04.12.2019
por Plataforma
9
Os
governos do Reino Unido e dos EUA estão usando o tratamento horrendo de whistleblowers como
Chelsea Manning e editores como Julian Assange, como exemplo. O tratamento de
Julian Assange é um dos casos mais extremos disso. Independentemente de suas
opiniões pessoais sobre as decisões dele como editor, é preciso entender que
esse caso é simbólico de até que ponto o Estado irá para esmagar a dissidência.
A saúde e o bem-estar do fundador do WikiLeaks estão sendo destruídos,
descaradamente e à vista do público, por ousar revelar a verdade sobre o
governo dos EUA e seus inúmeros crimes de guerra no Iraque, Afeganistão e em todo
o mundo. É responsabilidade de jornalistas, e das pessoas que se preocupam com
a verdade e que expõem os abusos do poder estatal e corporativo, defender
Assange e qualquer pessoa que coloque suas vidas e liberdade em risco. Se já
houve um tempo para falar a verdade ao poder, é agora.
Sem whistleblowers e
jornalismo investigativo, governos são livres para abusar de seu poder e manter
a população no escuro sobre as atrocidades que cometem, não apenas aos outros,
mas também às pessoas que supostamente representam. Estamos testemunhando as
duras consequências de desafiar o poder do Estado com o editor do
WikiLeaks, Julian
Assange, enfrentando uma audiência de extradição em fevereiro, e whistleblowers como
Chelsea Manning cumprindo pena por repetidamente se recusar a testemunhar
perante um grande júri contra Assange. Se houvesse alguma ilusão sobre qual é o
preço de responsabilizar os sistemas de poder por seus crimes, esses dois casos
em particular deveriam dissipar essas noções indefinidamente.
Na
transcrição da minha entrevista com o dissidente político de renome mundial
Noam Chomsky, apresentada abaixo, examinamos o estado atual e a trajetória do
império Estadunidense dentro do escopo da história recente. Destacamos o
suposto "recuo" da presença militar dos EUA no nordeste da Síria como
uma indicação de qual é a influência geopolítica dos EUA na região atualmente.
A partir daí, falamos da responsabilidade que os jornalistas têm, especialmente
neste momento de ataques cada vez mais hostis do governo Trump contra whistleblowers,
jornalistas e editores, de falar a verdade ao poder.
Para
examinar esse último ponto, focamos a situação atual de Julian Assange, detido
na prisão de alta segurança de Belmarsh, em Londres. Ele aguarda uma audiência
de extradição marcada para fevereiro, depois que seu asilo na Embaixada do
Equador em Londres foi revogado e ter sido entregue às autoridades britânicas
em abril. "Assange basicamente está sendo assassinado pelo governo
britânico", afirma o professor Chomsky, pois a saúde de Assange continua a
deteriorar rapidamente desde o tempo que passou na embaixada do Equador e, mais
recentemente, por seu tratamento sob as autoridades britânicas na prisão de
Belmarsh.
O
editor do WikiLeaks enfrenta 18 acusações, incluindo conspiração para invadir
computadores do governo e violação da lei de espionagem, com a possibilidade de
ser extraditado para os Estados Unidos, " onde ele será julgado por crimes
que, mesmo teoricamente, podem levar à sentença de morte, que ele já está
praticamente sofrendo agora". Chomsky compara esse ataque às liberdades de
imprensa e whistleblowers ao Red Scare (Ameaça vermelha nos
Estados Unidos) pós-Primeira Guerra Mundial, no qual houve um ataque massivo
aos direitos humanos, deportações em massa, e mídia independente e dissidente
foi efetivamente esmagada.
Os
governos do Reino Unido e dos EUA estão usando o tratamento horrendo de whistleblowers como
Chelsea Manning e editores como Julian Assange, como exemplo. O tratamento de
Julian Assange é um dos casos mais extremos disso. Independentemente de suas
opiniões pessoais sobre as decisões dele como editor, é preciso entender que
esse caso é simbólico de até que ponto o Estado irá para esmagar a dissidência.
A saúde e o bem-estar do fundador do WikiLeaks estão sendo destruídos,
descaradamente e à vista do público, por ousar revelar a verdade sobre o
governo dos EUA e seus inúmeros crimes de guerra no Iraque, Afeganistão e em
todo o mundo. É responsabilidade de jornalistas, e das pessoas que se preocupam
com a verdade e que expõem os abusos do poder estatal e corporativo, defender
Assange e qualquer pessoa que coloque suas vidas e liberdade em risco. Se já
houve um tempo para falar a verdade ao poder, é agora.
Patrick
Farnsworth: A primeira coisa que eu queria discutir [é qual é] o
seu senso geral do que está acontecendo geopoliticamente com os Estados Unidos.
A pergunta muito geral que eu faria imediatamente é: você tem a sensação de que
os Estados Unidos, como um império global e uma força geopolítica no mundo,
estão se expandindo, são uma entidade estável ou estão em declínio? Qual é o
seu senso geral com base nas tendências do que está acontecendo nesse reino?
Noam
Chomsky: Bem, se olharmos a longo prazo, os Estados Unidos
estão em declínio desde 1945. Os EUA atingiram o pico de seu poder em 1945, no
final da Segunda Guerra Mundial. De fato, [é] um nível de poder que nunca
existiu na história mundial, o controle dos Estados Unidos. Era de longe o país
mais rico do mundo [e] ganhara enormemente com a guerra. A produção industrial
quadruplicou. Os Estados Unidos estavam, é claro, intocados pela guerra. Seus
rivais foram seriamente prejudicados ou destruídos. Possuíam provavelmente 40 a
50% da riqueza mundial. As estatísticas não eram muito boas naquela época, mas
algo mais ou menos assim. A segurança era incomparável. [Os EUA] controlavam o
hemisfério ocidental, controlavam os dois oceanos, controlavam os lados opostos
de ambos os oceanos. Era incomparável, mas começou a declinar imediatamente. O
primeiro passo foi em 1949, quando a China se tornou independente. Nos Estados
Unidos, isso se chama a "perda da China", o que é uma expressão
bastante reveladora. Sabia-se que possuíamos o mundo e a perda da China foi um
evento terrível.
Na
década de 1970, a economia mundial era praticamente tripolar na América do
Norte Estadunidense, na Europa e na Alemanha, e naquele tempo no nordeste da
Ásia, Japão (já a região mais dinâmica, sem deixar de lado a China e os Tigres
Asiáticos). A participação dos EUA na renda global caiu para talvez 25%, o que
ainda é enorme, mas não como em 1945. Se prosseguirmos, temos praticamente as
mesmas tendências. Quero dizer, militarmente, é claro, os EUA são totalmente incomparáveis.
Nenhum outro país tem 800 bases militares em todo o mundo, ninguém tem nem uma
dúzia. Se você olhar para o poder global, os EUA são incomparáveis. Você pode
ver isso claramente no uso de sanções. Nenhum outro país pode impor sanções. Os
EUA podem impor sanções onde quiserem e forçam outros países a aderirem a eles,
porque os EUA controlam o sistema financeiro global.
Há
outra mudança que ocorreu durante o processo de globalização neoliberal. A
renda nacional, que é geralmente medida, não significa tanto quanto costumava.
Uma medida diferente que pode ser mais esclarecedora sobre o poder global é a
quantidade de riqueza global de propriedade de multinacionais de base
doméstica. E se você olhar para esses números, é surpreendente. As multinacionais
com sede nos EUA controlam cerca de metade de toda a riqueza do mundo, e agora
as estatísticas são boas. Eles são os primeiros em praticamente todas as
categorias. Isso está mudando um pouco sob a bola de demolição de Trump. Não
sabemos exatamente como isso vai funcionar, mas é basicamente o mesmo. Então,
sim, os EUA ainda são o poder global dominante, mas têm limites que não tinham
no passado.
Patrick
Farnsworth: Ok, e isso é algo que eu queria discutir. Os Estados
Unidos se retiraram - bem, não devo dizer que saíram da Síria, mas retirou o
apoio dos curdos, do povo do norte da Síria, o que é uma medida bastante
controversa. Houve forte reação ou resistência a essa decisão. Eu queria
entender se outras potências mundiais estão chegando e cumprindo o papel que os
Estados Unidos desempenharam particularmente na Síria, e talvez em outras
regiões do mundo também, o que pode ser uma indicação da falta de controle que
forças militares dos EUA. possam ter tido nessas regiões. Então, talvez usando
a Síria como um exemplo específico, o que você acha disso?
Noam
Chomsky: Bem, primeiro, a repentina retirada de Trump de um
pequeno contingente Estadunidense
nas áreas dominadas pelos curdos, e seu convite à Turquia para expandir suas
agressões e atrocidades contra os curdos, foi uma traição grotesca, e não a
primeira. Há uma longa história disso. Agora, os curdos na Síria são
basicamente entregues aos seus principais inimigos, a Turquia e a Síria de
Assad. Os russos intervieram e estão no controle. [Trump] basicamente convidou
a Rússia a intervir, para ser o poder moderado que tentou acalmar as coisas e,
até certo ponto, eles estão fazendo isso. Os Estados Unidos não deixaram o
nordeste da Síria, apenas transferiram tropas para as regiões produtoras de
petróleo. O número de tropas é aproximadamente o mesmo. Outras tropas foram
para o Iraque do outro lado da fronteira, e o governo iraquiano não as queria
lá.
Se
você olhar alguns anos atrás, por volta de 2011 e 2012, os Estados Unidos e
outras potências ocidentais presumiram que seria possível derrubar o regime de
Assad, e não apenas eles, mas também os estados do Golfo - e todos estavam
intervindo, apoiando seus aliados locais, despejando armas em um esforço para
derrubar o regime de Assad. A CIA enviou armas avançadas para os grupos que
estavam apoiando, armas antitanque, e isso conseguiu deter as forças de Assad.
Mas, de maneira bastante previsível, trouxe os russos. Em 2015, os russos
intervieram e neutralizaram as armas dos EUA. Os EUA / [estados do] Golfo
apoiavam, até então, principalmente elementos baseados em jihadistas. E a
Rússia - os EUA não iriam combater a Rússia, poderia levar a uma guerra
nuclear. Então, eles meio que recuaram e Assad lentamente, com ajuda russa e
iraniana, conquistou a maior parte do país. Existem algumas partes que ainda não
estão sob o controle de Assad. E eles deixam a maioria dos problemas, a maioria
do ISIS e outros grupos jihadistas localizados no nordeste da Síria, que está
sob controle curdo - que provavelmente agora seriam abandonados por alguma
combinação de Assad e Turquia, com a Rússia sendo [outra] força externa.
Ainda
há mais tropas americanas no sul, mas, na verdade, Trump autorizou a Turquia, a
Rússia e o Irã a expandir sua influência. Isso foi fortemente contestado pelos
centros militares e diplomáticos dos EUA, não por boas razões, na minha
opinião. Mas, de qualquer maneira, os que estão sob o presidente Trump
obviamente continuarão mudando os termos.
Mas,
em geral, os EUA estão muito longe de retirar tropas da região. De fato,
enquanto tudo isso está acontecendo, Trump enviou milhares de tropas adicionais
à Arábia Saudita para apoiar sua guerra assassina no Iêmen. Portanto, está
muito longe de uma retirada do Oriente Médio. Existe uma espécie de estratégia
geoestratégica em segundo plano: construir uma aliança dos estados mais
reacionários da região - as ditaduras do Golfo, o Egito de Sisi - uma ditadura
brutal. Israel, que se moveu muito para a direita - sua aliança com os estados
do Golfo se tornou mais evidente nos últimos dois anos, especialmente sob
Trump. E para vincular essa aliança a outras forças reacionárias, Modi na
Índia, algumas das chamadas democracias iliberais na Europa, na Hungria de
Orban ou na Itália de Salvini e assim por diante. Aliás, isso é descrito de
maneira bastante aberta e franca por Steve Bannon, que está em segundo plano
como consultor. Mas é isso que vem tomando forma como uma espécie de base para
o poder dos EUA na região, com muitas incertezas sobre como ele se
desenvolverá. Mas o ponto geral é que os EUA não estão se retirando do que
Trump chama de guerras sem fim. Ainda estão profundamente envolvidos nelas.
Patrick
Farnsworth: A próxima coisa que gostaria de discutir é o estado
do jornalismo e, em particular, whistleblowing neste período. Quero apontar
para Julian Assange, pelo menos a princípio, e ouvir seus pensamentos sobre o
que está acontecendo com ele atualmente. Ele está na prisão de Belmarsh, em
Londres. Está lá desde abril, desde que foi removido à força da Embaixada do
Equador e do asilo que ele tinha lá. Recentemente, houve um relatório [de uma
recente aparição no tribunal]. O relatório diz que ele estava à beira das
lágrimas, que não conseguia pensar direito, que não conseguia entender os
procedimentos do tribunal. Ele teve dificuldade em lembrar, eu acho, o próprio
nome, a data até. O que você acha deste caso, e não apenas de Assange, mas
também como a mídia dos EUA em particular cobriu o que está acontecendo com
Assange, WikiLeaks e whistleblowing em geral?
Noam
Chomsky: [É] a mídia dos EUA e a mídia britânica também.
Assange basicamente está sendo assassinado pelo governo britânico. Ser
seqüestrado na Embaixada do Equador já era bastante ruim. A embaixada (aliás,
eu o visitei lá) é como um pequeno apartamento. Ele estava basicamente preso em
um ou dois quartos. De muitas maneiras, é pior do que estar na prisão, pelo
menos os presos podem entrar no quintal e ver o sol. Ele não pôde sair. Era
claramente psicologicamente muito difícil, seria para qualquer um. Agora que o
governo de direita no Equador o expulsou, ele foi tomado pelos britânicos. Ele
está em uma prisão de alta segurança sob condições muito adversas. Tudo isso
pelo crime de pular a fiança. Normalmente você recebe uma multa por isso. E o
tratamento dele, as pessoas que o viram naquela cena da corte que você
mencionou dizem que a saúde dele está se deteriorando bastante. Ele está sendo
tratado de uma maneira que basicamente o está destruindo.
Há
uma audiência de extradição chegando. Como vai acabar, não sabemos. Os
britânicos provavelmente o extraditarão para os Estados Unidos, onde ele será
julgado por crimes que, mesmo teoricamente, podem levar à sentença de morte,
que ele já está praticamente sofrendo agora. E quanto à mídia, eles estão
simplesmente apoiando isso, ou mesmo não relatando, ou dizendo: "sim, é a
coisa certa, porque ele é um criminoso hediondo que revelou ao mundo as coisas
que o governo dos EUA não quer que as populações saibam." Enquanto isso, a
mesma mídia explora avidamente as revelações que saem do WikiLeaks. Então, isso
é basicamente o que tenho a dizer sobre Assange.
Patrick
Farnsworth: Existe algum precedente legal para isso? Eu sinto
que o que está acontecendo é extralegal, como em, o que eles estão fazendo
parece estar fora dos limites das leis internacionais. Isso é verdade ou isso é
algo que pode ser visto como um precedente? Existe algo que podemos considerar
no passado como um exemplo do que eles estão fazendo hoje?
Noam
Chomsky: Provavelmente não é tecnicamente - quero dizer, o
relator da ONU descreveu isso como uma violação de convenções sobre tortura e
tratamento de prisioneiros. Mas, se isso viola leis internacionais, você pode
debater. No entanto, falar sobre lei internacional é bastante difícil. Quero
dizer, existem violações graves da lei internacional que ninguém menciona.
Portanto, neste século, a violação mais extrema da lei internacional foi a invasão
do Iraque pelos EUA / Reino Unido. Esse é um exemplo de agressão sem pretexto
credível. É o que o Tribunal Internacional de Nuremberg (e, em geral), a Lei
Internacional considera como o crime internacional supremo, diferindo de outros
crimes de guerra, pois abrange a totalidade do que acontece então e depois.
[Isso] inclui a criação do colapso do Iraque, o assassinato de centenas de
milhares de pessoas, [gerando] milhões de refugiados, o incitamento de
conflitos étnicos, que estão destruindo toda a região, levando ao nascimento do
ISIS e assim por diante. Isso é um crime internacional extraordinário, alguém
disse alguma coisa sobre isso?
Patrick
Farnsworth: É, não.
Noam
Chomsky: A lei internacional é para os fracos.
Patrick
Farnsworth: Ok, isso nos leva de volta à ameaça - quais são as
implicações desse processo judicial, dessa audiência de extradição para
Assange? Na sua opinião, quais são as implicações a longo prazo disso, tanto
quanto nossa capacidade de ter whistleblowers e o tipo de informação que
jornalistas são capazes de usar em geral? Quer você ame ou odeie Assange como
pessoa e o que ele pode pessoalmente ter feito como editor dessas informações,
o verdadeiro medo é que [este caso] tenha um impacto real na liberdade de
imprensa. Você tem esse senso ou isso já se foi há muito tempo? Estamos muito além
desse ponto?
Noam
Chomsky: Receio que seja outro caso, e um caso extremo, do
uso do poder estatal. Os EUA estão em segundo plano, mas a Grã-Bretanha é o
país que está implementando o uso do poder do Estado para impedir, punir, a
divulgação ao público de informações que os sistemas de poder não querem que
eles tenham. Isso é basicamente o que significa.
Patrick
Farnsworth: Ok.
Noam
Chomsky: E sim, essa certamente é uma mensagem para
jornalistas de todos os lugares, não que seja nova. Não é de modo algum a
primeira vez, ou mesmo a mais extrema, depois que todas as pessoas foram
deportadas, presas e todo tipo de coisa.
Patrick
Farnsworth: Para você, isso é uma indicação de que estamos no
ponto em que um jornalismo real e substancial está sendo minado e ameaçado? Eu
penso sobre o que significa ser jornalista em um estado autoritário e quais são
os riscos reais que surgem com o jornalismo verdadeiro agora. É bastante
sombrio, eu acho. Para as pessoas que estão entrando no jornalismo agora, o que
elas podem esperar? O que elas estão enfrentando?
Noam
Chomsky: Bem, você sabe, eu não diria que atravessou uma
fronteira, passamos por muito pior no passado. Então pegue o Red Scare de
Woodrow Wilson em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. Quero dizer,
milhares de pessoas foram deportadas. A imprensa independente foi praticamente
esmagada. Houve um ataque massivo aos direitos humanos. O chamado período
McCarthy já era ruim o suficiente, embora não tão grave. O período de Trump
está inovando de uma maneira que é familiar dos estados totalitários. Todo o
sistema nos Estados Unidos sob Trump está se tornando uma espécie de
protofascismo sem a ideologia, com apenas as aparências do fascismo. Uma delas
é destruir totalmente o sistema de informação, para que o conceito de verdade,
fato e precisão simplesmente desapareça. E a maneira como eles estão fazendo
isso é apenas inundando o sistema com informação falsa, mentirosa e
perfeitamente conscientemente enganosa sobre todos os tópicos imagináveis,
triviais ou importantes, a ponto de as pessoas terem que abandonar o esforço
para tentar descobrir o que é verdadeiro ou falso. Obviamente, você ainda pode
fazer isso se trabalhar nisso. Mas para grande parte da população, isso
significa que todo o conceito de precisão, verdade, fato e assim por diante se
dissolve.
Bem,
essa é uma maneira muito eficaz de minar o envolvimento do público em muitas
das decisões importantes no mundo. Em outras palavras, está destruindo funções
democráticas. E Trump é um mestre nisso, e isso está funcionando muito bem. Ele
tem um círculo eleitoral adorador onde ele não pode fazer nada errado. Fatos
são o que ele diz. Eles são talvez cerca de quarenta por cento da população ou
mais, uma base muito sólida. O Partido Republicano tem pavor dessa base, não
fará nada para atravessar Trump, ele é o Deus deles. Alguns setores, como os
evangélicos, que são um grande segmento da população nos Estados Unidos, estão
quase totalmente alinhados em apoio ao seu [líder] e assim por diante.
É
errado descrever isso como fascismo. Dá muito crédito, basicamente não tem
ideologia. A ideologia para Trump é apenas 'eu'. O que for importante para
'mim'. Mas tem algumas das características dos sistemas totalitários - minando
a mídia, criando raiva e desconfiança em relação à mídia como algum tipo de
inimigo. Essa é uma boa maneira de prejudicar o funcionamento democrático. Isso
aconteceu com certeza.
______
Créditos:
Entrevista: Patrick
Farnsworth - entrevistador de longa data e apresentador de Last Born In The
Wilderness, um podcast lançado semanalmente que aborda tópicos amplos como
mudanças climáticas antropogênicas, teoria e praxis políticas radicais,
animismo, psicodélicos e eventos atuais.
Edição
e tradução: Mirna Wabi-Sabi - escritora, teórica
política e professora. É editora na Gods and Radicals Press, fundadora do
coletivo Plataforma 9 e da revista A Inimiga da Rainha.
Plataforma 9 é um coletivo aberto
de mídia autêntica, autônoma e crítica.
por Plataforma
9
Os
governos do Reino Unido e dos EUA estão usando o tratamento horrendo de whistleblowers como
Chelsea Manning e editores como Julian Assange, como exemplo. O tratamento de
Julian Assange é um dos casos mais extremos disso. Independentemente de suas
opiniões pessoais sobre as decisões dele como editor, é preciso entender que
esse caso é simbólico de até que ponto o Estado irá para esmagar a dissidência.
A saúde e o bem-estar do fundador do WikiLeaks estão sendo destruídos,
descaradamente e à vista do público, por ousar revelar a verdade sobre o
governo dos EUA e seus inúmeros crimes de guerra no Iraque, Afeganistão e em todo
o mundo. É responsabilidade de jornalistas, e das pessoas que se preocupam com
a verdade e que expõem os abusos do poder estatal e corporativo, defender
Assange e qualquer pessoa que coloque suas vidas e liberdade em risco. Se já
houve um tempo para falar a verdade ao poder, é agora.
Sem whistleblowers e
jornalismo investigativo, governos são livres para abusar de seu poder e manter
a população no escuro sobre as atrocidades que cometem, não apenas aos outros,
mas também às pessoas que supostamente representam. Estamos testemunhando as
duras consequências de desafiar o poder do Estado com o editor do
WikiLeaks, Julian
Assange, enfrentando uma audiência de extradição em fevereiro, e whistleblowers como
Chelsea Manning cumprindo pena por repetidamente se recusar a testemunhar
perante um grande júri contra Assange. Se houvesse alguma ilusão sobre qual é o
preço de responsabilizar os sistemas de poder por seus crimes, esses dois casos
em particular deveriam dissipar essas noções indefinidamente.
Na
transcrição da minha entrevista com o dissidente político de renome mundial
Noam Chomsky, apresentada abaixo, examinamos o estado atual e a trajetória do
império Estadunidense dentro do escopo da história recente. Destacamos o
suposto "recuo" da presença militar dos EUA no nordeste da Síria como
uma indicação de qual é a influência geopolítica dos EUA na região atualmente.
A partir daí, falamos da responsabilidade que os jornalistas têm, especialmente
neste momento de ataques cada vez mais hostis do governo Trump contra whistleblowers,
jornalistas e editores, de falar a verdade ao poder.
Para
examinar esse último ponto, focamos a situação atual de Julian Assange, detido
na prisão de alta segurança de Belmarsh, em Londres. Ele aguarda uma audiência
de extradição marcada para fevereiro, depois que seu asilo na Embaixada do
Equador em Londres foi revogado e ter sido entregue às autoridades britânicas
em abril. "Assange basicamente está sendo assassinado pelo governo
britânico", afirma o professor Chomsky, pois a saúde de Assange continua a
deteriorar rapidamente desde o tempo que passou na embaixada do Equador e, mais
recentemente, por seu tratamento sob as autoridades britânicas na prisão de
Belmarsh.
O
editor do WikiLeaks enfrenta 18 acusações, incluindo conspiração para invadir
computadores do governo e violação da lei de espionagem, com a possibilidade de
ser extraditado para os Estados Unidos, " onde ele será julgado por crimes
que, mesmo teoricamente, podem levar à sentença de morte, que ele já está
praticamente sofrendo agora". Chomsky compara esse ataque às liberdades de
imprensa e whistleblowers ao Red Scare (Ameaça vermelha nos
Estados Unidos) pós-Primeira Guerra Mundial, no qual houve um ataque massivo
aos direitos humanos, deportações em massa, e mídia independente e dissidente
foi efetivamente esmagada.
Os
governos do Reino Unido e dos EUA estão usando o tratamento horrendo de whistleblowers como
Chelsea Manning e editores como Julian Assange, como exemplo. O tratamento de
Julian Assange é um dos casos mais extremos disso. Independentemente de suas
opiniões pessoais sobre as decisões dele como editor, é preciso entender que
esse caso é simbólico de até que ponto o Estado irá para esmagar a dissidência.
A saúde e o bem-estar do fundador do WikiLeaks estão sendo destruídos,
descaradamente e à vista do público, por ousar revelar a verdade sobre o
governo dos EUA e seus inúmeros crimes de guerra no Iraque, Afeganistão e em
todo o mundo. É responsabilidade de jornalistas, e das pessoas que se preocupam
com a verdade e que expõem os abusos do poder estatal e corporativo, defender
Assange e qualquer pessoa que coloque suas vidas e liberdade em risco. Se já
houve um tempo para falar a verdade ao poder, é agora.
Patrick
Farnsworth: A primeira coisa que eu queria discutir [é qual é] o
seu senso geral do que está acontecendo geopoliticamente com os Estados Unidos.
A pergunta muito geral que eu faria imediatamente é: você tem a sensação de que
os Estados Unidos, como um império global e uma força geopolítica no mundo,
estão se expandindo, são uma entidade estável ou estão em declínio? Qual é o
seu senso geral com base nas tendências do que está acontecendo nesse reino?
Noam
Chomsky: Bem, se olharmos a longo prazo, os Estados Unidos
estão em declínio desde 1945. Os EUA atingiram o pico de seu poder em 1945, no
final da Segunda Guerra Mundial. De fato, [é] um nível de poder que nunca
existiu na história mundial, o controle dos Estados Unidos. Era de longe o país
mais rico do mundo [e] ganhara enormemente com a guerra. A produção industrial
quadruplicou. Os Estados Unidos estavam, é claro, intocados pela guerra. Seus
rivais foram seriamente prejudicados ou destruídos. Possuíam provavelmente 40 a
50% da riqueza mundial. As estatísticas não eram muito boas naquela época, mas
algo mais ou menos assim. A segurança era incomparável. [Os EUA] controlavam o
hemisfério ocidental, controlavam os dois oceanos, controlavam os lados opostos
de ambos os oceanos. Era incomparável, mas começou a declinar imediatamente. O
primeiro passo foi em 1949, quando a China se tornou independente. Nos Estados
Unidos, isso se chama a "perda da China", o que é uma expressão
bastante reveladora. Sabia-se que possuíamos o mundo e a perda da China foi um
evento terrível.
Na
década de 1970, a economia mundial era praticamente tripolar na América do
Norte Estadunidense, na Europa e na Alemanha, e naquele tempo no nordeste da
Ásia, Japão (já a região mais dinâmica, sem deixar de lado a China e os Tigres
Asiáticos). A participação dos EUA na renda global caiu para talvez 25%, o que
ainda é enorme, mas não como em 1945. Se prosseguirmos, temos praticamente as
mesmas tendências. Quero dizer, militarmente, é claro, os EUA são totalmente incomparáveis.
Nenhum outro país tem 800 bases militares em todo o mundo, ninguém tem nem uma
dúzia. Se você olhar para o poder global, os EUA são incomparáveis. Você pode
ver isso claramente no uso de sanções. Nenhum outro país pode impor sanções. Os
EUA podem impor sanções onde quiserem e forçam outros países a aderirem a eles,
porque os EUA controlam o sistema financeiro global.
Há
outra mudança que ocorreu durante o processo de globalização neoliberal. A
renda nacional, que é geralmente medida, não significa tanto quanto costumava.
Uma medida diferente que pode ser mais esclarecedora sobre o poder global é a
quantidade de riqueza global de propriedade de multinacionais de base
doméstica. E se você olhar para esses números, é surpreendente. As multinacionais
com sede nos EUA controlam cerca de metade de toda a riqueza do mundo, e agora
as estatísticas são boas. Eles são os primeiros em praticamente todas as
categorias. Isso está mudando um pouco sob a bola de demolição de Trump. Não
sabemos exatamente como isso vai funcionar, mas é basicamente o mesmo. Então,
sim, os EUA ainda são o poder global dominante, mas têm limites que não tinham
no passado.
Patrick
Farnsworth: Ok, e isso é algo que eu queria discutir. Os Estados
Unidos se retiraram - bem, não devo dizer que saíram da Síria, mas retirou o
apoio dos curdos, do povo do norte da Síria, o que é uma medida bastante
controversa. Houve forte reação ou resistência a essa decisão. Eu queria
entender se outras potências mundiais estão chegando e cumprindo o papel que os
Estados Unidos desempenharam particularmente na Síria, e talvez em outras
regiões do mundo também, o que pode ser uma indicação da falta de controle que
forças militares dos EUA. possam ter tido nessas regiões. Então, talvez usando
a Síria como um exemplo específico, o que você acha disso?
Noam
Chomsky: Bem, primeiro, a repentina retirada de Trump de um
pequeno contingente Estadunidense
nas áreas dominadas pelos curdos, e seu convite à Turquia para expandir suas
agressões e atrocidades contra os curdos, foi uma traição grotesca, e não a
primeira. Há uma longa história disso. Agora, os curdos na Síria são
basicamente entregues aos seus principais inimigos, a Turquia e a Síria de
Assad. Os russos intervieram e estão no controle. [Trump] basicamente convidou
a Rússia a intervir, para ser o poder moderado que tentou acalmar as coisas e,
até certo ponto, eles estão fazendo isso. Os Estados Unidos não deixaram o
nordeste da Síria, apenas transferiram tropas para as regiões produtoras de
petróleo. O número de tropas é aproximadamente o mesmo. Outras tropas foram
para o Iraque do outro lado da fronteira, e o governo iraquiano não as queria
lá.
Se
você olhar alguns anos atrás, por volta de 2011 e 2012, os Estados Unidos e
outras potências ocidentais presumiram que seria possível derrubar o regime de
Assad, e não apenas eles, mas também os estados do Golfo - e todos estavam
intervindo, apoiando seus aliados locais, despejando armas em um esforço para
derrubar o regime de Assad. A CIA enviou armas avançadas para os grupos que
estavam apoiando, armas antitanque, e isso conseguiu deter as forças de Assad.
Mas, de maneira bastante previsível, trouxe os russos. Em 2015, os russos
intervieram e neutralizaram as armas dos EUA. Os EUA / [estados do] Golfo
apoiavam, até então, principalmente elementos baseados em jihadistas. E a
Rússia - os EUA não iriam combater a Rússia, poderia levar a uma guerra
nuclear. Então, eles meio que recuaram e Assad lentamente, com ajuda russa e
iraniana, conquistou a maior parte do país. Existem algumas partes que ainda não
estão sob o controle de Assad. E eles deixam a maioria dos problemas, a maioria
do ISIS e outros grupos jihadistas localizados no nordeste da Síria, que está
sob controle curdo - que provavelmente agora seriam abandonados por alguma
combinação de Assad e Turquia, com a Rússia sendo [outra] força externa.
Ainda
há mais tropas americanas no sul, mas, na verdade, Trump autorizou a Turquia, a
Rússia e o Irã a expandir sua influência. Isso foi fortemente contestado pelos
centros militares e diplomáticos dos EUA, não por boas razões, na minha
opinião. Mas, de qualquer maneira, os que estão sob o presidente Trump
obviamente continuarão mudando os termos.
Mas,
em geral, os EUA estão muito longe de retirar tropas da região. De fato,
enquanto tudo isso está acontecendo, Trump enviou milhares de tropas adicionais
à Arábia Saudita para apoiar sua guerra assassina no Iêmen. Portanto, está
muito longe de uma retirada do Oriente Médio. Existe uma espécie de estratégia
geoestratégica em segundo plano: construir uma aliança dos estados mais
reacionários da região - as ditaduras do Golfo, o Egito de Sisi - uma ditadura
brutal. Israel, que se moveu muito para a direita - sua aliança com os estados
do Golfo se tornou mais evidente nos últimos dois anos, especialmente sob
Trump. E para vincular essa aliança a outras forças reacionárias, Modi na
Índia, algumas das chamadas democracias iliberais na Europa, na Hungria de
Orban ou na Itália de Salvini e assim por diante. Aliás, isso é descrito de
maneira bastante aberta e franca por Steve Bannon, que está em segundo plano
como consultor. Mas é isso que vem tomando forma como uma espécie de base para
o poder dos EUA na região, com muitas incertezas sobre como ele se
desenvolverá. Mas o ponto geral é que os EUA não estão se retirando do que
Trump chama de guerras sem fim. Ainda estão profundamente envolvidos nelas.
Patrick
Farnsworth: A próxima coisa que gostaria de discutir é o estado
do jornalismo e, em particular, whistleblowing neste período. Quero apontar
para Julian Assange, pelo menos a princípio, e ouvir seus pensamentos sobre o
que está acontecendo com ele atualmente. Ele está na prisão de Belmarsh, em
Londres. Está lá desde abril, desde que foi removido à força da Embaixada do
Equador e do asilo que ele tinha lá. Recentemente, houve um relatório [de uma
recente aparição no tribunal]. O relatório diz que ele estava à beira das
lágrimas, que não conseguia pensar direito, que não conseguia entender os
procedimentos do tribunal. Ele teve dificuldade em lembrar, eu acho, o próprio
nome, a data até. O que você acha deste caso, e não apenas de Assange, mas
também como a mídia dos EUA em particular cobriu o que está acontecendo com
Assange, WikiLeaks e whistleblowing em geral?
Noam
Chomsky: [É] a mídia dos EUA e a mídia britânica também.
Assange basicamente está sendo assassinado pelo governo britânico. Ser
seqüestrado na Embaixada do Equador já era bastante ruim. A embaixada (aliás,
eu o visitei lá) é como um pequeno apartamento. Ele estava basicamente preso em
um ou dois quartos. De muitas maneiras, é pior do que estar na prisão, pelo
menos os presos podem entrar no quintal e ver o sol. Ele não pôde sair. Era
claramente psicologicamente muito difícil, seria para qualquer um. Agora que o
governo de direita no Equador o expulsou, ele foi tomado pelos britânicos. Ele
está em uma prisão de alta segurança sob condições muito adversas. Tudo isso
pelo crime de pular a fiança. Normalmente você recebe uma multa por isso. E o
tratamento dele, as pessoas que o viram naquela cena da corte que você
mencionou dizem que a saúde dele está se deteriorando bastante. Ele está sendo
tratado de uma maneira que basicamente o está destruindo.
Há
uma audiência de extradição chegando. Como vai acabar, não sabemos. Os
britânicos provavelmente o extraditarão para os Estados Unidos, onde ele será
julgado por crimes que, mesmo teoricamente, podem levar à sentença de morte,
que ele já está praticamente sofrendo agora. E quanto à mídia, eles estão
simplesmente apoiando isso, ou mesmo não relatando, ou dizendo: "sim, é a
coisa certa, porque ele é um criminoso hediondo que revelou ao mundo as coisas
que o governo dos EUA não quer que as populações saibam." Enquanto isso, a
mesma mídia explora avidamente as revelações que saem do WikiLeaks. Então, isso
é basicamente o que tenho a dizer sobre Assange.
Patrick
Farnsworth: Existe algum precedente legal para isso? Eu sinto
que o que está acontecendo é extralegal, como em, o que eles estão fazendo
parece estar fora dos limites das leis internacionais. Isso é verdade ou isso é
algo que pode ser visto como um precedente? Existe algo que podemos considerar
no passado como um exemplo do que eles estão fazendo hoje?
Noam
Chomsky: Provavelmente não é tecnicamente - quero dizer, o
relator da ONU descreveu isso como uma violação de convenções sobre tortura e
tratamento de prisioneiros. Mas, se isso viola leis internacionais, você pode
debater. No entanto, falar sobre lei internacional é bastante difícil. Quero
dizer, existem violações graves da lei internacional que ninguém menciona.
Portanto, neste século, a violação mais extrema da lei internacional foi a invasão
do Iraque pelos EUA / Reino Unido. Esse é um exemplo de agressão sem pretexto
credível. É o que o Tribunal Internacional de Nuremberg (e, em geral), a Lei
Internacional considera como o crime internacional supremo, diferindo de outros
crimes de guerra, pois abrange a totalidade do que acontece então e depois.
[Isso] inclui a criação do colapso do Iraque, o assassinato de centenas de
milhares de pessoas, [gerando] milhões de refugiados, o incitamento de
conflitos étnicos, que estão destruindo toda a região, levando ao nascimento do
ISIS e assim por diante. Isso é um crime internacional extraordinário, alguém
disse alguma coisa sobre isso?
Patrick
Farnsworth: É, não.
Noam
Chomsky: A lei internacional é para os fracos.
Patrick
Farnsworth: Ok, isso nos leva de volta à ameaça - quais são as
implicações desse processo judicial, dessa audiência de extradição para
Assange? Na sua opinião, quais são as implicações a longo prazo disso, tanto
quanto nossa capacidade de ter whistleblowers e o tipo de informação que
jornalistas são capazes de usar em geral? Quer você ame ou odeie Assange como
pessoa e o que ele pode pessoalmente ter feito como editor dessas informações,
o verdadeiro medo é que [este caso] tenha um impacto real na liberdade de
imprensa. Você tem esse senso ou isso já se foi há muito tempo? Estamos muito além
desse ponto?
Noam
Chomsky: Receio que seja outro caso, e um caso extremo, do
uso do poder estatal. Os EUA estão em segundo plano, mas a Grã-Bretanha é o
país que está implementando o uso do poder do Estado para impedir, punir, a
divulgação ao público de informações que os sistemas de poder não querem que
eles tenham. Isso é basicamente o que significa.
Patrick
Farnsworth: Ok.
Noam
Chomsky: E sim, essa certamente é uma mensagem para
jornalistas de todos os lugares, não que seja nova. Não é de modo algum a
primeira vez, ou mesmo a mais extrema, depois que todas as pessoas foram
deportadas, presas e todo tipo de coisa.
Patrick
Farnsworth: Para você, isso é uma indicação de que estamos no
ponto em que um jornalismo real e substancial está sendo minado e ameaçado? Eu
penso sobre o que significa ser jornalista em um estado autoritário e quais são
os riscos reais que surgem com o jornalismo verdadeiro agora. É bastante
sombrio, eu acho. Para as pessoas que estão entrando no jornalismo agora, o que
elas podem esperar? O que elas estão enfrentando?
Noam
Chomsky: Bem, você sabe, eu não diria que atravessou uma
fronteira, passamos por muito pior no passado. Então pegue o Red Scare de
Woodrow Wilson em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. Quero dizer,
milhares de pessoas foram deportadas. A imprensa independente foi praticamente
esmagada. Houve um ataque massivo aos direitos humanos. O chamado período
McCarthy já era ruim o suficiente, embora não tão grave. O período de Trump
está inovando de uma maneira que é familiar dos estados totalitários. Todo o
sistema nos Estados Unidos sob Trump está se tornando uma espécie de
protofascismo sem a ideologia, com apenas as aparências do fascismo. Uma delas
é destruir totalmente o sistema de informação, para que o conceito de verdade,
fato e precisão simplesmente desapareça. E a maneira como eles estão fazendo
isso é apenas inundando o sistema com informação falsa, mentirosa e
perfeitamente conscientemente enganosa sobre todos os tópicos imagináveis,
triviais ou importantes, a ponto de as pessoas terem que abandonar o esforço
para tentar descobrir o que é verdadeiro ou falso. Obviamente, você ainda pode
fazer isso se trabalhar nisso. Mas para grande parte da população, isso
significa que todo o conceito de precisão, verdade, fato e assim por diante se
dissolve.
Bem,
essa é uma maneira muito eficaz de minar o envolvimento do público em muitas
das decisões importantes no mundo. Em outras palavras, está destruindo funções
democráticas. E Trump é um mestre nisso, e isso está funcionando muito bem. Ele
tem um círculo eleitoral adorador onde ele não pode fazer nada errado. Fatos
são o que ele diz. Eles são talvez cerca de quarenta por cento da população ou
mais, uma base muito sólida. O Partido Republicano tem pavor dessa base, não
fará nada para atravessar Trump, ele é o Deus deles. Alguns setores, como os
evangélicos, que são um grande segmento da população nos Estados Unidos, estão
quase totalmente alinhados em apoio ao seu [líder] e assim por diante.
É
errado descrever isso como fascismo. Dá muito crédito, basicamente não tem
ideologia. A ideologia para Trump é apenas 'eu'. O que for importante para
'mim'. Mas tem algumas das características dos sistemas totalitários - minando
a mídia, criando raiva e desconfiança em relação à mídia como algum tipo de
inimigo. Essa é uma boa maneira de prejudicar o funcionamento democrático. Isso
aconteceu com certeza.
______
Créditos:
Entrevista: Patrick
Farnsworth - entrevistador de longa data e apresentador de Last Born In The
Wilderness, um podcast lançado semanalmente que aborda tópicos amplos como
mudanças climáticas antropogênicas, teoria e praxis políticas radicais,
animismo, psicodélicos e eventos atuais.
Edição
e tradução: Mirna Wabi-Sabi - escritora, teórica
política e professora. É editora na Gods and Radicals Press, fundadora do
coletivo Plataforma 9 e da revista A Inimiga da Rainha.
Plataforma 9 é um coletivo aberto
de mídia autêntica, autônoma e crítica.
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