualquer circunstância futura. O resultado será que o arsenal nuclear americano, num futuro previsível, ficará ao nível de mais de 10.000 ogivas. Pelo contrário, a Rússia procura um acordo verificável e vinculativo, que garanta a destruição efectiva das armas nucleares americanas e russas, logo que retiradas: uma posição que apoiamos».

O critério do desarmamento imposto por Washington é igual ao de um pistoleiro que, para demonstrar as suas intenções pacíficas, diz querer tirar do tambor do seu revólver, algumas balas, não para as deitar fora, mas para colocá-las na cintura, continuando a ter o adversário debaixo da mira. Desta maneira, os Estados Unidos podem mater praticamente intacto o seu arsenal nuclear e continuar a modernizá-lo com novos tipos de armas, confiando que a Rússia não esteja à altura de fazer o mesmo e, a fim de poupar, seja forçada a desmantelar efectivamente as ogivas nucleares colhidas nas rampas de lançamento.

A respeito dos transportadores das armas nucleares, o Tratado de Moscovo não menciona nada, estabelecendo que «cada parte determinará por si mesma, a composição e a estrutura das suas armas estratégicas ofensivas». Por outras palavras, o Tratado não estabelece a eliminação de nenhum míssil, submarino ou bombardeiro de ataque nuclear.

Baseados neste critério, os EUA desactivam, entre 2002 e 2005, os 50 mísseis intercontinentais MX Peacekeeper, mas conservam-nos para poder tornar a utilizá-los no futuro, enquanto 500 ogivas nucleares W87, de 200 kiloton, colhidas dos MX, são readaptadas para serem utilizadas nos mísseis Minuteman III, que chegam reestruturados e modernizados (com uma atribuição de 6 milhões de dólares). Ao mesmo tempo, enquanto são desactivados os MX, aperfeiçoam-se os submarinos de ataque nuclear, dotando-os (com uma aplicação de 10 biliões de dólares), de outros 115 mísseis Trident III D-5, com sistemas de orientação aperfeiçoados.

O plano 2002-2007 prevê a redução da frota de submarinos Trident de ataque nuclear, de 18 para 14 unidades, retirando os 4 mais antigos. Esses não são desmantelados, mas convertidos em submarinos para «operações especiais», cada um deles armado de mísseis de cruzeiro Tomahawk de longo alcance, com ogiva convencional. No entanto, no Tratado de Moscovo, nada os impede de serem convertidos, em qualquer momento, em mísseis com ogivas nucleares.

A encenação do desarmamento prossegue com o novo tratado START,  que é assinado pelos EUA e pela Rússia, em 8 de Abril de 2010, em Praga. Ele não limita o número de ogivas nucleares em funcionamento, contidas nos arsenais. Estabelece, apenas, um limite para as «ogivas nucleares instaladas», ou seja, as que estão prontas a ser instaladas  em transportadores com um lançamento superior a 5.500 km: mísseis balísticos intercontinentais com base em terra, mísseis balísticos lançados de submarinos e bombardeiros pesados.

O novo START permite a cada uma das duas parts manter 1.550 ogivas nucleares instaladas, ou seja, um número pouco menor do que o anterior, um número substancialmente inalterado: 800 para cada parte, das quais 700 prontas a ser lançadas a cada momento. Mas, enquanto as ogivas dos mísseis são contadas singularmente/uma a uma, cada bombardeiro pesado é contado como uma simples ogiva, se bem que transporta muitas mais. Um B-52 – recorda o New York Times (30 de Março de 2010) – transporta 14 mísseis de cruzeiro e 6 bombas nucleares.

Além do mais, o novo START não estabelece nenhum limite efectivo ao reforço qualitativo das forças nucleares. Nos EUA, os responsáveis pelos laboratórios nucleares advertem o Congresso, de que o programa federal para «prolongar a vida do arsenal nuclear» é insuficiente para garantir a confiança nos próximos decénios. Assim, incitam à criação de uma «nova geração custosa de ogivas nucleares (The New York Times, 26 de Março de 2010). Também ficam fora do Tratado, as questões das armas nucleares «tácticas», que os EUA continuam a manter em 5 países «não-nucleares» da NATO (Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia) e noutros, violando deste modo, o Tratado de Não-Proliferação.

Ao mesmo tempo, o novo START não coloca nenhum limite ao novo projecto do «escudo anti-míssil», que os EUA querem expandir na Europa, à volta do território russo: um sistema não de defesa, mas sim, de ataque que, uma vez instalado, permitir-lhes-ia lançar um first strike, confiantes na capacidade do «escudo», de neutralizar os efeitos de uma represália. Em Washington asseguram que o «escudo» não está dirigido contra a Rússia, mas contra a «ameaça dos mísseis iranianos» (ameaça inexistente, porque o Irão não possui armas nucleares, nem mísseis que possam ameaçar a Europa ou os Estados Unidos). Pelo contrário, em Moscovo consideram-no uma tentativa de adquirir uma vantagem estratégica decisiva sobre a Rússia. O General Nikolai Makarov adverte que, se os Estados Unidos continuarem a desenvolver o «escudo», o mesmo «conduzirá inevitavelmente, a uma nova fase da corrida aos armamentos, minando a própria essência do Tratado sobre a redução das armas nucleares (Rossiyskaya Gazeta, 23 de Março de 2010). Entretanto, Moscovo não está de braços cruzados: em 2010, Moscovo lança o submarino Yasen de propulsão nuclear, armado com 24 mísseis de cruzeiro de longo alcance e, também,  de ogivas nucleares.

A seguir:
5.5. A introdução da Coreia do Norte entre as potências nucleares
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

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