MANLIO DINUCCI
“Copyright Zambon Editore”
GUERRA NUCLEAR
O PRIMEIRO DIA
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
5.4 O tratado
de Moscovo e o novo START
Fundamentalmente, devido à tentativa dos Estados Unidos em aumentar a sua
vantagem estratégica sobre a Rússia, os
tratados surgem sempre mais desprovidos de verdadeiro conteúdo.
Representativo desta situação é o Tratado sobre a redução de armas estratégicas ofensivas,
assinado em Moscovo, em 24 de Maio, pelos Presidentes Bush e Putin. Bush queria
concluir o acordo, não por escrito mas com um aperto de mão, como se usa entre
cavalheiros. Depois, frente ao pedido de Putin, de colocar o acordo por
escrito, preto no branco, consente, dizendo: «Se é necessário lavrá-lo num
pedaço de papel, ficarei contente em fazê-lo». Assim, é preparado o «pedaço de
papel» que, como sublinha o Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, «necessitou seis
meses de negociações e ocupa apenas três páginas, enquanto o START I, de 1991,
requereu 9 anos de negociações e preenche setecentas páginas».
O tempo e papel usado para redigir o Tratado de Moscovo, são proporcionais
ao seu valor. Os Estados Unidos e a Federação da Rússia, comprometem-se a reduzir as ogivas nucleares estratégicas em funcionamento (com um alcance superior a 5.500 Km
e prontos a ser lançados), assim como «o número dessas ogivas não pode ser
superior a 1.700-2.200, para cada parte, em Dezembro de 2012». No entanto, não
é estabelecido nenhum mecanismo de verificação e cada uma das duas partes, «no
exercício da sua soberania nacional, pode retirar-se do Tratado, notificando a outra parte por escrito, com uma antecedência de três meses».
Além do mais, o Tratado de Moscovo não especifica o que se deve fazer às
ogivas nucleares colhidas das plataformas de lançamento, deixando cada uma das
duas partes, livres para conservarem as armas desactivadas.
A intenção dos Estados Unidos não só é de manter, mas de potenciar o seu
arsenal nuclear, é confirmada pelo Secretário de Estado, Colin Powell: «O
Pentágono – declara – tem programado conservar 4.600 ogivas como força de
resposta: 1.700-2.200 estarão imediatamente disponíveis e, outras 2.400-2.900 estarão em reserva activa». Que não são
apenas palavras, demonstra-o a decisão – anunciada em 1 de Junho de 2002, uma
semana apenas, depois da assinatura do Tratado de Moscovo – de construir uma
nova fábrica, cujo custo é de 2-4 biliões de dólares, para retomar o fabrico em
larga escala dos pits, os detonadores
de plutónio com os quais se desencadeia a explosão das ogivas termo-nucleares, que a fábrica de Rocky Flats
deixou de fabricar em 1989 e o Laboratório de Los Alamos continua a produzir,
mas em quantidade limitada. Este mesmo requisito é considerado necessário pelo Departamento
de Energia, a fim de manter em plena eficiência e renovar, constantemente, o
arsenal nuclear dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, é decidido desenvolver o Pantex Plant, o estabelecimento
industrial do Departamento de Energia, perto de Amarillo (Texas), onde se
fabricam os explosivos químicos para as ogivas nucleares; se desmontam as armas
nucleares retiradas do arsenal e se montam as armas novas. Nessa ocasião, a
Pantex Plant dispõe de uma reserva de cerca de 66 toneladas de plutónio para
uso militar. Assim, perdem a validade, as cláusulas colocadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros
russo, segundo as quais, o Tratado deveria ser «verificável
e irreversível, e assim que as armas estratégicas seriam reduzidas, não apenas no
papel». Com base no Tratado de Moscovo – sublinha o Bulletin of the Atomic Scientists - «muitas, senão a maior parte
das ogivas nucleares americanas, em vez de serem desmanteladas, serão colocadas
nos depósitos (juntamente com as outras – cerca de 5.000 – mantidas de reserva)
com o objectivo claro de serem reintroduzidas em qualquer circunstância futura. O resultado será que o arsenal nuclear americano, num futuro previsível, ficará
ao nível de mais de 10.000 ogivas. Pelo contrário, a Rússia procura um acordo
verificável e vinculativo, que garanta a destruição efectiva das armas
nucleares americanas e russas, logo que retiradas: uma posição que apoiamos».
O critério do desarmamento imposto por Washington é igual ao de um
pistoleiro que, para demonstrar as suas intenções pacíficas, diz querer tirar
do tambor do seu revólver, algumas balas, não para as deitar fora, mas para
colocá-las na cintura, continuando a ter o adversário debaixo da mira. Desta
maneira, os Estados Unidos podem mater praticamente intacto o seu arsenal
nuclear e continuar a modernizá-lo com novos tipos de armas, confiando que a
Rússia não esteja à altura de fazer o mesmo e, a fim de poupar, seja forçada a
desmantelar efectivamente as ogivas nucleares colhidas nas rampas de
lançamento.
A respeito dos transportadores das armas nucleares, o Tratado de Moscovo
não menciona nada, estabelecendo que «cada parte determinará por si mesma, a
composição e a estrutura das suas armas estratégicas ofensivas». Por outras
palavras, o Tratado não estabelece a eliminação de nenhum míssil, submarino ou
bombardeiro de ataque nuclear.
Baseados neste critério, os EUA desactivam, entre 2002 e 2005, os 50
mísseis intercontinentais MX Peacekeeper, mas conservam-nos para poder tornar a
utilizá-los no futuro, enquanto 500 ogivas nucleares W87, de 200 kiloton,
colhidas dos MX, são readaptadas para serem utilizadas nos mísseis Minuteman
III, que chegam reestruturados e modernizados (com uma atribuição de 6 milhões
de dólares). Ao mesmo tempo, enquanto são desactivados os MX, aperfeiçoam-se os
submarinos de ataque nuclear, dotando-os (com uma aplicação de 10 biliões de
dólares), de outros 115 mísseis Trident III D-5, com sistemas de orientação
aperfeiçoados.
O plano 2002-2007 prevê a redução da frota de submarinos Trident de ataque
nuclear, de 18 para 14 unidades, retirando os 4 mais antigos. Esses não são
desmantelados, mas convertidos em submarinos para «operações especiais», cada um
deles armado de mísseis de cruzeiro Tomahawk de longo alcance, com ogiva
convencional. No entanto, no Tratado de Moscovo, nada os impede de serem
convertidos, em qualquer momento, em mísseis com ogivas nucleares.
A encenação do desarmamento prossegue com o novo tratado START, que é assinado pelos EUA e pela Rússia, em 8
de Abril de 2010, em Praga. Ele não limita o número de ogivas nucleares em
funcionamento, contidas nos arsenais. Estabelece, apenas, um limite para as
«ogivas nucleares instaladas», ou seja, um número pouco menos do que o anterior,
um número substancialmente inalterado: 800 para cada parte, das quais 700
prontas a ser lançadas a cada momento. Mas, enquanto as ogivas dos mísseis são
contadas singularmente/uma a uma, cada bombardeiro pesado é contado como uma
simples ogiva, se bem que transporta muitas mais. Um B-52 – recorda o New York Times (30 de Março de 2010) –
transporta 14 mísseis de cruzeiro e 6 bombas nucleares.
Além do mais, o novo START não estabelece nenhum limite efectivo ao
reforço qualitativo das forças nucleares. Nos EUA, os responsáveis pelos
laboratórios nucleares advertem o Congresso, de que o programa federal para
«prolongar a vida do arsenal nuclear» é insuficiente para garantir a confiança
nos próximos decénios. Assim, incitam à criação de uma «nova geração custosa de
ogivas nucleares (The New York Times,
26 de Março de 2010). Também ficam fora do Tratado, as questões das armas
nucleares «tácticas», que os EUA continuam a manter em 5 países «não-nucleares»
da NATO (Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia) e noutros, violando deste
modo, o Tratado de Não-Proliferação.
Ao mesmo tempo, o novo START não coloca nenhum limite ao novo projecto do
«escudo anti-míssil», que os EUA querem expandir na Europa, à volta do
território russo: um sistema não de defesa, mas sim, de ataque que, uma vez
instalado, permitir-lhes-ia lançar um first
strike, confiantes na capacidade do «escudo», de neutralizar os efeitos de
uma represália. Em Washington asseguram que o «escudo» não está dirigido contra
a Rússia, mas contra a «ameaça dos mísseis iranianos» (ameaça inexistente,
porque o Irão não possui armas nucleares, nem mísseis que possam ameaçar a Europa
ou os Estados Unidos). Pelo contrário, em Moscovo consideram-no uma tentativa
de adquirir uma vantagem estratégica decisiva sobre a Rússia. O General Nikolai
Makarov adverte que, se os Estados Unidos continuarem a desenvolver o «escudo», o
mesmo «conduzirá inevitavelmente, a uma nova fase da corrida aos armamentos,
minando a própria essência do Tratado sobre a redução das armas nucleares
(Rossiyskaya Gazeta, 23 de Março de 2010). Entretanto, Moscovo não está de
braços cruzados: em 2010, Moscovo lança o submarino Yasen de propulsão nuclear,
armado com 24 mísseis de cruzeiro de longo alcance e, também, de ogivas
nucleares.
A seguir:
5.5. O ingresso da Coreia do Norte entre as potências nucleares
Tradutora: Maria Luísa de
Vasconcellos
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