- Conferência de imprensa final da Cimeira de Paris, a 29 de Maio. Da esquerda para a direita : Fayez Al-Sarraj (Presidente do Governo Líbio de União Nacional, designado pela ONU), Emmanuel Macron (Presidente da República Francesa), Ghassan Salamé (funcionário da ONU). Estes três homens, que não tem qualquer legitimidade sufragada na Líbia, pensam decidir o futuro do Povo Líbio.
Depois do esmagamento pela OTAN da Jamahiriya Árabe Líbia, em 2011, a situação na Líbia deteriorou-se profundamente : o PIB caiu para metade e segmentos inteiros da população vivem na miséria; é impossível circular no país; a insegurança é geral. No decurso dos últimos anos, dois terços da população fugiu para o estrangeiro, pelo menos provisoriamente.
Descontando na contabilidade geral a ilegalidade da intervenção da OTAN, as Nações Unidas tentam voltar a estabilizar o país.
As tentativas de pacificação
A ONU está presente via MANUL (Missão de apoio das Nações Unidas na Líbia), que é um órgão exclusivamente político. O verdadeiro carácter desta instância é evidente desde a sua criação. O seu primeiro director, Ian Martin (antigo director da Amnistia Internacional), montou a transferência de 1. 500 jiadistas da Alcaida, na qualidade de «refugiados» (sic), da Líbia para a Turquia, para formar um dito «Exército Sírio Livre». É certo que actualmente a MANUL é dirigida por Ghassan Salamé [1], mas ela depende, directamente, do Director dos Assuntos Políticos da ONU, que não é outro senão Jeffrey Feltman. Ora, este antigo assistente de Hillary Clinton, no Departamento de Estado dos EUA, é um dos mestres de operações do plano Cebrowski-Barnett para a destruição dos Estados e sociedades do «Médio-Oriente Alargado» [2]. Foi precisamente ele quem supervisionou, de um ponto de vista diplomático, os ataques contra a Líbia e a Síria [3].
A ONU parte da ideia de que a desordem actual é a consequência da «guerra civil», de 2011, que colocou o regime de Muammar Kadhafi contra a sua oposição. Ora, aquando da intervenção da OTAN, esta oposição limitava-se aos jiadistas da Alcaida e da tribo Misrata. Como antigo membro do último governo da Jamahiriya Árabe Líbia, posso testemunhar que a iniciativa da Aliança Atlântica não respondia a um conflito líbio, antes a uma estratégia regional de longo prazo para o conjunto do Médio-Oriente Alargado.
Nas eleições legislativas de 2014, os islamistas, que travaram os combates no terreno por conta da OTAN, não tiveram mais que resultados sofríveis. Decidiram então não reconhecer a «Câmara de Representantes» (sediada em Tobruk) e constituir a sua própria assembleia (sediada em Trípoli), que eles denominam agora de «Alto Conselho de Estado». Considerando que estas duas assembleias rivais podiam formar um sistema bicamarário, Feltman colocou os dois grupos em igualdade. Contactos entre eles tiveram lugar nos Países Baixos, depois os Acordos de Skhirat (Marrocos) foram assinados, mas sem o consentimento das duas assembleias. Estes «acordos» estabeleceram um «governo de unidade nacional» (inicialmente sediado na Tunísia) designado pela ONU.
Para preparar a elaboração de uma nova Constituição e eleições presidencial e legislativas, a França, substituindo-se aos esforços dos Países Baixos e do Egipto, organizou, no fim de Maio, uma cimeira com aqueles que a ONU apresenta como os quatro principais líderes do país, na presença de representantes dos principais Estados implicados no terreno. Esta iniciativa foi vivamente criticada em Itália [4]. Publicamente falou-se de política, enquanto, discretamente, se desenharam os contornos de um Banco Central líbio único que apagará o roubo dos Fundos Soberanos líbios pela OTAN [5] e centralizará o dinheiro do petróleo. Seja como for, após a assinatura de uma declaração comum [6] e os abraços do costume, a situação bruscamente piorou no terreno.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, age em função da sua experiência como banqueiro de negócios: reuniu os principais líderes líbios escolhidos pela ONU; examinou com eles a forma de proteger os seus respectivos interesses com vista a criar um governo reconhecido por todos; certificou-se que as potências estrangeiras não sabotariam este processo; e pensou que os Líbios aplaudiriam esta solução. Ora, nada disso se passou porque a Líbia é totalmente diferente das sociedades ocidentais.
É óbvio que a França que tinha sido, com o Reino Unido, a ponta de lança da OTAN contra a Líbia, tenta recuperar os dividendos da sua intervenção militar, de que ela foi privada pelos seus aliados anglo-saxões.
Para compreender o que se passa, é preciso voltar atrás e analisar a maneiro como vivem os Líbios em função da sua experiência pessoal.
A História da Líbia
A Líbia existe apenas há 67 anos. Por altura da queda do fascismo, e do fim da Segunda Guerra Mundial, esta colónia italiana foi ocupada pelos Britânicos (na Tripolitânia e na Cirenaica) e pelos Franceses (em Fezzan, que eles dividiram e ligaram administrativamente às suas colónias da Argélia e da Tunísia).
Londres favoreceu a emergência de uma monarquia controlada a partir da Arábia Saudita, a dinastia dos Senussis, que reinou sobre o país desde a «independência», em 1951. De religião wahhabi, ela mantêm o novo Estado num obscurantismo total, promovendo, ao mesmo tempo, os interesses económicos e militares anglo-saxónicos.
Ela foi derrubada, em 1969, por um grupo de oficiais que proclamou a verdadeira independência e colocou na porta de saída as Forças Estrangeiras. No plano político interno, Muammar Kadhafi redigiu, em 1975, um programa, o Livro Verde, no qual garantiu à população do deserto ir satisfazer os seus principais sonhos. Por exemplo, enquanto cada beduíno ambicionava ter a sua própria tenda e o seu camelo, ele promete a cada família um apartamento gratuito e um carro. A Jamahiriya Árabe Líbia oferece igualmente a água [7], educação e a saúde gratuitas [8]. Progressivamente, a população nómada do deserto sedentariza-se junto à costa, mas os laços de cada família com a sua tribo de origem permaneceram mais importantes que as relações de vizinhança. Instituições nacionais foram criadas, inspiradas nas experiências dos falanstérios dos socialistas utópicos do século XIX. Elas estabeleceram uma democracia directa em coexistência com as antigas estruturas tribais. Assim, as decisões importantes eram primeiro apresentadas à Assembleia Consultiva das Tribos antes de serem deliberadas pelo Congresso Geral do Povo (Assembleia Nacional). No plano internacional, Kadhafi dedicou-se a resolver o conflito secular entre os Africanos, árabes e negros. Ele pôs fim à escravatura (escravidão-br) e utilizou uma grande parte do dinheiro do petróleo para ajudar ao desenvolvimento dos países subsarianos, especialmente do Mali. A sua actividade acordou os Ocidentais, que começaram, então, políticas de ajuda ao desenvolvimento do continente.
No entanto, apesar dos progressos conseguidos, trinta anos de Jamahiriya não bastaram para transformar esta Arábia Saudita africana numa sociedade laica moderna.
- Ghassan Salame o seu patrão, Jeffrey Feltman
O problema actual
Esmagando este regime e fazendo flutuar novamente a bandeira dos Senussis, a OTAN reenviou o país para o que era antes de 1969: um conjunto de tribos, vivendo no deserto, desligados do mundo. Na ausência de Estado, a população fechou-se em estruturas tribais sem chefe supremo. A Xaria, o racismo e a escravatura reapareceram. Nestas condições, é ineficaz procurar restabelecer a ordem a partir do alto. É, pelo contrário, indispensável pacificar primeiro as relações entre as tribos. Só uma vez concluída esta operação é que será possível vislumbrar instituições democráticas. Até lá, a segurança individual apenas será garantida pela sua pertença à tribo. Para sobreviver, os Líbios evitarão, portanto, pensar de maneira autónoma e irão sempre referir-se à posição do seu próprio grupo.
O exemplo da repressão exercida pelos habitantes de Misrata contra os de Tawarga é exemplar. Os Misratas são os descendentes dos soldados turcos do exército otomano, os de Tawarga descendem de antigos escravos negros. Em ligação com a Turquia, os Misratas participaram no derrube (derrubada-br) da Jamahiriya. Assim que a bandeira dos Senussis foi imposta, eles atiraram-se com uma fúria racista contra os negros. Acusaram-nos de todo o tipo de crimes e forçaram 30. 000 de entre eles a fugir.
Será evidentemente muito difícil fazer emergir uma personalidade, comparável a Muammar Kadhafi, que seja primeiro reconhecido pelas tribos, depois pelo Povo. Mas, na realidade, não é isso que busca Jeffrey Feltman. Contrariamente às declarações oficiais sobre uma solução «inclusiva», quer dizer integrando todas as componentes da sociedade líbia, Feltman impôs via islamistas, com quem tinha trabalhado no Departamento de Estado contra Kadhafi, uma lei interditando o desempenho de qualquer função pública às pessoas que haviam servido o Guia. A Câmara dos Representantes recusou a aplicar este texto, ainda em vigor em Trípoli. Este dispositivo é comparável ao da “desbaathificação” que o mesmo Feltman impôs no Iraque, quando era um dos dirigentes da «Autoridade Provisória da Coligação». Em ambos os casos, estas leis acabam a privar esses países da maioria das suas elites e forçam-nas à violência ou ao exílio. Vê-se claramente, Feltman continua a prosseguir os objectivos do plano Cebrowski pretendendo, ao mesmo tempo, estar a trabalhar para a paz.
Contrariamente às aparências, o problema da Líbia não é a rivalidade entre os líderes, mas, sim a ausência de pacificação entre as tribos e a exclusão dos Kadhafistas. A solução não pode ser negociada entre os quatro líderes reunidos em Paris, mas, unicamente, no seio e em torno da Câmara dos Representantes de Tobruk, cuja autoridade cobre agora 80% do território.
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