As lágrimas também são orações. Elas viajam até Deus quando não conseguimos falar...
“O eminente professor Ali Hussein Daoud, que ensinou gerações de estudantes de todas as religiões na sua cidade de Banias (uma cidade portuária síria situada entre Latakia e Tartous), chora os mártires de toda a costa síria, incluindo os seus dois filhos Mus'ab e Firas, bem como o seu neto Abdullah, o único filho da sua filha.
Mous'ab foi esfaqueado até à morte e Firas e Abdoullah foram mortos a tiro, apenas por serem da fé alauíta.
Oh Deus, não perdoes os seus assassinos porque eles sabem o que estão a fazer...”.
“Em memória dos meus queridos filhos e neto que partiram, peço a Deus que tenha piedade deles e de todos os mártires da costa síria.
Firas e Mous'ab desapareceram da minha vista, assim como o meu querido Abdullah, ainda mais querido no meu coração.
A mão do takfirismo atingiu-os por traição e perfídia, eles que não sabiam que a traição é, em si mesma, uma doutrina.
Se os meus filhos fossem criminosos, teriam sido poupados, mas os meus filhos são bons e virtuosos.
Passei a minha juventude a treinar e a ensinar gerações sucessivas sem nunca lhes fazer mal nem pedir favores.
E agora que estou velho, a sua recompensa é a ingratidão, o assassínio e a pilhagem.
Que desperdício de ensinamentos, de amor e de lealdade!
Que desperdício de sábios que se distanciam e se vão embora!
É a Deus que me queixo da ingratidão daqueles que foram meus companheiros, pois para Ele o que se perde implica o direito e a exigência de justiça.
Os chefes muçulmanos da ignorância, armados com o seu “takfir”, atacaram-nos porque prezamos o Príncipe dos crentes.
O sectarismo de alguns apelidou-nos de incrédulos.
E o sectarismo de outros chamou-nos malfeitores, criminosos...
Adeus, adeus, meus queridos.
Realizastes todas as minhas esperanças.
Vocês eram a minha vida.
Uma vida que já não desejo.
Adeus ao meu país que eu amava tão apaixonadamente.
De agora em diante, viverei com medo e esperarei...”
Um discurso que denuncia claramente os assassinos que se dizem revolucionários, libertadores e representantes da maioria do povo sírio, quando na realidade não passam de uma minoria de takfiristas sem fé nem lei.
Já não é segredo para ninguém que estes assassinos obscurantistas são guiados e dirigidos pela Turquia e, particularmente, reforçados por grupos armados de nacionalidades estrangeiras, alguns dos quais, entre os elementos mais crueis, foram recompensados com a obtenção da nacionalidade síria e com a ocupação de lugares-chave no governo, no exército, na administração e nas instituições do país.
Esta é a chamada “Síria libertada” que caiu nas mãos de um presidente que se anunciou de forma publica e unilateral, que é um notório terrorista e cujos guarda-costas são recrutados exclusivamente entre os seus cúmplices, igualmente terroristas, de origem estritamente estrangeira, o que prova o seu desafio ao povo sírio, que, ao que tudo indica, está satisfeito com a sua governação. No entanto, os seus apoiantes árabes acolhem-no calorosamente e afirmam, se quisermos acreditar neles, que ele mudou e que apenas cometeu erros de juventude, primeiro no Iraque e depois na Síria. Quanto aos seus apoiantes internacionais, vimo-los correr para Damasco, satisfeitos por terem conseguido, após catorze anos de guerra por procuração, destituir o Presidente rebelde, de acordo com a regra quase universal dos dirigentes deste mundo: “os fins justificam os meios”.
Em 30 de janeiro de 2025, a actual Directora dos Serviços Secretos dos EUA, Tulsi Gabbard, confirmou perante uma comissão do Senado norte-americano que Obama tinha estado envolvido na operação secreta Timber Sycamore da CIA, destinada a treinar e armar sírios que eram apresentados como rebeldes moderados, quando na realidade tinham ligações à organização terrorista Al-Qaeda, com o objectivo de mudar o regime sírio e depor o Presidente Bashar al-Assad. Acrescentou:
“Não estou a derramar lágrimas pela queda do regime de Bashar al-Assad, mas hoje quem manda na Síria é um extremista islâmico. Dançou nas ruas para celebrar os ataques de 11 de Setembro, dirigiu Idleb à frente de um governo islamista extremista e já começou a perseguir minorias religiosas, tais como os cristãos da Síria...”. [1]
E no Fórum Diplomático Antalya 2025, realizado há dez dias na Turquia, o professor americano Jeffrey Sachs convidou a audiência e, em particular, os jornalistas da estação de televisão Al-Jazeera do Qatar, que apoiam os chamados “rebeldes moderados”, a tentar compreender o que se passa na sua região nestes termos:
“É importante percebermos de onde vem toda esta guerra. Não vem de Bashar al-Assad. De facto, veio de Washington. A decisão de derrubar Assad foi tomada em 2011. De facto, a decisão foi tomada por Jerusalém. É um desejo do governo israelita que remonta há mais de 25 anos. A ideia de Netanyahu é transformar o Médio Oriente numa imagem de Israel, derrubar todos os governos que se opõem a Israel. Ele tem um amigo na CIA e no governo dos EUA.
Portanto, esta guerra na Síria não é o resultado da repressão de Assad. Não é resultado da ditadura de Assad. Esta guerra surgiu devido à ordem presidencial de Obama para derrubar Assad a partir da primavera de 2011. Temos um nome para este programa. Chama-se Operação Timber Sycamore. Os Estados Unidos e outros países da região treinaram combatentes, nomeadamente jihadistas, incluindo aqueles que acabaram de tomar o poder a fim de derrubar o regime.
Isto criou o caos e 600.000 mortos na Síria, numa guerra que dura há 14 anos.O resultado desta guerra é o que a CIA desejava em 2011: que o grupo jihadista tomasse o poder na Síria depois de ter sido armado pelos Estados Unidos...”.[2]
600.000 mortos sírios em 14 anos de uma guerra por procuração conduzida pela CIA, atribuída ao Presidente sírio e só a ele! A este número talvez se devam acrescentar os 6.000, ou mesmo 50.000, mártires alauítas que caíram sob o regime de Al-Joulani, atribuídos pela comunicação mediática síria que ele amordaçou, aos “resíduos” que apoiaram ou apoiam ainda o ex-presidente Bashar al-Assad.
Este segundo número de 50.000 mártires alauítas foi anunciado há cerca de duas semanas pelo jornalista político e investigador dos movimentos islâmicos, Nidal Hamade. Irritou muitos revolucionários e suscitou a sua ira nas redes sociais. A um colega que duvidava, Hamade explicou que este número tinha sido deduzido a partir de relatos diretos de cidadãos aterrorizados, de observadores locais, de uma longa lista de aldeias da costa síria completamente esvaziadas dos seus habitantes, que não se encontravam em lado nenhum ou que tinham sido encontrados mortos dentro das suas casas, de um grande número de vídeos que circulavam na Internet, etc. [3]
Quanto aos cristãos, que constituem a espinha dorsal da Síria desde a conversão de Saulo no caminho de Damasco, a única opção que lhes resta é o exílio. De facto, Nidal Hamade soube de fonte segura que, há cerca de dois meses, todas as Igrejas Orientais do Canadá pediram ao governo canadiano que concedesse asilo a todos os cristãos sírios, árabes, siríacos, arménios ou caldeus, com a garantia de que cobririam os custos da sua instalação e integração na sociedade e no mundo do trabalho. Por outras palavras, tal como no Iraque e na Palestina ocupada, a purga está em curso, para grande satisfação de Israel e do sionismo cristão.
Entretanto, a perseguição metódica de pessoas inocentes prossegue com total desprezo por parte das autoridades de cor takfirista, com cenas repetidas de assassínios, raptos, violações, proxenetismo, deslocações, detenções arbitrárias, pilhagem de tudo o que pode ser pilhado e, em particular, o despejo de famílias sírias das suas casas para acolher takfiristas estrangeiros. Além do mais, se as perseguições e os assassinatos visam principalmente os sírios alauítas, sob o pretexto de que são apóstatas e remanescentes do regime de Bashar al-Assad, não poupam os outros componentes do mosaico sírio, incluindo os sunitas, que constituem a grande maioria da população do país, quando não adoptam a cor do Salafismo e dos Irmãos Muçulmanos dos novos governantes.
Há alguns anos, ser sírio era um motivo de orgulho, quer os governos estrangeiros fossem amigos ou inimigos.Hoje, para além dos lobotomizados monstruosamente escravizados, qualquer sírio são chora os seus concidadãos e soldados massacrados e/ou conscientemente humilhados. Tanto mais que a sua pátria, constantemente bombardeada pelos israelitas para privá-la de qualquer meio de defesa armada contra os invasores turcos a norte, os israelitas a sul e os americanos a leste e a sul, corre de novo o risco de uma divisão, real ou disfarçada, consoante os apetites hegemónicos dos dirigentes da região e do exterior.
Uma divisão do que já foi partilhado a fogo e sangue, ainda mais cruel do que a partição elaborada por Sykes e Picot, a menos que o choque e o terror que atingiram o povo sírio na sequência da invasão terrorista de 8 de Dezembro último, dêem lugar a uma resistência determinada a fazer justiça à Síria e a travar o curso trágico da sua História.
Mouna Alno-Nakhal
20/04/2025