“Putin é o único chefe de Estado que propõe tributar ricos para ajudar a custear parte dos gastos com a política anti-Covid-19”.
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“A prioridade imediata é impedir a rápida disseminação desta doença” – disse o presidente Vladimir Putin (imagem de abertura, à esq.) em seu pronunciamento oficial sobre o vírus Corona, semana passada.
Este é o ponto sobre o qual, pelo menos por enquanto, não há discordância. Mas o quão restritivas para a economia devem ser as medidas anticontágio e a que custo, comparado ao custo do impacto do vírus na vida e na morte, é tema para debate considerável, na Rússia como em qualquer outro lugar. Esse é o ponto que Putin evitou. E não está só, entre os chefes de estado ou de governo no resto do mundo. Qual, então, a diferença entre Putin e todos os demais?
“Nossa tarefa mais crucial é garantir a estabilidade no mercado de trabalho e evitar o aumento do desemprego”, acrescentou Putin na fala de 25 de março, anunciando uma combinação de pequenas medidas de bem-estar social e compensação de emprego, com isenção de impostos e adiamento de empréstimos para empresas e apoio do Banco Central a “empréstimos estáveis para a economia real, inclusive por meio de garantias e subsídios do Estado”
O presidente Donald Trump fez outro tipo de aparição pública (imagem principal, abaixo). Em 28 de março, fez um discurso na base da Marinha dos EUA em Norfolk, Virgínia, em frente ao navio-hospital da Marinha, USNS Comfort. “Muito honrado por estar na Estação Naval de Norfolk”, disse ele, “a maior base naval do mundo e lar da frota mais poderosa que já navegou nos mares. Acabei de passar por alguns dos mais belos e, francamente, dos mais altamente letais navios que já vi na minha vida, e existem muitos deles. E eles estão em melhor forma agora do que estiveram por muitas, muitas décadas, com o que estamos fazendo”.
Trump falou de um navio-hospital para Nova York e outro para a Califórnia. Também prometeu fornecer hospitais temporários construídos pelo Exército, além de “11,6 milhões de respiradores N95, 26 milhões de máscaras cirúrgicas, 5,2 milhões de escudos faciais – e muitas mais estão sendo produzidas, das peças que acabei de citar; temos milhões e milhões de novos itens médicos sendo fabricados enquanto falamos, e já compramos – 4,3 milhões de aventais cirúrgicos, 22 milhões de luvas e 8.100 ventiladores”.
Esse foi um plano militar feito pouco antes de requerido, de acordo com o Ato de Produção de Defesa de 1950; havia sido promulgado para defesa civil e mobilização de fábricas no início da Guerra da Coréia. Em termos atuais, Trump está seguindo o modelo Rússia-China. Mas o presidente não comentou o quanto os EUA estão atrasados; por exemplo, após treze anos de esforços do governo dos EUA para desenvolver ventiladores de baixo custo e fáceis de usar, nenhum foi até hoje produzido e entregue. Trump também tuitou a favor da terapia com cloroquina.
“Duas estratégias fundamentais são possíveis: (a) mitigação, que se concentra em desacelerar, mas não necessariamente em impedir a propagação da epidemia – reduzindo o pico demanda de assistência médica e, ao mesmo tempo, proteger, da infecção, quem tenha risco maior de doença grave; e (b) supressão, que visa a reverter o crescimento da epidemia, reduzindo o número de casos a níveis baixos e mantendo a situação indefinidamente. Cada política tem seus grandes desafios.
Entendemos que políticas de mitigação ótima (combinando isolamento domiciliar de casos suspeitos, quarentena domiciliar de pessoas que moram na mesma casa em que vivam casos suspeitos e distanciamento social de idosos e outras pessoas com maior risco de doença grave) podem reduzir o pico da demanda de assistência médica em 2/3; e as mortes, à metade.
No entanto, a epidemia mitigada resultante provavelmente ainda resultaria em centenas de milhares de mortes e sistemas de saúde (principalmente os já sobrecarregados). Para os países capazes de alcançá-la, a supressão é a opção política preferida”.
Os cálculos do relatório foram baseados na experiência chinesa em Wuhan; os pressupostos da modelagem, para gerar os cálculos, não eram os pressupostos chineses.
“A supressão, embora tenha sido bem-sucedida até o momento na China e na Coréia do Sul, acarreta enormes custos sociais e econômicos os quais, eles mesmos podem ter impacto significativo na saúde e no bem-estar no curto e no longo prazos. A mitigação nunca será capaz de proteger completamente as pessoas que estejam em risco de adoecer gravemente ou de morte, e a mortalidade resultante pode, portanto, ainda ser alta (...). Embora a experiência na China e agora na Coreia do Sul mostra que a supressão é possível no curto prazo, resta saber se é possível no longo prazo, e se os custos sociais e econômicos das intervenções adotadas até agora podem ser reduzidos”.
“As evidências na Itália não foram incluídas no o estudo até alguns dias antes da publicação. Foi o registro italiano, diz o relatório, que levou à conclusão de que “a supressão epidêmica é a única estratégia viável no momento atual”.
“O Reino Unido lutou nas últimas semanas para pensar em como lidar com esse surto a longo prazo” – disse Neil Ferguson, principal autor do relatório do Imperial College, ao New York Times. “Com base em nossas estimativas e de outras equipes, realmente não há outra opção a não ser seguir os passos da China, e suprimir”.
Nos dias seguintes, Ferguson testou positivo para Covid-19. Assim como o primeiro-ministro Witty, Cummings e o ministro da Saúde Matt Hancock.
Putin, Mishustin, os ministros federais e Sobyanin ainda não demarcaram, em declarações públicas, qualquer opção entre as estratégias de mitigação e supressão. No briefing de Protsenko no Hospital Kommunarka, foi muito claramente explicitado que a Rússia estava seguindo o modelo chinês, para evitar as consequências do italiano. Mas há algum debate sobre evidências ou estratégia entre epidemiologistas, economistas da saúde e planejadores russos?
De acordo com Larisa Popovich (em baixo à ,dir.), diretora do Instituto de Economia da Saúde da Escola Superior de Economia de Moscou, não houve debate estratégico ou desacordo, porque a experiência anterior em Defesa Civil já havia decidido a abordagem a ser adotada, e pôde haver rápida reação para que se adotassem as medidas iniciais de controle populacional, testes e rastreamento de contatos.
“As coisas são completamente diferentes para nós [na Rússia]. Reagimos rapidamente: as regiões fronteiriças foram fechadas rapidamente e começamos a isolar as pessoas. Também estou muito feliz que ainda temos um serviço centralizado de controle epidemiológico [Rospotrebnadzor], que funcionou muito bem. Além disso, desenvolvemos nossos próprios testes, que geram resultados em quatro horas, e a produção em massa já começou. Em um futuro próximo, nós passaremos do teste de pessoas com sintomas para o teste de todos com doenças menores e o teste estará disponível para quem quiser. Isso ajudará a identificar aqueles que são portadores assintomáticos”.
Esse é um importante indicador e dado crucial na formulação de políticas russas – a taxa de mortalidade tende a cair acentuadamente à medida que aumenta a população testada. Restringir o numerador de casos graves que requerem cuidados intensivos e forçam a capacidade do sistema hospitalar para tratá-los efetivamente, enquanto multiplica o denominador dos casos positivos testados, é cálculo que produz uma taxa de mortalidade muito baixa, conforme relatam os chineses, além de diminuir o pânico e diminuir a duração do regime de medidas restritivas.
“A Rússia está mais bem preparada”, disse Popovich, “para o coronavírus, do que muitos outros países. Historicamente, temos experiência em combater formas complicadas de pneumonia e formas resistentes a medicamentos, além de doenças pulmonares. Temos uma alta prevalência de tuberculose e nossos médicos sabem como tratar a síndrome do desconforto respiratório”.
Popovich foi perguntada sobre dados consolidados na Rússia, a serem comparados com outros países – por exemplo, para a taxa de testes Covid-19, a disponibilidade de ventiladores, o número de leitos de unidades de terapia intensiva.
Esta tabulação foi relatada em 11 de março. Em três semanas, desde então, o volume de testes mais do que triplicou. Em 27 de março, o Rospotrebnadzor informou que 223.509 testes haviam sido realizados no país.
Popovich e outros especialistas em Moscou relutam em se comprometer com os números. Relatórios de imprensa, publicações do Ministério da Saúde e do instituto Rospotrebnadzor sugerem que o fornecimento de ventiladores portáteis e fixos é melhor do que na maioria dos países europeus ou nos EUA; e, por enquanto, excede a demanda por tratamento de casos críticos. A grande maioria de documentos em que se comparam países da Europa Ocidental e dos EUA, não computa o caso da Rússia.
Igor Molchanov, chefe de anestesiologia e terapia intensiva do Ministério da Saúde, disse, dia 28 de março:
“Com dispositivos de respiração artificial, temos hoje tudo em ordem. Além disso, temos uma certa margem de segurança nessa questão devido a decisões organizacionais oportunas. Por exemplo, todas as intervenções cirúrgicas planejadas foram adiadas e são muitas na Rússia. Os dispositivos anestésicos usados para cirurgia eletiva agora são liberados como reserva: eles também podem ser usados para ventilar pulmões e por longos períodos. No caso do coronavírus, estamos falando de uma curta duração da ventilação pulmonar; portanto, não são esperados problemas com isso. Em termos de equipamento técnico, estamos avançando e prontos para enfrentar os desafios existentes”.
Os gráficos a seguir ilustram a diferença predominante entre a Rússia e outros países: o primeiro é o relatório oficial de caso da Rússia, publicado em 30 de março, com dados de 29 de março, mostrando um total de 1.836 em todo o país; um aumento de 302 novos casos em todo o país no dia anterior (taxa de crescimento de +19,7%). Para Moscou, o agregado era 1.226 (67% do número de toda na Rússia) e o aumento diário de novos casos foi de 212 (+21%). A taxa de crescimento indica claramente que a Rússia está agora na fase de aceleração, se se comparam os números de há uma quinzena, mas já pode estar desacelerando, se comparada a 25 de março (+29%). A contagem de mortes foi extremamente baixa em 11 em todo o país. O segundo gráfico foi preparado pelo Financial Times com os dados atualizados a 29 de março (para ver ampliado, clique aqui).
Em 28 de março, o Ministro da Saúde Murashko anunciou: “Até o momento (...) o Ministério da Indústria e Comércio pôs em circulação um grande número de máscaras; no total, chegam a mais de 30 milhões”.
Quanto ao impacto econômico na economia russa do modelo chinês, ou do que os britânicos estão chamando de “estratégia de supressão”, o discurso nacional de Putin em 25 de março se concentrou em medidas de curto prazo do mercado de trabalho, compensação para os desempregados e alívio de impostos e dívidas para as empresas, para impedir que a produção seja paralisada.
A prioridade, Putin esclareceu, é “garantir a proteção social de nosso pessoal, suas rendas e empregos, além de apoiar as pequenas e médias empresas, que empregam milhões de pessoas”.
As medidas que Putin listou vieram dos ministros de Mishustin que se reuniram para compilar sua lista em 21 de março.
Desde então, não houve uma nova reunião de formuladores de políticas econômicas no primeiro ministério. A transcrição dessa reunião revelou o “Plano de medidas prioritárias para garantir o desenvolvimento econômico sustentável”, elaborado por uma comissão chefiada pelo primeiro vice-primeiro-ministro Belousov. Segundo o comunicado do gabinete do primeiro-ministro, o plano incluía o mercado de trabalho e o apoio a empréstimos bancários que Putin então anunciou.
Mas há uma diferença entre o plano de Belousov e o que Putin anunciou quatro dias depois: duas medidas para aumentar as receitas, que Putin revelou: a primeira, um imposto sobre a juros e dividendos enviados para contas bancárias no exterior.
“Primeiro, os juros e dividendos que fluem da Rússia e são transferidos para o exterior para jurisdições offshore devem ser corretamente tributados. Hoje, dois terços desses fundos, e basicamente estamos falando aqui sobre rendimentos de indivíduos específicos, são tributados à taxa de apenas 2%, graças às chamadas estratégias de otimização de todos os tipos. Ao mesmo tempo, pessoas com salários modestos pagam um imposto de renda de 13%, o que é injusto, para dizer o mínimo. Por esse motivo, sugiro que aqueles que expatriam sua receita como dividendos para contas no exterior paguem um imposto de 15% sobre esses dividendos “.
Esta não é a primeira vez que Putin declara publicamente que os benefícios fiscais usufruídos por aqueles capazes de operar esquemas bancários e de capital offshore são injustos. Esse imposto é a primeira ação de Putin, nesse sentido. Putin é o único chefe de Estado que propõe tributar ricos para ajudar a custear parte dos gastos com a política anti-Covid-19.
O principal defensor da política de saídas de capital não regulamentadas e não tributadas, Alexei Kudrin, ex-ministro das Finanças e atualmente chefe da Câmara de Contabilidade, ainda não achou o que dizer. Antes do discurso de Putin, Kudrin disse que está suspendendo novos processos de auditoria fiscal. “Cancelamos novos processos de fiscalização até 1º de junho. Estão adiados. Durante esse período, só trataremos da conclusão de processos antigos”.*******
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