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GUERRA NUCLEAR: O PRIMEIRO DIA
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à
catástrofe
Autor: Manlio Dinucci
Capítulo 1
O NASCIMENTO DA BOMBA
1.1 O bombardeamento atómico
de Hiroshima e Nagasaki
«Há dezasseis horas, um
avião americano deixou cair uma bomba sobre Hiroshima, uma base importante do
exército japonês. [ ] É uma bomba atómica. É uma consolidação da energia
fundamental do universo. A força da qual o Sol extrai a sua energia»: assim
anuncia o Presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, na declaração
de 6 de Agosto de 1945. Três dias depois, no discurso
radiofónico de 9 de Agosto, explica que «a primeira bomba atómica foi lançada
sobre Hiroshima, uma base militar, porque neste primeiro ataque queríamos
evitar, o mais possível, o massacre de civis».
Na realidade, Hiroshima não
é uma base militar, como também não é Nagasaki, a cidade japonesa sobre a qual
os Estados Unidos lançaram a segunda bomba atómica, em 9 de Agosto, o mesmo dia
em que o Presidente Truman pronuncia o discurso radiofónico.
A bomba atómica de urânio de
15 kiloton (igual à potência explosiva de 15 mil toneladas de TNT) lançada
sobre Hiroshima, sarcasticamente designada de Little Boy (rapazinho), matou
imediatamente e nos seis meses seguintes, cerca de 140.000 pessoas - civis, na
esmagadora maioria. Mas outras pessoas morreram nos anos seguintes, depois dos
efeitos das radiações, embora muitos dos sobreviventes, os hibakusha,
tenham sofrido efeitos biológicos a longo prazo. O número total de vítimas da
bomba de Hiroshima, nos decénios seguintes, é estimado em mais de meio milhão.
A bomba atómica de plutónio de cerca de 22 kiloton, lançada sobre
Nagasaki, (humoristicamente denominada Fatman = gorducho), mata imediatamente e
nos meses seguintes 75.000 pessoas, na grande maioria civis, aos quais se
juntaram muitos outros nos anos seguintes, enquanto muitos dos sobreviventes,
sofreram os efeitos biológicos a longo prazo.
A justificação oficial do
bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki é que só assim os Estados Unidos
podem forçar o Japão à rendição, sem ter de pagar um preço elevado em vidas
americanas. Na realidade o Japão está no limite extremo e não há necessidade de
recorrer à bomba atómica para impôr-lhe a rendição. A verdadeira razão é outra.
Enquanto Truman está na Conferência de Potsdam (7 de Julho a 2 de Agosto de
1945), juntamente com Churchill e Stalin, é-lhe comunicado secretamente que, a 16
de Julho, foi detonada em New Mexico, a primeira bomba atómica. O Projecto
Manhattan, conduzido no máximo segredo desde Junho de 1942, tinha alcançado a
sua meta. Truman tem agora a possibilidade de acabar a guerra com o Japão da
maneira mais favorável aos Estados Unidos, impedindo que a União Soviética
participe na invasão do Japão, decidida em Potsdam e de expandir, desse modo, a
sua influência à região do Pacífico.
Para isso, ordena
secretamente que a bomba atómica seja utilizada o mais rápido possível.Em 24 de
Julho, dois dias antes da Declaração de Potsdam, na qual se intima o Japão à
rendição incondicional, são escolhidas secretamente, como possíveis objectivos,
quatro cidades japonesas: Hiroshima (com mais de 250 mil habitantes), Nagasaki
(cerca de 200 mil), Kokura e Niigata (cada uma com 150 mil). As condições
meteorológicas mais favoráveis, em 6 de Agosto, fazem cair a primeira escolha
em Hiroshima. Três dias depois, a escolha cai sobre Nagasaki.
«A decisão de destruir
Hiroshima e Nagasaki foi uma decisão política e não, uma decisão militar» ( ou
seja, não foi ditada pela necessidade de derrotar militarmente o Japão),
escreve a jornalista americana, Diana
Johnstone. «A posse demonstrada dessa arma dava a Truman uma
sensação de poder sentir-se livre para romper a promessa feita aos russos e de
pressionar Moscovo, na Europa, de maneira ameaçadora. As bombas de Hiroshima e
Nagasaki não mataram, apenas e sem motivo, centenas de milhares de civis. Elas
abriram o caminho à Guerra Fria».
Os Estados Unidos procuram
tirar a máxima vantagem do facto de, naquele momento, serem os únicos a possuir
a arma atómica. Depois de tê-la definido, «a maior conquista que a ciência
organizada já tinha realizado na História»,Truman sublinha na declaração de 6
de Agosto que, «mesmo não sendo habitual este governo esconder os seus
conhecimentos à comunidade científica mundial, nas actuais circunstâncias, não
se pretende divulgar os processos técnicos de produção.»
Ele sublinha, em seguida,
que «a energia atómica pode exercer uma influência eficaz para a manutenção da
paz mundial». O sentido é claro: dado que os Estados Unidos não pretendem
divulgar os processos técnicos de produção, isto significa que serão eles, uma
vez terminada a Segunda Guerra Mundial, a garantir a «paz mundial» servindo-se
do monopólio das armas nucleares.
1.2 Os efeitos da explosão nuclear sobre uma cidade
A bomba de Hiroshima, à luz dos
sucessivos desenvolvimentos de tais armamentos, aparece como a chave da era
nuclear. Com um terço do urânio 235 usado para o LITTLE BOY,
construíram-se, não muito tempo depois, dispositivos 8 a 9 vezes mais potentes
que, se forem usados para activar uma bomba de hidrogénio, produzem uma explosão
mil vezes mais destruidora. A relação potência-peso (a medida padrão de
eficiência de um dispositivo explosivo), que na bomba de Nagaski é de cerca de
5.000, é elevada a 3.500.000.
Para perceber quais são
os efeitos destruidores
de tais armas, toma-se como exemplo, o de uma única explosão
nuclear sobre uma cidade: a unidade adoptada para tais cálculos – efectuados
sobre a base da experiência de Hiroshima e Nagasaki e das explosões nucleares
experimentais – é, em geral, uma bomba de 1 megaton (MT), semelhante à explosão
de uma tonelada de TNT (para cujo transporte, foi calculado ser necessário um
comboio de mercadorias de 500 km de extensão). É uma arma cuja potência
equivale a 75 bombas de Hiroshima.
No cálculo deve considerar-se,
em primeiro lugar, os factores variáveis, dos quais depende o fluxo e o tipo de
efeitos da explosão nuclear. Uma explosão no solo concentra uma onda de choque
(onda de pressão do ar, produzida pela explosão) e calor, mais intensamente a
nível do solo, reduzindo os efeitos, mas aumenta o dano da queda de partículas
radioactivas no solo e incêndios. Uma humidade mais elevada da atmosfera reduz
os danos dos incêndios, mas aumenta notavelmente a radioactividade. Durante o
verão ou num clima quente, nota-se um maior número de queimados, pois que
muitas pessoas encontram-se ao ar livre e com roupas ligeiras. Num dia feriado,
regista-se maior número de vítimas, pelo encerramento dos escritórios, fábricas
e escolas.
Calcula-se que a devastação
máxima seria provocada pela detonação de uma bomba nuclear de 1 megaton a uma
altitude de 2.000 metros, num dia feriado durante o horário de trabalho, num
dia quente de verão límpido, seco e ventilado.
Os efeitos da explosão são
calculados, com base numa série de anéis (coroas circulares compreendidas entre
duas circunferências concêntricas de raios) em volta do ground zero,
o hipocentro, o ponto da superfície terrestre sob a vertical da explosão. Cada
um de nós, com um mapa e um compasso, pode calcular quais os efeitos que
provocaria sobre o seu próprio território, a explosão de uma bomba nuclear de 1
megaton.
No primeiro anel, num raio de
de 2,8 km do ground zero, a destruição e a letalidade são totais. A
onda de choque, devida à compressão do ar a seguir à explosão, exerce uma
pressão excessiva compreendida entre 20 a 200 psi (psi = libra-força por
polegada quadrada), provocando o esmagamento, o colapso e a explosão mesmo dos
edifícios mais sólidos em aço e cimento armado. A deslocação do ar, com ventos
de 800 km/h, transforma-os em projecteis mortíferos. A irradiação térmica da
esfera de fogo (esfera de gás incandescente produzida pela explosão nuclear),
na ordem de mais de 27 milhões de graus Fahrenheit – cujo brilho a mais de 100
km de distância é 30 vezes mais intenso do que o Sol tropical ao meio dia –
vaporiza as pessoas e as coisas na zona do hipocentro, derrete na área
circundante o aço e o vidro, faz explodir o cimento. Todas as pessoas dentro
deste anel, morrem quase instantaneamente: vaporizadas, esmagadas,
carbonizadas. Dada a ausência de sobreviventes, não há problemas médicos.
No segundo anel, compreendido
entre 2,8 e 4,2 km do ground zero, picos de pressão excessiva de 10
a 20 psi e ventos de 450-550 km/h, suficientes para lançar com força um homem
de oitenta quilos a 100 metros de distância, provocam a morte a 50% dos
habitantes por lesões de choque: caixas toráxicas esmagadas, fracturas do
crânio, feridas penetrantes do tórax e do abdomen, lesões dos pulmões e de
outros orgãos internos, lesões da medula espinal, lacerações múltiplas e
hemorragias internas. Todas as pessoas expostas sofrem queimaduras de terceiro
grau, a menos que se tenham refugiado num edifício que permaneça suficientemente
inteiro (a irradiação térmica antecede a onda de choque). O calor faz evaporar
os caixilhos de alumínio e incendiar as roupas.
No terceiro anel, compreendido
entre 4,2 e 7 km do ground zero, pressões excessivas de 5 psi,
suficientes para exercer uma pressão de 180 toneladas contra uma parede de um
edifício de dois andares e ventos de 280 km/h danificam gravemente mesmo os
edifícios mais sólidos. Fragmentos de cimento, aço, vidro viajam a velocidades
letais. O calor, cerca de 40 calorias por centímetro quadrado, derrete o
asfalto das estradas, incendeia a madeira e os tecidos no interior das
habitações. Predominam ainda as lesões produzidas pela onda de choque. Ao mesmo
tempo, todas as pessoas ao ar livre, sofrem queimaduras de terceiro grau. A
maior parte das pessoas expostas indirectamente à esfera de fogo, ficam
temporariamente cegas pelo brilho: muitas referem queimaduras da retina com
cegueira parcial ou total, muitas ficam surdas pela ruptura dos tímpanos.
No quarto anel, compreendido entre
7 e 7,8 km do ground zero, pressões excessivas de 4 psi e ventos de
250 km/h – uma força maior do que a de um furacão - destroem as casas de
tijolos, mas deixam de pé os edifícios mais sólidos, os quais, no entanto,
alimentam os incêndios provocados pela irradiação térmica (25 calorias por cm2,
suficientes para incendiar tecidos e provocar queimaduras de terceiro grau
sobre a pele desprotegida), e a detonaçãode tubos de gás, gasolina e gasóleo.
No quinto anel, compreendido
entre 7,8 e 10 km do ground zero, pressões excessivas de 3 psi e
ventos de 160 km/h são ainda bastante fortes para empurrar as pessoas para fora
dos edifícios. O calor é ainda suficientemente forte para provocar queimaduras
de terceiro grau em 80% das pessoas que não estão resguardadas e de incendiar
erva e folhas secas, jornais e vestuário de nylon. A percentagem de mortos,
nesta área, reduz-se a cerca de 5%, mas a dos feridos graves permanece alta:
cerca de 45%. Como no quarto anel, também neste desenvolvem-se incêndios
violentos.
No sexto anel, compreendido
ente 10 a 13, 6 km do ground zero, pressões excessivas de 2 psi e
ventos de 100-130 km/h são ainda bastante fortes para partir os vidros das
janelas e transformar os detritos mais pequenos em projecteis letais, derrubar
cerca de 30 % das árvores e de postes de iluminação, danificar as casas de
tijolos. O calor, de 5-7 calorias por centímetro quadrado, provoca queimaduras
de terceiro grau a uma pessoa em cada cinco, que estejam ao ar livre e
queimaduras de segundo grau em 70% da população dessa área.
Os efeitos destruidores da
irradiação térmica e da onda de choque de uma bomba nuclear de 1 megaton
estendem-se, em seguida, circularmente até cerca de 14 km do ground
zero. Se a bomba que explodir for um engenho de 2 megaton, a área de destruição
e mortalidade total estende-se num raio de 4,8 km em volta da ground
zero e é aquela em que se relatam queimaduras de terceiro grau na
epiderme exposta, até um raio de 17 km. Se explodir uma bomba de 20 megaton, a
área de destruição e mortalidade estende-se num raio de cerca de 14 km do ground
zero e os efeitos destruidores vão até um raio de 60 km. Engenhos
ainda mais potentes provocam, proporcionalmente, destruições num raio ainda
maior.
Mas não é suficiente. Se, como
é muito provável, numa grande cidade atingida por uma explosão nuclear, se cria
uma «tempestade de fogo» - um incêndio enorme, intenso mas estacionário, que
envolve temperaturas superiores a 800º C, absorvendo o ar frio e criando ventos
de 300 km/h – a área letal aumenta 50 vezes e o número de queimados aumenta
enormemente.
Aos efeitos da irradiação
térmica e da onda de choque juntam-se os das radiações. Não é em tal alto grau
que a irradiação nuclear inicial – um intenso fluxo de neutrões e raios gama –
aumenta o número das vítimas, na medida em que as pessoas expostas são mortas
pela irradiação térmica e pela onda de choque antes da irradiação nuclear
instantânea.
Só no caso de explosão de um
engenho de radiação intensificada (a bomba de neutrões), a área da irradiação
letal de neutrões e raios gama é mais alargada do que a da irradiação térmica e
da onda de choque.
1.3 Os efeitos da
chuva radioactiva
O maior número de vítimas é provocado pelo fallout, ou
seja, a recaída ou chuva radioactiva. Cerca de metade dos materiais radioactivos
produzidos pela explosão nuclear, voltam a cair no solo dentro de vinte e
quatro horas: a outra metade, constituída por partículas mais leves, espalha-se
na atmosfera. Depois da explosão no solo de uma bomba de 1 megaton, as pessoas
que permanecem ao ar livre ficam expostas a doses mortais de radiações –
radiações gama externas, produzidas por materiais radioactivos e radiações beta
pelo contacto do fallout sobre a pele – numa área de cerca de 2.000 quilómetros
quadrados e a doses perigosas numa área de 10.000 km2.
Um número crescente de pessoas, que permanecem
aparentemente ilesas, começam a apresentar sintomas indicadores do síndroma da
radiação. No caso de síndromas que afectam o sistema nervoso central, causada
por forte radiação, a vítima é afectada por enxaqueca, seguida rapidamente por
um estado de sonolência, profunda letargia e apatia, um tremor generalizado e
perda de coordenação muscular, entra num estado de coma, acompanhado de
convulsões e a morte ocorre dentro de 48 horas.Não existindo nenhum tratamento
possível, o resultado é fatal.
No caso de síndroma gastrointestinal, provocado por
irradiação aguda, a vítima é atingida por náuseas, vómitos, diarreia
hemorrágica, acompanhada de um estado grave de desidratação e febre alta.
No espaço de uma ou duas semanas verifica-se a morte por enterite, septicemia,
toxemia ou desequilíbrio dos líquidos orgânicos.
Um síndroma hematopoiético, devido a doses menores,
provoca na vítima, uma fase inicial de náusea e vómito, que se prolonga por 24
horas, à qual se segue uma semana de incubação em que o indivíduo parece
normal. Neste ponto inicia-se um estado de mal-estar difuso, acompanhado de
febre e de forte diminuição dos glóbulos brancos em circulação. Petéquias e
hemorragias das gengivas não tardam a manifestar-se, enquanto cai o número das
plaquetas sanguíneas e se determina um estado de anemia devido a insuficiência
medular e hemorragias. Dependendo do grau de exposição e da extensão das lesões
da medula óssea, a pessoa pode restabelecer-se em algumas semanas ou alguns
meses, ou caso contrário, morrer por hemorragia ou septicemia, devido à
supressão das defesas imunitárias.
O destino daqueles que, encontrando-se no raio de
destruição da bomba nuclear, tiveram a má sorte de não morrer imediatamente,
descrevem-no os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki por tê-lo visto com
os seus próprios olhos. Michito Ichimaru - um estudante
de Medicina que, no momento da explosão da bomba sobre Nagasaki, se encontra a
dois quilómetros e meio do hipocentro, não tendo podido ir para a aula devido
ao descarrilamento de um eléctrico – conta «À 11 da manhã, enquanto estava no
quarto com um companheiro de estudos, senti o ruído de um B-29 que passava sobre
as nossas cabeças. Pouco depois, o ar acendeu-se com uma luz amarela brilhante
e sentimos um enorme golpe de vento. Aterrorizados, precipitámo-nos para
nos escondermos no gabinete. Mais tarde,
quando me recuperei, vi que no tecto se tinha produzido um buraco, todos os
vidros se tinham quebrado e uma lasca tinha-me feito uma ferida no ombro, que
sangrava. Ao sair, vi que o céu de azul se tinha tornado negro e tinha começado
a cair uma chuva negra. Pouco depois, tentei chegar à minha Escola de Medicina,
em Urakami, mas não consegui por causa dos incêndios que surgiam por toda a
parte. Encontrei muitas pessoas que regressavam de lá. Tinham as roupas
rasgadas e farrapos de pele que pendiam do corpo. Vagueavam como fantasmas.
«No dia seguinte consegui
alcançar Urakami. Restavam, unicamente, as estruturas em cimento e ferro.
Avizinhando-me da escola, vi cadáveres negros e carbonizados, que mostravam o
branco dos ossos. Dentro do edifício escolar destruído, encontrei alguns dos
meus companheiros ainda com vida, mas incapazes de se moverem. Mesmo os mais
fortes estavam caídos por terra.Falei com eles e disseram-me que iriam
recuperar, mas, na realidade, todos morreram dentro de poucas semanas. Nunca
mais posso esquecer o olhar daqueles olhos nem o som daquelas vozes. Subi a
pequena colina atrás da escola. As árvores tinham perdido a folhagem, a colina
verde tinha-se tornado castanha. Encontrei muitos estudantes, médicos e
enfermeiras e alguns pacientes fugidos do hospital. Estavam muito fracos e
sedentos, gritavam: «Dá-me, água, água, suplico-te». Tinham as roupas em
farrapos, sujas e ensanguentadas. O seu estado era gravíssimo. Levei amigos
pela colina abaixo, carregando-os nos meus ombros. Servindo-me de um carrinho
puxado por uma bicicleta, levei-os para casa.Morreram todos dentro de poucos
dias. Alguns amigos morreram com febre elevada, em delírio. Outros
lamentavam-se de um mal estar geral, e tinham diarreia com sangue. Em todas as
escolas públicas que visitei, encontrei muitos sobreviventes levados para lá, por
pessoas com saúde. É impossível descrever o horror daquela cena. Recordo-me das
vozes que gritavam de dor e e um fedor terrível. Eu lembro-me disto como sendo
o inferno. Também todas estas pessoas morreram em poucas semanas.»
O testemunho deste estudante
de Medicina indica o que mais tarde será cientificamente verificado. A International
Physicians for the Prevention for Nuclear War ( A Associação
Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear) – fundada em 1980
pelo americano, Bernard Lown e pelo soviético, Evgueni Chazov e premiada, em
1985, com o Prémio Nobel da Paz, pela sua «informação credível» sobre as
consequências da guerra nuclear – demonstra que, depois de um bombardeamento
nuclear, a assistência médica às vítimas das radiações consiste, unicamente, em
aliviar o seu sofrimento enquanto estão a morrer, a prestar-lhes «a
última ajuda».
Com efeito, depois de um
bombardeamento nuclear, seria muito difícil, se não impossível, assistir os
feridos graves e os moribundos. Médicos e enfermeiros, que restassem na zona,
apesar de saberem o perigo mortal das radiações, deveriam trabalhar na condição
caótica de uma cidade destruída e em chamas, com os poucos medicamentos que
restassem, privados de energia eléctrica e de telecomunicações. O impulso
electromagnético, produzido pela explosão nuclear, de facto, colocaria fora de
uso todos os aparelhos eléctricos e electrónicos não protegidos. Num ataque em
grande escala, bastaria uma explosão nuclear a uma altitude de 100 km para
colocar fora de uso esses aparelhos, num raio de 1.000 km.
Em 1945, o jovem Michito
Ichimaru, enquanto assiste impotente, à morte dos amigos pelo efeito da «chuva
negra» radioactiva, não pode saber que tantas outras pessoas morreram
sucessivamente, também em zonas longínquas, sempre por causa do bombardeamento
nuclear de Hiroshima e Nagasaki. As partículas radioactivas, que a explosão de
uma bomba nuclear dispersa na estratosfera, tornam a cair no solo depois de
algumas semanas, depositando-se num círculo amplo em volta da Terra, à mesma
latitude da explosão. A percentagem de radioactividade desta recaída intermédia
aumenta, se o engenho nuclear é de potência menor, pois que grande parte
das partículas radioactivas produzidas pela explosão fica na troposfera, mais
sujeita a turbulência e, depois de ter dado várias voltas em torno da Terra,
torna a cair no solo. Depois de alguns meses ou anos, também as outras
partículas radioactivas tornam a cair sobre toda a Terra.
Calcula-se que numa
cidade de um milhão de habitantes – onde todos, no momento da explosão, se
encontrassem dentro dos edifícios com um factor de protecção igual a 5 (ou
seja, capaz de reduzir a um quinto, a dose de radiações que receberiam se
estivessem no exterior) – a recaída local de uma explosão nuclear de 1 megaton
a nível do solo provocaria cerca de 230.000 vítimas, 85.000 das quais morreriam
no decurso dos primeiros meses. Com um factor de protecção igual a 1,5 - as
vítimas da radiação intensa seriam 510.000, 190.000 das quais morreriam nos
primeiros meses; como consequência a longo prazo, 30.000 pessoas morreriam de
tumores malignos provocados pelas radiações, e outras 9.000 poderiam transmitir
danos genéticos aos seus próprios descendentes.
Ainda mais amplos seriam os
efeitos do bombardeamento nuclear de uma central nuclear, que aumentaria
enormemente a quantidade de radionuclídeos de longo prazo. Se um reactor fosse
atingido por uma bomba nuclear, a sua radioactividade espalhar-se-ia juntamente
com a da bomba. Dado que ela contém uma quantidade relativamente pequena de
compostos radioactivos de curto prazo, a sua destruição não contribuiria
sensivelmente para o aumento da radioactividade do ambiente, na primeira
semana. Os efeitos mais graves seriam a longo prazo, enquanto a destruição do
reactor provocaria a dispersão de quantidades de Estrôncio-90 e
Césio-137,
cuja radioactividade perdura por muito mais tempo e espalha-se por uma área
muito mais vasta.
A população das áreas
expostas à recaída intermédia seriam sujeitas a irradiação interna,
principalmente por causa do Iodo-131,
contido no leite dos animais que tivessem pastado em zonas contaminadas.
Atingiria principalmente as crianças e os fetos das mulheres grávidas, que
teriam a tiróide danificada. Radionuclídeos como o Estrôncio-90 e o Césio-137
exporiam os habitantes da zona contaminada ao perigo de radiações a longo
prazo.
1.4 O inverno nuclear
Durante mais de trinta anos
depois do bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki, cientistas de todo o
mundo concentraram os seus estudos sobre os efeitos de uma simples explosão
nuclear: irradiação térmica, onda de choque, queda radioactiva local,
intermédia e a longo prazo. Só no início dos anos oitenta, começaram a indagar
sobre as consequências de um uso em vasta
escala de armas nucleares. Os modelos científicos que elaboraram,
fornecem-nos – embora com diferenças notáveis uns dos outros, uma indicação
fundamental inequívoca. Uma guerra nuclear provocaria não só o que aconteceu em
Hiroshima e Nagasaki multiplicado por mil ou um milhão, mas algo ainda mais
grave: a desorganização dos equilíbrios climáticos e dos eco-sistemas.
Num conflito nuclear em
vasta escala, desenvolver-se-iam, ao mesmo tempo, em áreas urbanas e
florestais, milhares de incêndios violentos, cada um dos quais estendido até centenas
de quilómetros. Não tendo tido nunca, incêndios deste tipo e de tão
vastas proporções, é difícil estimar com exactidão, a quantidade de fumo que
seria emitida. De qualquer maneira, acredita-se que até a combustão de uma
pequena parte dos materiais inflamáveis provocaria consequências gravíssimas.
Bastaria a combustão de um
terço de mais de 10 biliões de toneladas de madeira e de papel – concentrados
nas áreas urbanas e industriais - da América do Norte, Europa e Rússia –
para produzir uma quantidade de fumo estimada, desde dezenas de toneladas e,
ulteriormente, mais centenas de milhões de toneladas, constituída por um quarto
ou um terço de carbono elementar amorfo.
A combustão dos materiais
inflamáveis concentrados nas áreas urbanas e industriais – madeira, papel,
petróleo, gasolina, querosene, gasóleo, produtos químicos, materiais plásticos,
fibras sintéticas, borracha, asfalto e outros – produziria centenas de milhões
de toneladas de fumo muito fuliginoso, constituído por mais de 50% de carbono
elementar amorfo.
Os incêndios de grandes
áreas florestais, na ordem de dezenas o centenas de milhares de km2,
adicionariam, em quantidade variável dependendo da estação e do tipo de
vegetação, outras dezenas de milhões de toneladas de fumo, o qual teria, em
relação ao produzido pelos incêndios urbanos, um coeficiente mais elevado de
absorção da radiação solar.
Esta enorme quantidade de
fumo fuliginoso – constituído de partículas com diâmetro de 01, a 1 micron,
formado de uma mistura de carbono elementar amorfo, hidrocarbonetos
condensados, detritos minúsculos e outras substâncias – seria transportado
rapidamente para a atmosfera, a uma altitude de 10-15 km, por violentas
correntes ascendentes geradas pelos incêndios. Se bem que uma parte caísse no
solo, depois de algum tempo, com as precipitações atmosféricas, uma outra
parte ficaria muito tempo suspensa na atmosfera, exercendo uma forte acção
absorvente da radiação solar.
No hemisfério Norte, no
período que vai da Primavera ao início do Outono, a temperatura média da
superfície poderia cair de 20ºC para -40ºC dentro de poucos dias, provocando
fortes perturbações. Nas latitudes médias, a temperatura média de verão à
superfície poderia cair a níveis outonais ou de princípio de inverno por
períodos de semanas ou mais. Nas zonas interiores dos continentes poderia
existir períodos caracterizados por temperaturas muito rígidas, de pleno
inverno. Fortes correntes de ar frio poderiam dirigir-se para o sul, para
regiões onde raramente ou nunca, há condições de gelo.
O manto de fumo poderia
permanecer na atmosfera durante um ou mais anos, e determinar à escala mundial,
um arrefecimento a longo prazo com a duração de anos, com um declínio de vários
graus das temperaturas médias, em particular depois dos oceanos terem
arrefecido significativamente. Em tais condições, poderia verificar-se uma
notável redução da precipitação.
Um outro fenómeno que se
produziria na estratosfera, poderia ter graves efeitos biológicos e ecológicos.
Os óxidos de azoto gerados pela explosão nuclear, atingindo a estratosfera,
catalisariam reacções químicas que, dentro de alguns meses, poderiam reduzir de
10 a 30% a camada de ozono. Como consequência, a radiação ultravioleta
biologicamente activa, logo que se reduzisse o manto de fumo, atingiria a
superfície terrestre com maior intensidade.
Outros efeitos resultariam
da emissão nas camadas baixas da atmosfera de grandes quantidades de monóxido
de carbono, óxido de azoto e de enxofre, ácido clorídrico e de outras
substâncias, produzidas pela combustão de milhares de toneladas de produtos de
celulose e combustíveis fósseis. Tais substâncias, algumas das quais muito
tóxicas, poderiam se nocivas, directa ou indirectamente, para muitas formas de
vida.
As consequências de todos
estes fenómenos seriam devastadoras. O declínio da radiação solar e da
temperatura teria um impacto imediato sobre a possibilidade de sobrevivência
dos sobreviventes, os quais, privados em grande parte, de abrigos adequados, de
combustíveis e de energia eléctrica, deveriam de enfrentar durante semanas ou
meses, temperaturas baixíssimas em condições de obscuridade e grandes tumultos
climáticos.
Efeitos a médio e longo
prazo, também irreversíveis, aconteceriam na vegetação, em particular na das
zonas tropicais e subtropicais, que pode existir apenas dentro de uma faixa
muito restrita de temperatura e iluminação. Ao mesmo tempo, o fitoplancton e o
zooplancton seriam destruídos, quer pela queda das radiações, quer pelo aumento
das radiações ultravioletas, produzindo efeitos chocantes em todo os
eco-sistemas marinhos.
A agricultura também seria
gravemente atingida. Ao verificar-se episódios, mesmo de breve duração, de
congelamento durante a estação de maturação, duração insuficiente da própria
estação de maturação, falta de temperatura para o crescimento trariam a perda
de colheitas completas. Tal possibilidade é demonstrada não só em experiências
de laboratório, mas também do estudo de grandes erupções vulcânicas.
A erupção do Tambora, na
Indonésia, em 1815, projectou na estratosfera 150 quilómetros cúbicos de
matéria pulverizada. No ano seguinte, em 1816, foi definido como «o ano sem
verão»: Na América do Norte e na Europa nevou em Junho e houve temperaturas
baixíssimas em Julho e Agosto; seguiu-se uma grande carestia, a qual,
provavelmente, favoreceu a epidemia de cólera que, surgiu em Bengala, chegou
primeiro ao Cáucaso e, em seguida, à Europa e à América.
De grande duração, pior
seria esta situação, se caísse sobre a Terra o «inverno nuclear».
Os aprovisionamentos de cereais,
seriam suficientes em teoria, para manter a vida dos sobreviventes durante
alguns anos, só nos maiores produtores, mas mesmo nesses países, em rapina
devido a convulsões sociais, seria praticamente impossível um funcionamento
regular dos sistemas de distribuição. No resto do mundo, compreendendo a
maioria dos países e das populações, as reservas alimentares durariam poucas
semanas ou poucos meses. Como consequência, se a produção alimentar fosse
interrompida durante uma ou mais estações e ao mesmo tempo fossem interrompidas
as importações, não haveria comida suficiente para manter os sobreviventes
vivos.
A desnutrição, as doenças
galopantes e o caos que dominaria em quase toda a parte, provocariam o declínio
global da espécie
humana.
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