ou
DOMÍNIO DA UNIVERSALIDADE
CAPÍTULO
OITO - Completo
O Dr.
Strangelove Vive!
Bem, rapazes, acho que é isso.
Combate nuclear, cara a cara, com os Rooskies.
-
Major T. J. 'King' Kong no filme de Stanley Kubrick, Dr. Strangelove (1964)
Bombas à distância…
Todo
o programa americano de defesa anti-mísseis e modernização do Primeiro Ataque
nuclear era de pôr os cabelos em pé, só como ideia. Sob a Administração Bush,
foi tornado operacional e posto em prática, recuando aos dias perigosos da
Guerra Fria, o tempo todo com frotas de bombardeiros B-52 com armas nucleares e submarinos
de mísseis nucleares Trident em alerta constante - um cenário de
horror nuclear.
Em
1964, o Director de cinema americano, Stanley Kubrick, fez história no cinema
com uma sátira política contundente, Dr.
Strangelove, ou Como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba. Strangelove
era a comédia negra desafiadora de
Kubrick, sobre o fim do mundo nuclear. Apresentava políticas da Guerra Fria que
culminavam num ataque nuclear acidental, inadvertido e preventivo, dos EUA à
União Soviética.
Um
filme de referência, uma sátira política sobre a guerra nuclear, dramatiza um
mundo em que a tecnologia resultou num erro e passou a dominar a Humanidade. No
filme, o personagem principal, Dr. Strangelove, é um cientista alemão
excêntrico e de cadeira de rodas, conselheiro presidencial que tem uma mão
mecânica incontrolável que, involuntariamente, faz saudações nazis e ameaça
assassinatos.
Na
cena final do Dr. Strangelove, é ouvida uma sirene ao fundo, a sinalizar que a
base está em alerta. O código especial é transmitido a uma frota de B-52 com
armas nucleares. O narrador faz uma declaração final sobre a prontidão do
Comando Aéreo Estratégico, mais tarde denominada “Operação Dropkick”:
Para evitar ataques nucleares surpresa, o
Comando Aéreo Estratégico dos EUA mantém uma grande força de bombardeiros B-52
no ar, 24 horas por dia. Cada B-52 pode fornecer uma carga de bombas nucleares
de 50 megatons, igual a 16 vezes a força explosiva total de todas as bombas e
projécteis usados por todos os exércitos da Segunda Guerra Mundial. Sediada nos
Estados Unidos, a força de alerta transportada pelo ar é enviada do Golfo Pérsico
ao Oceano Ártico, mas os bombardeiros têm um factor geográfico em comum - estão
a duas horas dos seus alvos na Rússia.
No
interior claustrofóbico de um dos bombardeiros B-52, no seu ponto à prova de
falhas - o ponto além do qual os pilotos devem ter ordens de acompanhamento
para prosseguir - uma tripulação idiota está envolvida em actividades mundanas.
A tripulação do avião é comandada pelo Major T. J. 'King' Kong, um cowboy do
Texas de mente simples, com sotaque serrado e maciço, que está a folhear uma
revista Playboy. Outro membro da tripulação diverte-se a praticar truques com um baralho de cartas. O operador de rádio
tenente B. "Goldie" Goldberg está a mastigar um pouco de comida
quando recebe uma transmissão de rádio em alta voz que aparece no mostrador. As letras
e os números são descodificados através do seu manual de Códigos Ultra Secretos de Comunicação
de Aeronaves como ‘Ala de Ataque Plano R.’ (1)
Irritado
ao ser informado sobre as ordens da ‘Ala
de Ataque Plano R.’ (R para Romeo), o Major Kong questiona se a tripulação está
a gracejar e desconsidera a ordem: “Quantas
vezes vos disse que não quero que se
divirtam de maneira estúpida por aí, no avião? ... Bem, já estive numa Feira
Mundial, num piquenique e num ‘rodeo’ e essa é a coisa mais estúpida que eu já
ouvi chegar através de auscultadores”. Kong insiste para que a mensagem e o
código sejam confirmados, murmurando consigo mesmo: “deve haver algo errado”. O
bombardeiro suspeita que a ordem ultra-secreta possa ser “algum tipo de teste
de lealdade”. Depois de Goldberg examinar o livro de códigos, descodificar a
mensagem e receber a confirmação legítima da base, Kong declara que eles
realmente receberam o Plano R:
Ainda ninguém recebeu o código 'Avancem'.
E o velho Ripper não nos daria o Plano R, a não ser que os russos já tivessem
invadido Washington e muitas outras cidades com um ataque furtivo.
A
música de fundo toca o tema ‘When Johnny Comes Marching Home’, acentuada com
tarola. O Major Kong veste o chapéu de ‘dez galões’ (chapéu de cowboy) e
anuncia solenemente à tripulação: “Bem, rapazes, acho que é isso. Combate
nuclear (pronunciado 'nookular'), frente a frente com os Rooskies. ” (2)
Os
paralelos entre a ficção idealizada por Kubrick, de conflagração nuclear por
erro de cálculo, cerca de 1964 e a realidade mais de quatro décadas depois -
incluindo um Presidente do Texas que gostava de imitar os cowboys, no seu
rancho Crawford e que insistia em pronunciar a palavra nuclear como 'nookular'
'- eram estranhos demais para perder. Infelizmente, a política nuclear de Washington,
em 2007, não era um filme de Hollywood. Era a realidade.
A
marcha em direcção a uma possível catástrofe nuclear, por intenção ou por erro
de cálculo, como consequência da política nova e ousada, de Washington, adquiriu
uma gravidade nova e significativa, em Junho de 2004. Algumas semanas antes, 49
generais e almirantes haviam tomado a decisão invulgar de escrever uma Carta
Aberta ao Presidente, a apelar para o adiamento da instalação do sistema de
defesa anti-mísseis.(3)
O Conplan 8022 de Rumsfeld
Em Junho de 2004, o Secretário
da Defesa Rumsfeld aprovou uma ordem extremamente secreta para as Forças
Armadas dos Estados Unidos concretizarem algo chamado Conplan 8022, 'que
fornece ao Presidente uma capacidade de ataque global imediata'. (3)
O
termo ‘Conplan’ era uma abreviatura do Pentágono para o Plano de Contingência.
Para que ‘contingências’ se estavam a preparar os planeadores do Pentágono? Um
ataque convencional preventivo contra a pequena Coreia do Norte ou até contra o
Irão? Ou um ataque nuclear preventivo de
força total à última e formidável potência nuclear que não está sob o controlo
do Domínio do Espectro Total dos EUA - a Rússia?
As
duas palavras ‘ataque global’ eram notáveis. Era o discurso do Pentágono para
um ataque militar preventivo específico dos EUA que, pela primeira vez, desde
os primeiros dias da Guerra Fria, incluía uma opção nuclear. Isto contrariava
directamente a noção militar americana tradicional de armas nucleares a ser
usadas apenas em defesa, para impedir o ataque.
O
Conplan 8022 era diferente dos planos tradicionais de guerra do Pentágono, que
tinham sido, essencialmente, respostas defensivas à invasão ou ataque.(4)
Assim
como a Doutrina Bush de 2002, que era agressiva e preventiva, o novo Conplan
8022 de Bush era ofensivo. Essa doutrina
podia ser desencadeada pela mera ‘percepção’ de uma ameaça iminente e executada
por ordem presidencial, sem consultar o Congresso ou obter a necessária
autorização constitucional. Os "freios e os contrapesos"
constitucionais que os Pais Fundadores dos EUA tiveram tanto cuidado em incorporar
à Constituição, tinham desaparecido. O Presidente, por si só, poderia detonar a
guerra nuclear, preventivamente. Dado o desprezo insensato de Bush e do Vice Presidente
Cheney pelo sistema constitucional de ‘freios e contrapesos’ entre os poderes
dos três ramos do governo - executivo, legislativo e judicial - a favor do que
a Administração Bush designou como ‘executivo unitário’,uma frase que exibia um
significado semelhante à infalibilidade papal para o Presidente, o Conplan 8022
era alarmante, para dizer o mínimo. (5)
Dado
os detalhes sobre 'percepções' falsas ou falsificadas no Pentágono, na CIA e no
Gabinete do Vice-Presidente sobre a ameaça de armas de destruição em massa do
Iraque em 2003, o novo Conplan 8022 sugeria que um Presidente dos EUA poderia
ordenar disparar mísseis contra toda e qualquer ameaça percebida ou mesmo uma
ameaça potencial não comprovada.
According
to the FAS, Conplan 8022-1 went into effect in 2004 (Source: FAS)
Em
resposta à ordem de Junho de 2004, de Rumsfeld, o General Richard Myers, então
Presidente do Estado Maior Conjunto, assinou a ordem para tornar o Conplan 8022
operacional. Bombardeiros seleccionados com capacidade nuclear, ICBMs, SSBNs e
unidades de ‘information warfare’/guerra de informação (sic) foram instalados
contra alvos de alto valor não identificados, nos países ‘adversários’. (6)
Seria
o Irão um país adversário, mesmo que
nunca tivesse atacado os Estados Unidos ou qualquer outro país? Ou a Coreia do
Norte apesar de, em cinco décadas, nunca ter lançado um ataque directo à Coreia
do Sul e muito menos qualquer outra nação? Ou seria a China um país ‘adversário’ porque
estava a tornar-se economicamente muito influente?
Seria agora
a Rússia um país adversário, porque
se recusava a recuar e aceitar ser transformada no que Brzezinski designou como
Estado ‘vassalo’ (7) do Império Americano?
Não
havia respostas claras, mas o mundo estava a começar a ficar um pouco
apreensivo com a manifesta deterioração dos fundamentos do poder americano, com
a sua estrutura judicial e com os seus
procedimentos de tomada de decisões, sem mencionar os seus motivos.
Como
não havia um debate aberto nos Estados Unidos sobre questões profundamente
importantes como o Conplan 8022, entre a população em geral, não havia
discussão de nenhuma dessas questões potencialmente ligadas ao assunto do
nuclear. A maioria dos americanos vivia num estado de felicidade ignorante,
preocupada com a angústia crescente de sobreviver, apenas, a um colapso económico.
O
que tornou a ordem Rumsfeld, de Junho de 2004, particularmente inquietante, foi
que o resto do mundo - incluindo, sem dúvida, a maioria dos americanos - realmente
esperava que as nuvens dos cogumelos nucleares se tornassem uma ameaça do
passado. Mas o Conplan 8022 continha um componente significativo de ataque
nuclear.
Era
verdade que o número total de armas nucleares armazenadas pelos EUA tinha
diminuído desde o final da Guerra Fria. Mas, ao que parece, não foi porque os
EUA estavam a desviar o mundo da proximidade da guerra nuclear por erro de cálculo.
Algumas mentes mais críticas começaram a indagar como é que as políticas dos
Estados Unidos da América, outrora o farol da liberdade, tinham ficado tão completamente
sob o controlo dos militares. A resposta a esta questão também tinha uma
história mais longa.
Notas
de rodapé:
1 Tim Dirks review of “Dr.
Strangelove: or, How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, in http://www.filmsite.org/drst.html.
O filme dobrado em Brasileiro
https://www.youtube.com/watch?v=PYUZBy0GsEQ
Esse
filme é um dos clássicos do cinema. Foi postado aqui com velocidade alterada
para fugir das penalidades de direitos autorais. Dica: coloquem velocidade 0.75
e qualidade 240. Ajuda um pouco para assistir.
5 During the Bush Presidency,
Cheney and his assistant, David Addington, promoted the bizarre and de facto
unconstitutional theory, the so-called unitary executive theory. As
award-winning journalist Robert Parry noted, the unitary executive idea of
Cheney, "asserts that all executive authority must be in the President’s
hands, without exception." President George W. Bush asserted from the
outset of his presidency that presidential power must be unilateral, and
unchecked. In an analysis of Bush’s invocation of a Unitary Executive, legal
writer Jennifer van Bergen noted, ‘the President does not have unlimited
executive authority, not even as Commander-in-Chief of the military. Our
government was purposely created with power split between three branches, not
concentrated in one…Separation of powers, then, is not simply a talisman: It is
the foundation of our system.’
Durante
a Presidência Bush, Cheney e o seu assistente, David Addington, promoveram a
teoria bizarra e, de facto, inconstitucional, a chamada teoria executiva
unitária. Como observou o jornalista premiado, Robert Parry, a ideia executiva
unitária de Cheney “afirma que toda a autoridade executiva deve estar nas mãos
do Presidente, sem excepçã”. O Presidente George W. Bush afirmou, desde o
início de sua presidência que o poder presidencial deve ser unilateral e não
controlado. Numa análise da invocação de Bush de um Executivo Unitário, a
escritora jurídica, Jennifer van Bergen, observou: “O Presidente não tem
autoridade executiva ilimitada, nem mesmo como Comandante Chefe das Forças
Armadas. O nosso governo foi criado propositadamente com o poder dividido em
três ramos e não concentrado num único. Então, a separação de poderes, então,
não é apenas um talismã: é a base do nosso sistema”.
6 William Arkin, Op. Cit.
A Seguir:
O Lobby Permanente do Estado de Guerra
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
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