RECORDANDO HIROSHIMA
De Hiroshima até hoje:Quem e como nos conduzem à catástrofe
1.3 OS EFEITOS DA CHUVA RADIOACTIVA
O maior
número de vítimas é provocado pelo fallout, ou seja, a recaída ou chuva
radioactiva. Cerca de metade dos materiais radioactivos produzidos pela
explosão nuclear, voltam a cair no solo dentro de vinte e quatro horas: a outra
metade, constituída por partículas mais leves, espalha-se na atmosfera. Depois
da explosão no solo de uma bomba de 1 megaton, as pessoas que permanecem ao ar
livre ficam expostas a doses mortais de radiações – radiações gama externas,
produzidas por materiais radioactivos e radiações beta pelo contacto do fallout
sobre a pele – numa área de cerca de 2.000 quilómetros quadrados e a doses
perigosas numa área de 10.000 km2.
Um número
crescente de pessoas, que permanecem aparentemente ilesas, começam a apresentar
sintomas indicadores do síndroma da radiação. No caso de síndromas que afectam
o sistema nervoso central, causada por forte radiação, a vítima é afectada por
enxaqueca, seguida rapidamente por um estado de sonolência, profunda letargia e
apatia, um tremor generalizado e perda de coordenação muscular, entra num
estado de coma, acompanhado de convulsões e a morte ocorre dentro de 48
horas.Não existindo nenhum tratamento possível, o resultado é fatal.
No caso
de síndroma gastrointestinal, provocado por irradiação aguda, a vítima é
atingida por náuseas, vómitos, diarreia hemorrágica, acompanhada de um estado
grave de desidratação e febre alta. No espaço de uma ou duas semanas
verifica-se a morte por enterite, septicemia, toxemia ou desequilíbrio dos
líquidos orgânicos.
Um
síndroma hematopoiético, devido a doses menores, provoca na vítima, uma fase
inicial de náusea e vómito, que se prolonga por 24 horas, à qual se segue uma
semana de incubação em que o indivíduo parece normal. Neste ponto inicia-se um
estado de mal-estar difuso, acompanhado de febre e de forte diminuição dos
glóbulos brancos em circulação. Petéquias e hemorragias das gengivas não tardam
a manifestar-se, enquanto cai o número das plaquetas sanguíneas e se determina
um estado de anemia devido a insuficiência medular e hemorragias. Dependendo do
grau de exposição e da extensão das lesões da medula óssea, a pessoa pode
restabelecer-se em algumas semanas ou alguns meses, ou caso contrário, morrer
por hemorragia ou septicemia, devido à supressão das defesas imunitárias.
O destino
daqueles que, encontrando-se no raio de destruição da bomba nuclear, tiveram a
má sorte de não morrer imediatamente, descrevem-no os sobreviventes de
Hiroshima e Nagasaki, por tê-lo visto com
os seus próprios olhos.
Michito Ichimaru - um estudante de
Medicina que, no momento da explosão da bomba sobre Nagasaki, se encontra a
dois quilómetros e meio do hipocentro, não tendo podido ir para a aula devido
ao descarrilamento de um eléctrico – conta:
«À 11 da manhã, enquanto estava no
quarto com um companheiro de estudos, senti o ruído de um B-29 que passava
sobre as nossas cabeças. Pouco depois, o ar acendeu-se com uma luz amarela
brilhante e sentimos um enorme golpe de vento. Aterrorizados, precipitámo-nos
para nos escondermos no gabinete. Mais tarde, quando me recuperei, vi que
no tecto se tinha produzido um buraco, todos os vidros se tinham quebrado e uma
lasca tinha-me feito uma ferida no ombro, que sangrava. Ao sair, vi que o céu
de azul se tinha tornado negro e tinha começado a cair uma chuva negra. Pouco
depois, tentei chegar à minha Escola de Medicina, em Urakami, mas não consegui
por causa dos incêndios que surgiam por toda a parte. Encontrei muitas pessoas
que regressavam de lá. Tinham as roupas rasgadas e farrapos de pele que pendiam
do corpo. Vagueavam como fantasmas.
«No dia
seguinte consegui alcançar Urakami. Restavam, unicamente, as estruturas em
cimento e ferro. Avizinhando-me da escola, vi cadáveres negros e carbonizados,
que mostravam o branco dos ossos. Dentro do edifício escolar destruído,
encontrei alguns dos meus companheiros ainda com vida, mas incapazes de se
moverem. Mesmo os mais fortes estavam caídos por terra.Falei com eles e
disseram-me que iriam recuperar, mas, na realidade, todos morreram dentro de
poucas semanas.
Nunca mais posso esquecer o olhar daqueles olhos nem o som
daquelas vozes.
Subi a pequena colina atrás da escola. As árvores tinham
perdido a folhagem, a colina verde tinha-se tornado castanha. Encontrei muitos
estudantes, médicos e enfermeiras e alguns pacientes fugidos do hospital.
Estavam muito fracos e sedentos, gritavam: «Dá-me, água, água, suplico-te».
Tinham as roupas em farrapos, sujas e ensanguentadas. O seu estado era
gravíssimo. Levei amigos pela colina abaixo, carregando-os nos meus ombros.
Servindo-me de um carrinho puxado por uma bicicleta, levei-os para
casa.Morreram todos dentro de poucos dias. Alguns amigos morreram com febre
elevada, em delírio. Outros lamentavam-se de um mal estar geral, e tinham
diarreia com sangue. Em todas as escolas públicas que visitei, encontrei muitos
sobreviventes levados para lá, por pessoas com saúde. É impossível descrever o
horror daquela cena. Recordo-me das vozes que gritavam de dor e e um fedor
terrível. Eu lembro-me disto como sendo o inferno. Também todas estas pessoas
morreram em poucas semanas.»
O
testemunho deste estudante de Medicina indica o que mais tarde será
cientificamente verificado. A International Physicians for the
Prevention for Nuclear War ( A Associação Internacional de Médicos
para a Prevenção da Guerra Nuclear) – fundada em 1980 pelo americano, Bernard
Lown e pelo soviético, Evgueni Chazov e premiada, em 1985, com o Prémio Nobel
da Paz, pela sua «informação credível» sobre as consequências da guerra nuclear
– demonstra que, depois de um bombardeamento nuclear, a assistência médica às
vítimas das radiações consiste, unicamente, em aliviar o seu sofrimento
enquanto estão a morrer, a prestar-lhes «a
última ajuda».
Com
efeito, depois de um bombardeamento nuclear, seria muito difícil, se não
impossível, assistir os feridos graves e os moribundos. Médicos e enfermeiros,
que restassem na zona, apesar de saberem o perigo mortal das radiações,
deveriam trabalhar na condição caótica de uma cidade destruída e em chamas, com
os poucos medicamentos que restassem, privados de energia eléctrica e de
telecomunicações. O impulso electromagnético, produzido pela explosão nuclear,
de facto, colocaria fora de uso todos os aparelhos eléctricos e electrónicos
não protegidos. Num ataque em grande escala, bastaria uma explosão nuclear a
uma altitude de 100 km para colocar fora de uso esses aparelhos, num raio de
1.000 km.
Em 1945,
o jovem Michito Ichimaru, enquanto assiste impotente, à morte dos amigos pelo
efeito da «chuva negra» radioactiva, não pode saber que tantas outras pessoas
morreram sucessivamente, também em zonas longínquas, sempre por causa do
bombardeamento nuclear de Hiroshima e Nagasaki. As partículas radioactivas, que
a explosão de uma bomba nuclear dispersa na estratosfera, tornam a cair no solo
depois de algumas semanas, depositando-se num círculo amplo em volta da Terra,
à mesma latitude da explosão. A percentagem de radioactividade desta recaída
intermédia aumenta, se o engenho nuclear é de potência menor, pois que
grande parte das partículas radioactivas produzidas pela explosão fica na
troposfera, mais sujeita a turbulência e, depois de ter dado várias voltas em
torno da Terra, torna a cair no solo. Depois de alguns meses ou anos, também
as outras partículas radioactivas tornam a cair sobre toda a Terra.
Calcula-se
que numa cidade de um milhão de habitantes – onde todos, no momento da
explosão, se encontrassem dentro dos edifícios com um factor de protecção igual
a 5 (ou seja, capaz de reduzir a um quinto, a dose de radiações que receberiam
se estivessem no exterior) – a recaída local de uma explosão nuclear de 1
megaton a nível do solo provocaria cerca de 230.000 vítimas, 85.000 das quais
morreriam no decurso dos primeiros meses. Com um factor de protecção igual a
1,5 - as vítimas da radiação intensa seriam 510.000, 190.000 das quais
morreriam nos primeiros meses; como consequência a longo prazo, 30.000 pessoas
morreriam de tumores malignos provocados pelas radiações, e outras 9.000 poderiam
transmitir danos genéticos aos seus próprios descendentes.
Ainda
mais amplos seriam os efeitos do bombardeamento nuclear de uma central nuclear,
que aumentaria enormemente a quantidade de radionuclídeos de longo prazo. Se um
reactor fosse atingido por uma bomba nuclear, a sua radioactividade
espalhar-se-ia juntamente com a da bomba. Dado que ela contém uma quantidade
relativamente pequena de compostos radioactivos de curto prazo, a sua
destruição não contribuiria sensivelmente para o aumento da radioactividade do
ambiente, na primeira semana. Os efeitos mais graves seriam a longo prazo,
enquanto a destruição do reactor provocaria a dispersão de quantidades de Estrôncio-90 e Césio-137,
cuja radioactividade perdura por muito mais tempo e espalha-se por uma área
muito mais vasta.
A
população das áreas expostas à recaída intermédia seriam sujeitas a irradiação
interna, principalmente por causa do Iodo-131,
contido no leite dos animais que tivessem pastado em zonas contaminadas.
Atingiria principalmente as crianças e os fetos das mulheres grávidas, que
teriam a tiróide danificada. Radionuclídeos como o Estrôncio-90 e o Césio-137
exporiam os habitantes da zona contaminada ao perigo de radiações a longo
prazo.
Tradução: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
No comments:
Post a Comment
Note: Only a member of this blog may post a comment.