Aqueles de nós que acompanharam a Internet russa nos últimos tempos observaram um fenômeno altamente visível, bastante surpreendente: há muitos vídeos anti-Putin postados no YouTube ou em plataformas russas assemelhadas. Não só isso. Recentemente, uma enxurrada de canais parecem ter feito de Putin ou Mishustin seu único interesse e seu trabalho de tempo integral. Claro que no passado sempre houve vídeos anti-Putin e anti-Medvedev. Mas o que torna essa nova onda tão diferente da antiga é que eles atacam Putin e Mishustin não de posições pró-ocidente, mas de posições supostamente patrióticas russas. Até Alexander Dugin, suposto “conselheiro pessoal” de Putin (o que ele não é) e bolchevique nacionalista (o que ele é) juntou-se a esse movimento (quem entenda russo, pode ver aqui).
Esse é fenômeno novo, interessante e complexo, e aqui tentarei descompactá-lo.
Primeiro, devemos lembrar que Putin foi extremamente bem-sucedido em destruir a oposição pró-ocidente que, embora seja exibida diariamente na TV russa, representa nada além de 3-5% das pessoas, no máximo. Alguém pode perguntar por que aparecem tão frequentemente na TV, e o motivo é simples: quanto mais eles falam, mais são odiados.
[BARRA LATERAL: Longe de silenciar a oposição, o Kremlin não apenas dá-lhe tempo de exposição, como também paga figurões da oposição, em dólares, para que apareçam nos talk shows mais populares. Para detalhes, veja aqui e aqui].
Na verdade, a reputação da oposição “liberal” (no sentido russo) pró-ocidente tem efeito atualmente de um atropelamento sobre a popularidade de políticos, na Rússia. Sim, existe um núcleo de russos russófobos que odeiam a Rússia com paixão (referem-se a ela como “Rashka”), e o ódio deles por tudo que é russo é tão óbvio, que esses odiadores da pátria são universalmente desprezados em todo o país. (Única grande exceção é Moscou, onde há uma oposição “liberal” muito mais forte, que recebe o apoio de todos quantos muito se divertiram pilhando a Rússia nos anos 90, e que agora odeiam Putin, por ter posto fim àquela conduta dessas máfias).
Quanto à oposição parlamentar (na Duma), só é oposição no nome. Fazem barulho, reclamam aqui e ali, condenam isso ou aquilo, mas no final do dia não representam qualquer oposição crível.
Por quê?
Gráfico (Pode ser traduzido na própria página)
O gráfico está em russo, mas também é extremamente simples de entender. No eixo Y, você vê a porcentagem de pessoas que “confiam totalmente” e “confiam principalmente” nos seis políticos, em ordem: Putin, Mishustin, Zhirinovskii, Ziuganov, Mironov e Medvedev. No eixo X, você vê o período de julho de 2019 a abril de 2020.
A única coisa que realmente importa é a seguinte: apesar de todos os problemas objetivos e subjetivos da Rússia, apesar de uma reforma previdenciária amplamente impopular, apesar de todas as sanções ocidentais e apesar da pandemia, Putin permanece assentado, só ele, em posição sólida como rocha: mantém o apoio esmagador do povo russo. Essa causa única explica praticamente tudo de que falarei hoje.
Como muitos de vocês provavelmente se lembram, já houve no passado várias ondas de Operações Psicológicas (PSYOPS) anti-Putin, e todas falharam por razões muito simples:
Houve um momento em que os curadores ocidentais da 5ª Coluna russa perceberam que ofender Putin com palavrões na imprensa ocidental ou acusá-lo publicamente de ser “déspota sangrento” e “assassino da KGB” poderia funcionar com o público ocidental crédulo e submetido a lavagem cerebral, mas não tinha qualquer efeito mobilizador, na Rússia.
E então, alguém, em algum lugar (não sei quem ou onde) teve ideia verdadeiramente brilhante: acusar Putin de não ser patriota; e declará-lo um fantoche nas mãos do Império anglossionista. Tenho de admitir que a ideia foi absolutamente brilhante.
Primeiro, tentaram vender a ideia de que Putin estaria prestes a “vender” (ou “comercializar”) a Novorússia. Uma teoria era a de que a Rússia iria apoiar e permitir que os ukronazis invadissem a Novorussia. Outra teoria dizia que os EUA e a Rússia fariam um acordo secreto e “dariam” a Síria a Putin, se ele “desse” a Novorussia ao Império. Como alternativa, havia a versão de que a Rússia “daria” a Síria a Trump e ele “daria” a Novorussia a Putin. A narrativa real não importa. O que importa, MUITO, é que Putin não foi apresentado como o “novo Hitler” que invadiria a Polônia e os países bálticos, que envenenaria os Skripals, que invadiria servidores do Diretório Nacional Democrata e “poria Trump no poder”. Porque essas lendas simplórias e estúpidas absolutamente não enganariam ninguém na Rússia. Putin “vendendo” a Novorussia era muito mais crível, especialmente depois que ficou claro que a Rússia não permitiu que as forças das Repúblicas Populares de Donestk (DNR) e de Luhansk (LNR) tomassem Mariupol.
[BARRA LATERAL: Continuo convencido de que Putin tomou a decisão correta. Por quê? Porque se as forças DNR / LNR tivessem entrado em Mariupol, suas linhas críticas de suprimento teriam sido cortadas por uma manobra de envelopamento, pelas forças ucranianas. Sim, as forças DNR / LNR tinham o poder necessário para tomar Mariupol, mas acabariam cercadas pelas forças dos Ukronazistas em uma situação de tipo “caldeirão / cerco”, que forçaria a Rússia a intervir abertamente para apoiar as Repúblicas Populares recém-proclamadas. Não seria difícil de resolver em termos militares, mas em termos políticos teria sido um desastre para a Rússia e um sonho tornado realidade para os anglossionistas, que poderiam (finalmente!) “provar” que a Rússia estivera envolvida desde o início. O pessoal do Estado-Maior da Rússia é claramente muito mais esperto do que os generais de sofá que acusavam a Rússia de traição, por deixar Mariupol ser libertada.
Eventualmente, tanto as narrativas de “liquidar a Síria” quanto de “liquidar a Novorussia” perderam a força; e os especialistas do PSYOPS no Ocidente tentaram outra: Putin foi convertido em servo obediente de Israel e, pessoalmente, de Netanyahu. Os argumentos eram muito semelhantes: Putin não permitiu que sírios (ou russos) derrubassem aeronaves israelenses no Mediterrâneo ou no Líbano; Putin não usou o famoso S-400 para proteger alvos sírios contra ataques israelenses; e Putin não pousou na Síria uma divisão transportada por avião, para lidar com os Takfiris. E que ninguém dê atenção ao fato de que os objetivos russos oficialmente declarados na Síria eram só “estabilizar a autoridade legítima e criar condições para um compromisso político” (veja aqui para detalhes). A simples verdade é que Putin nunca disse que varreria Takfiris de cada metro quadrado de terra da Síria; nem algum dia prometeu defender a Síria contra Israel!
Ainda assim, por um tempo a Internet foi inundada com artigos segundo os quais Putin e Netanyahu estariam coordenando estreitamente todos os respectivos passos, e Putin seria amigo de Israel.
Com o tempo, essa mentira também perdeu a credibilidade. Afinal, a maioria das pessoas é esperta o suficiente para perceber que, se Putin quisesse ajudar Israel, bastaria fazer... ora essa... bastaria fazer exatamente * nada *: os Takfiris tomariam Damasco e seria “fim de jogo” para uma Síria civilizada. Síria e israelenses teriam pretexto perfeito para intervir.
[BARRA LATERAL: Como já mencionei em artigo anterior, esses eram os objetivos israelenses originais para a Síria:
Hoje em dia, é bastante fácil provar as duas teses a seguir: 1) Israel falhou tristemente em alcançar QUALQUER dos objetivos estabelecidos acima; e 2) a intervenção russa é o único fator mais importante que impediu Israel de alcançar esses objetivos (o segundo mais importante foi o apoio heroico dado pelo Irã e pelo Hezbollah que, literalmente, “salvaram o dia”, especialmente durante as fases iniciais da intervenção russa. Somente uma pessoa ignorante ou desonesta poderia afirmar seriamente que Rússia e Israel estariam juntos quando a Rússia, na realidade, derrotou completamente Israel na Síria).
Ainda assim, depois que a primeira PSYOP (Putin, o novo Hitler) falhou, e a segunda PSYOP (Putin, vendendo tudo) também falhou, os especialistas em PSYOP no Ocidente criaram uma operação PSYOP muito mais potencialmente perigosa e eficaz.
Mas, primeiro, eles fizeram algo verdadeiramente brilhante: perceberam que seus melhores aliados na Rússia não seriam os “liberais” (francamente, gente sem noção); mas que encontrariam “aliado” muito mais poderoso nesses nostálgicos da União Soviética. Isso, preciso explicar com alguns detalhes.
Primeiro, algo que observei durante toda a minha vida na psicologia humana: tendemos a lembrar o bem e esquecer o mal. Hoje, a maior parte do que lembro do campo de treinamento (e até da “semana da sobrevivência”) parecem momentos divertidos. A verdade é que, enquanto estava no campo de treinamento, eu odiava quase todos os dias. De maneira semelhante, muitos russos desenvolveram uma espécie de nostalgia pela era soviética. Posso entender. Afinal, durante os anos 50 a URSS alcançou um renascimento verdadeiramente milagroso; então, nos anos 60 e 70, houve muitos triunfos verdadeiros. Finalmente, mesmo nos odiados anos 80, a URSS alcançou coisas absolutamente espetaculares (em ciência, tecnologia etc.). Tudo isso é verdade.
O que é frequentemente esquecido é que, ao mesmo tempo, a sociedade soviética era opressiva, o PCUS corrupto e geriátrico administrava tudo e era principalmente odiado, o povo russo tinha medo da KGB e não podia desfrutar das liberdades que os EUA ou a Europa tinham. Na verdade, era pacote misto, mas é fácil lembrar apenas as coisas boas.
Além disso, muitas pessoas que tiveram altos cargos durante a era soviética perderam tudo. E agora que a Rússia está objetivamente passando por várias provações difíceis, essas pessoas “cheiravam a sangue” e claramente esperam que, por algum milagre, Putin seja derrubado. Não será derrubado e, isso, pelas seguintes razões muito básicas:
A (na minha opinião) triste realidade é que, apesar de todas as suas imensas qualidades, Putin é realmente um liberal, pelo menos em sentido econômico. E isso se manifesta de duas maneiras muito diferentes:
Aqui está o paradoxo: a URSS morreu em 1991-1993, Putin é anticomunista, mas ainda existe uma Nomenklatura (de estilo soviético) na Rússia, exceto que agora eles são frequentemente chamados de “oligarcas” (o que é incorreto, porque, digamos, o oligarca ucraniano realmente decide o destino da nação, enquanto essa nova Nomenklatura russa não decide o destino da Rússia como um todo. Mas eles têm grande influência no setor financeiro, que é o que mais interessa a eles).
Portanto, temos uma tempestade, talvez não muito “perfeita”, mas ainda muito perigosa pairando sobre a Rússia. O quão perigosa? Considerem isto:
Sob Putin, a política externa russa tem sido tão bem-sucedida que até os liberais russos, com muita relutância, admitem que ele fez um bom trabalho. No entanto, as políticas internas e financeiras da Rússia foram um desastre. Para dar apenas um exemplo: o fato de os principais bancos russos estarem inchados com suas imensas receitas, não impediu que milhões de russos vivessem na pobreza e muitas centenas de milhares de pequenas empresas familiares/russas entrassem em falência devido às taxas de juros muito altas.
Um dos principais problemas na Rússia é que o Banco Central e os principais bancos comerciais só existem para gerar lucros. O que a Rússia realmente precisa é de um banco estatal de DESENVOLVIMENTO cujo objetivo não seja milhões e bilhões para poucos, mas possibilitar que a criatividade do povo russo realmente floresça. Hoje, vemos na Rússia exatamente o oposto disso.
Então, qual é o meu problema com essa oposição social (se não completamente “socialista”)?
Esse pessoal está tão concentrados em suas queixas estreitas que perdem completamente de vista o quadro geral. Deixe-me explicar.
Primeiro, a Rússia está em continuado estado de guerra contra os EUA+UE+OTAN desde pelo menos 2015. Sim, essa guerra é 80% informacional, 15% econômica e apenas 5% cinética. Mas, sim, é guerra muito real. A principal característica de uma guerra real é que só um lado chega à vitória; o outro é totalmente derrotado. O que significa que a guerra entre a Rússia e o Império Anglossionista é existencial: uma lado vencerá e sobreviverá, o outro desaparecerá e será substituído por sociedade qualitativamente nova. A oposição russa neocomunista finge firmemente que não haveria guerra, como se todas as perdas (econômicas e humanas) fossem resultado exclusivamente de corrupção e incompetência.
Esquecem que durante a última guerra entre a Rússia e o “Ocidente Unido”, os tanques alemães estavam às portas de Moscou.
OK, é claro que sabem disso. Mas fingem que não. E é por isso que penso nesse pessoal como uma 6ª Coluna (em oposição à 5ª Coluna, abertamente “liberal” e pró-ocidente).
Segundo, enquanto essa oposição é, na minha opinião, absolutamente correta quando deplora a aparente crença de Putin de que seguir os conselhos do que eu chamaria de “tipos do FMI” é mais seguro do que seguir as recomendações dos que podem ser identificados como “economistas da oposição” (aqui, penso em [Sergei] Glaziev, cujas opiniões eu pessoalmente apoio integralmente), a mesma oposição 6ª-Colunista falha ao não perceber os riscos envolvidos em esmagar os “tipos do FMI”.
A triste verdade é que os bancos russos são muito poderosos e que, sob muitos aspectos, o Estado não pode dar-se ao luxo de aliená-los totalmente. No momento, os bancos apoiam Putin, mas só porque ele os apoia. Mas se Putin decidisse seguir o conselho de, digamos, [Sergei] Glaziev e seus apoiadores, os banqueiros russos reagiriam com uma “guerra total” contra Putin.
Sobre Sergei Glazyev, ver “A mais nova arma letal da Rússia”, 17/9/2015, no Blog do Alok [NTs]
Se você estudar a história da Rússia, em breve perceberá que a Rússia saiu-se soberbamente bem contra inimigos militares; quase-abaixo da média, nos esforços diplomáticos (que muitas vezes desmontaram as vitórias militares); e que se saiu pessimamente contra o que poderíamos chamar de “oposição interna”.
Então, deixe-me repetir aqui: não considero OTAN ou EUA como reais ameaças militares contra a Rússia, a menos que eles decidam usar armas nucleares, caso em que tanto a Rússia quanto o Ocidente sofreriam terrivelmente. Mas mesmo nesse cenário, a Rússia prevaleceria.
A Rússia tem vantagem de 10 a 15 anos contra os EUA, em tecnologias nucleares civis e militares; e a sociedade russa é muito mais competente nas artes de sobreviver. – Se esse tópico for do seu interesse, basta ler os livros de Dmitry Orlov que explicam tudo melhor do que eu jamais conseguiria.
Sempre achei e ainda acho, que o verdadeiro perigo para Putin e aqueles que compartilham suas opiniões é a oposição interna, muitas vezes “de dentro do governo” [ing. insider], na Rússia. Essa oposição ‘de dentro’ sempre reuniu os atores que apresentaram a maior ameaça contra qualquer governante russo, dos czares a Stalin.
E essa nova 6ª Coluna neocomunista é hoje ameaça muito mais perigosa para o futuro da Rússia do que os 5ª Colunistas pró-ocidentais. Algumas de suas táticas são extremamente desonestas. Por exemplo, uma das coisas que mais se ouve dessa gente é a seguinte: “a menos que Putin faça X, Y ou Z, há o risco de uma revolução sangrenta”. Depois de ouvir muitas dezenas de vídeos, posso dizer com total segurança que longe de temer uma revolução sangrenta, essas pessoas na realidade sonham com essa revolução.
Imagem de Putin. Legenda: “Frequentemente, em nossa história, vimos que, em vez de uma oposição ao governo, somos confrontados com uma oposição à própria Rússia. E sabemos como isso termina: com a destruição do estado como tal”.
Agora, se você pensa como verdadeiro patriota russo, deve compreender que a Rússia sofreu não uma, mas duas revoluções realmente horríveis: em 1917 e 1991. Em cada caso, as consequências dessas revoluções foram absolutamente horríveis (independentemente de o quanto possam ser justificadas ou tenham parecido ser, na época). Tanto em 1917 quanto em 1991, a Rússia desapareceu quase completamente como país, e milhões sofreram terrivelmente. Afirmo agora, como axioma, que nada seria pior para a Rússia do que qualquer revolução, independentemente da ideologia que a alimente ou de quão ruim o “regime no poder” seja ou pareça.
Putin é agudamente consciente disso (vide imagem acima).
Esses neocomunistas discordariam muito fortemente, de mim.
Eles “alertam” contra uma revolução, ao mesmo tempo em que, na realidade, tentam criar as condições para uma revolução.
Agora me permitam esclarecer: estou absolutamente convencido de que nenhuma revolução é possível na Rússia (neocomunista ou outra qualquer). Mais precisamente, embora eu acredite que possa acontecer uma tentativa de revolução, acredito que qualquer golpe / revolução contra Putin está fadado ao fracasso. Por quê? Pelo que se vê no gráfico acima.
Mesmo que por algum (horrível) milagre, fosse possível derrotar / neutralizar o poder combinado das Forças de Segurança da Federação Russa + Serviço Federal de Proteção [de autoridades, inclusive o presidente e prédios oficias da Federação Russa] + Guarda Nacional + Forças Armadas (o que acho impossível), esse “sucesso” seria limitado a Moscou ou, no máximo, à região (Oblast) de Moscou. Fora desses limites, tudo é “território Putin”.
Em termos de poder de fogo, a Oblast de Moscou tem muitas unidades de primeira classe, mas nem chega perto do que o “resto da Rússia” poderia mobilizar (já seria possível deter só o 58º Exército no sul). Mas nem isso é verdadeiramente crucial.
O aspecto verdadeiramente crucial após qualquer golpe / revolução seria os 70%+ do povo russo que, pela primeira vez em séculos, realmente acredita que Putin defende o interesse do povo; e que Putin é “homem seu”. Essas pessoas nunca aceitarão tentativa ilegal de remover Putin do poder. Essa é a principal razão pela qual atualmente não é possível que alguma revolução seja bem-sucedida na Rússia.
Mas, embora toda e qualquer revolução / golpe esteja fadado ao fracasso, o que quer que venha pode resultar num banho de sangue muito maior do que o que aconteceu em 1993 (quando as forças armadas geralmente não estavam envolvidas nos eventos).
Agora, somando tudo.
Há na Rússia uma oposição interna muito vocal a Putin, que provavelmente jamais chegará a ter apoio popular real, mas que pode unir número suficiente de nostálgicos da era soviética para criar uma crise real.
Essa oposição interna enfraquece clara e objetivamente a autoridade / reputação de Putin – e enfraquecer a reputação de Putin é precisamente o principal objetivo da “sopa de letras de siglas” ocidental, desde que Putin chegou ao poder.
Essa oposição interna, em sua maioria nostálgica da era soviética, não receberá apoio oficial do Ocidente, mas desfrutará de apoio secreto máximo da “sopa de letras de siglas” ocidental.
Finalmente, essa oposição neocomunista nunca tomará o poder, mas pode criar uma crise política interna muito real, que enfraquecerá muito Putin e os Soberanistas Eurasianos (sobre Soberanistas Eurasianos, ver O longo (20 anos!) “pas de deux” de Rússia e EUA está chegando ao fim?, em Redecastorphoto, NTs).
Então qual é a solução?
Putin precisa evitar qualquer agitação civil. Remover Medvedev e substituí-lo por Mishustin foi a jogada correta, mas veio tarde demais. Francamente, acredito que já é hora de Putin finalmente romper abertamente com os “tipos de consenso de Washington” e ouvir Glaziev, que pelo menos não é comunista.
A Rússia sempre foi uma sociedade coletivista e precisa parar de se desculpar (mesmo que mentalmente) por isso. Em vez de se desculpar, deve abraçar aberta e totalmente sua cultura e tradições coletivistas e pôr a correr os tipos “consenso de Washington”.
Sim, as elites de Moscou ficarão furiosas, mas também é hora de dizer a essas pessoas que elas não são donas da Rússia e que, embora possam promover uma matança prostituindo-se ao Império, a maioria dos russos não quer fazer isso .
O ponto principal é que Putin representa algo muito único e muito precioso: é um autêntico patriota russo, mas não sofre nostalgia alguma dos dias da União Soviética. No momento, ele é o único (ou um dos poucos) político russo que pode reivindicar esse mérito.
Putin precisa antecipar-se à crise que os neocomunistas poderiam desencadear, não fazendo calar os neocomunistas, mas compreendendo que em algumas questões o povo russo concorda mesmo, realmente, profundamente, com os neocomunistas (mesmo que não estejam dispostos a declarar uma revolução).
Parece complicado ou até difícil de desenredar? Se parece, é porque é complicado e difícil de desenredar. Mas, apesar de todas as nuances, podemos discernir uma questão de fundo: não vale a pena vencer, se a vitória enfraquece / ameaça a Rússia. No momento, a oposição neocomunista é, objetivamente, uma ameaça à estabilidade e à prosperidade da Rússia. Mas NÃO significa que os neocomunistas estejam sempre errados. Muito frequentemente, isso sim, acertam na mosca, 100% corretos.
Putin precisa ouvi-los e fazer a coisa certa, para assim provar que estão errados.
Difícil? Sim. Factível? Sim. E é o que Putin tem de fazer.
[assina] The Saker
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