por The Saker
General
Soleimani.Primeiro, um rápido resumo da situação
Precisamos
começar por resumir rapidamente o que acaba de acontecer:
- O
general Soleimani estava em Bagdad numa visita oficial para acompanhar o
funeral dos iraquianos assassinados pelos EUA no dia 29
- Os EUA
agora assumiram oficialmente a responsabilidade por este assassinato
- O
Supremo Líder iraniano, aiatola Ali Khamenei declarou oficialmente que
“Contudo, uma severa retaliação aguarda os criminosos que pintaram as suas
mãos corruptas com o sangue dele e dos seus companheiros martirizados
ontem à noite”
Os EUA colocam-se a si próprios – e ao Irã
– em apuros
Os iranianos simplesmente não tiveram outra
escolha senão declarar que haverá uma retaliação. Existem alguns problemas
básicos com o que acontece a seguir. Vamos examiná-los um por um:
- Primeiro,
é bastante óbvio a partir dos disparates da agitação de bandeiras nos EUA
que o Tio Shmuel [1] está “bloqueado e embriagado” por ações e reações
ainda mais machas. De fato, o secretário Esper basicamente descreveu os
EUA no que eu chamaria de uma “super-reação de encurralamento” ao declarar
que “o jogo mudou” e que os EUA tomarão “ação antecipativa” sempre que se
sintam ameaçados. Portanto, os iranianos têm de assumir que os EUA
super-reagirão a qualquer coisas que mesmo remotamente se pareça a uma
retaliação iraniana.
-
- Não
menos alarmante é que isto cria as condições absolutamente perfeitas para
uma falsa bandeira como o ” USS Liberty “. Exatamente agora, os
israelenses tornaram-se pelo menos um grande perigo para os soldados e
instalações dos EUA por todo o Médio Oriente, tal como os próprios
iranianos. Como? Simples! Disparam um míssil/torpedo/mina a qualquer navio
da US Navy e culpam o Irã. Todos nós sabemos que se isto acontecer as
elites políticas dos EUA farão o que fizeram da última vez que isto
aconteceu: deixam soldados dos EUA morrerem e protegem Israel a todo custo
(leia sobre o USS Liberty se não sabe acerca disto).
- Também
há um risco muito real de “retaliações espontâneas” de outras partes (não
o Irã ou seus aliados). De fato, na sua mensagem o aiatola Ali Khamenei
declarou especificamente que “o martir Suleimani é uma face internacional
para a Resistência e todos os amantes da Resistência partilham um anseio
de retaliação pelo seu sangue . Todos os amigos – bem como todos os
inimigos – agora devem saber que o caminho do Combate e Resistência
continuará com duplicação da vontade e que a vitória final está
decididamente a aguardar quem combate neste caminho”. Ele está certo,
Soleimani era amado e reverenciado por muitas pessoas em todo o globo,
algumas das quais podem decidir vingar a sua morte. Isto significa que
podemos muito bem ver alguma espécie de retaliação a qual, naturalmente,
será atribuída ao Irã mas que pode não ser o resultado de quaisquer ações
iranianas.
- Finalmente,
se os iranianos decidissem não retaliar, então podemos estar absolutamente
certos de que o Tio Shmuel verá isto como uma prova da sua putativa
“invencibilidade” e considerará que é uma licença para empenhar-se em
ações ainda mais provocatórias.
Se examinarmos estes quatro fatores em
conjunto teremos de chegar à conclusão de que o Irã TEM de retaliar e TEM de
fazê-lo publicamente.
Por quê?
Porque quer os iranianos retaliem ou não, é
quase garantido que sofrerão outro ataque dos EUA em retaliação a qualquer
coisa que se pareça a uma retaliação, esteja o Irã envolvido ou não.
A dinâmica interna da política
estado-unidense
Vamos a seguir examinar a dinâmica da
política interna dos EUA:
Sempre afirmei que para os Neocons Donald
Trump é um “presidente descartável”. O que quero dizer com isso? Quero dizer
que os Neocons utilizaram Trump para toda espécie de coisas fantasticamente
estúpidas (quase TODAS as suas decisões políticas em relação a Israel e/ou
Síria) por uma razão muito simples. Se Trump fizer algo extremamente estúpido e
perigoso, ou ele se safará disso, caso em que os Neocons ficarão felizes, ou
fracassará ou as consequências de suas decisões serão catastróficas, até ao
ponto de os Neocons o jogarem fora e substituirem-no por um indivíduo ainda
mais subserviente (digamos, Pence ou Pelosi). Por outras palavras, para os
Neocons ter Trump a fazer algo ao mesmo tempo incrivelmente perigoso e
fantatiscamente estúpido é uma situação em que sempre saem a ganhar!
Exatamente agora, os democratas (ainda o
partido favorito dos Neocons) parecem estar decidido a cometer suicídio
político com aquela ridícula (e traidora) insensatez do impeachment. Agora
pense nisto do ponto de vista Neocon. Eles podem ser capazes de obter que os
gentios (goyim, não judeus) dos EUA ataquem o Irã E livrarem-se de Trump.
Suponho que o seu pensamento será algo como isto:
Trump parece pronto para vencer em 2020.
Nós não queremos isso. No entanto, estamos fazendo tudo ao nosso alcance para
desencadear um ataque dos EUA ao Irã desde praticamente 1979. Vamos fazer com
que Trump faça isso. Se ele “vencer” (seja qual for a definição – mais acerca
disso abaixo), nós vencemos. Se ele perder, os iranianos ainda estarão num
mundo de sofrimento e sempre podemos descartá-lo como uma camisinha usado
(usada para supostamente prejudicar alguém com segurança sem riscos para si
mesmo). Além disso, se a região explodir, isso ajudará nosso amado Bibi e unirá
os judeus dos EUA atrás de Israel. Finalmente, se Israel for atacado,
imediatamente exigiremos (e, é claro, obteremos) um ataque maciço dos EUA ao
Irã, apoiado por todo o establishment político e a mídia dos EUA. E,
finalmente, se Israel for atingido duramente, sempre podemos usar nossas ogivas
nucleares e dizer aos gentios (goyim) que “o Irã quer gasear 6 milhões de judeus
e varrer a única democracia no Médio Oriente da face da terra” ou alguma coisa
igualmente insípida.
Desde que Trump chegou à Casa Branca, nós o
vimos bajular o lobby de Israel com um deleite extremo, mesmo para os padrões
dos EUA. Suponho que o seu cálculo seja algo como “com o lobby de Israel atrás
de mim, estou seguro na Casa Branca”. Ele é obviamente demasiado estúpido e
narcisista para perceber que tem sido usado o tempo todo. Para seu crédito (ou
de um de seus principais conselheiros), ele NÃO permitiu que os Neocons
iniciassem uma grande guerra contra a Rússia, China, RPDC, Venezuela, Iémen,
Síria etc. No entanto, o Irã é um caso totalmente diferente, pois é o “número
um” dos objetivos neocons e Israel queria atacá-lo e destruí-lo. Os Neocons até
tinham este lema : “meninos vão para Bagdad, homens de verdade vão para Teerã”.
Agora que o tio Shmuel perdeu todas estas guerras seletas, agora que as forças
armadas dos EUA já não têm mais credibilidade, agora é a hora de restaurar a
auto-imagem “macho” do tio Shmuel e, de fato, “ir para Teerã” por assim dizer.
Os democratas (Biden) já estão a dizer que
Trump simplesmente “lançou uma banana de dinamite para dentro de um paiol”,
como se eles se importassem com qualquer coisa além dos seus próprios, pequenos,
objetivos políticos e de poder. Ainda assim, tenho de admitir que a metáfora de
Biden é correta – pois é exatamente o que Trump (e seus patrões reais) fizeram.
Se assumirmos que estou correto na minha
avaliação de que Trump é o “presidente descartável” dos neocon/israelenses,
então temos de aceitar o fato de que as forças armadas dos neocon/israelenses
também são “descartáveis”. Isto na verdade é muito má notícia, pois significa
que do ponto de vista neocon/israelense não há riscos reais em lançar os EUA
numa guerra com o Irã.
Na verdade, a posição dos democratas é uma
obra prima de hipocrisia, que pode ser resumida como se segue: o assassinato de
Suleimani é um evento maravilhoso, mas Trump é um monstro por ter feito com que
isto acontecesse.
Qual seria o resultado provável de uma
guerra dos EUA ao Irã?
Tenho escrito tão frequentemente acerca
deste tópico que não vou entrar aqui em todos os possíveis cenário. Tudo o que
direi é o seguinte:
Para os EUA, “vencer” significa alcançar
mudança de regime ou, na falta disso, destruir a economia iraniana.
Para o Irã, “vencer” significa simplesmente
sobreviver à carnificina dos EUA.
Isto é uma ENORME assimetria que
basicamente significa que os EUA não podem vencer e o Irã só pode vencer.
E, não, os iranianos não têm de derrotar o
CENTCOM/OTAN! Eles não precisam empenhar-se em grandes operações militares.
Tudo o que eles precisam fazer é: permanecer “de pé” uma vez assentada a
poeira.
Ho Chi Minh certa vez disse a um francês:
“Você pode matar dez dos meus homens para cada que eu mate dos seus, mas mesmo
com esta vantagem você perderá e eu vencerei”. Isto é exatamente porque o Irã
finalmente prevalecerá, talvez a um enorme custo (Amaleque [2] deve ser
destruído, não é), mas ainda assim será uma vitória
Agora vamos examinar os dois tipos de
cenários de guerra mais básicos: fora do Irã e dentro do Irã.
Os iranianos, incluindo o próprio general
Soleimani, declararam publicamente muitas vezes que ao tentar cercar o Irã e o
Oriente Médio com numerosas forças de instalações os EUA deram ao Irã uma
longa lista de alvos proveitosos. O campo de batalha mais óbvio para uma guerra
por procuração (proxy war) é claramente o Iraque onde há uma grande quantidade
de forças pró e anti iranianas que dão condições para um conflito longo,
sangrento e arrastado (Moqtada al-Sadr acaba de declarar que o Exército Mahdi
será remobiizado). Mas o Iraque está longe de ser o único lugar onde pode se
verificar uma explosão de violência: a TOTALIDADE DO ORIENTE MÉDIO está bem
dentro do “alcance” iraniano, seja por ataque direto ou através de ataque por
forças simpáticas/aliadas. A seguir ao Iraque há também o Afeganistão e,
potencialmente, o Paquistão. Em termos de escolha de instrumentos, as opções
iranianas vão desde ataques de mísseis, até a ação direta de forças especiais,
à sabotagem e muitas outras mais. A única limitação aqui é a imaginação dos
iranianos e, acreditem-me, eles têm muita!
Se uma tal retaliação acontecer, os EUA
terão duas opções básicas: atacar amigos e aliados do Irã fora do Irã ou, como
Esper agora sugeriu, atacar o interior do Irã. Neste último caso, podemos
seguramente assumir que qualquer de tais ataques resultará numa retaliação
iraniana maciça às forças e instalações dos EUA por toda a região e num
encerramento do Estreito de Ormuz.
Manter em mente que o slogan neocon
“meninos vão para Bagdad, homens de verdade vão para Teerã”, implicitamente
reconhece o fato de que uma guerra contra o Irã seria qualitativamente (e mesmo
quantitativamente) uma guerra diferente do que uma guerra contra o Iraque. E,
isto é verdade, se os EUA planeiam seriamente atacar dentro do Irã eles seriam
confrontados com uma explosão que faria todas as guerras desde a II Guerra
Mundial parecerem comparativamente menores. Mas a tentação de provar ao mundo
que Trump e seus apaniguados são “homens de verdade”, em oposição a “meninos”,
pode ser demasiado forte, especialmente para um presidente que não entende que
é uma ferramenta descartável nas mãos dos Neocons.
Agora, vamos examinar rapidamente o que NÃO
acontecerá
A Rússia e/ou a China não ficarão
envolvidas militarmente. Nem tão pouco os EUA utilizarão esta crise como um
pretexto para atacar a Rússia e/ou a China. O Pentágono claramente não tem
estômago para uma guerra (convencional ou nuclear) contra a Rússia e nem a
Rússia tem qualquer desejo de uma guerra contra os EUA. O mesmo se passa com a
China. Contudo, é importante recordar que a Rússia e a China têm outras opções,
políticas e encobertas, para realmente ferirem os EUA e ajudarem o Irã. Há o Conselho
de Segurança da ONU onde a Rússia e a China bloquearão qualquer resolução
condenando o Irã. Sim, eu sei, o Tio Shmuel pouco se importa com a ONU ou o
direito internacional, mas a maior parte do resto do mundo importa-se muito.
Esta assimetria é mais uma vez exacerbada pelo tempo de atenção do Tio Shmuel
(semanas no máximo) com a Rússia e a China (décadas). Isso importa?
Absolutamente.
Se os iraquianos declararem oficialmente
que os EUA são uma força de ocupação (o que é verdade), uma força de ocupação
que se empenha em atos de guerra contra o Iraque (o que é verdade) e que o povo
iraquiano quer que o Tio Shmuel e seu discurso hipócrita acerca de “democracia”
sejam empacotados e desapareçam, o que pode fazer o nosso Tio Shmuel? Ele
tentará resistir, naturalmente, mas uma vez desaparecida a minúscula folha de
figueira da “construção da nação”, substituída por ainda outra ocupação feia e
brutal dos EUA, a pressão política sobre os EUA para que dêem o fora será
extremamente difícil de administrar, tanto dentro como fora dos EUA.
De fato, a televisão do estado iraniano
classificou a ordem de Trump para matar Soleimani como “o maior erro de cálculo
dos EUA” desde a II Guerra Mundial. “O povo da região não permitirá mais a
permanência dos americanos”, disse.
A seguir, tanto a Rússia como a China podem
ajudar o Irã militarmente com inteligência, sistemas de armas, conselheiros e
economicamente, de modos aberto e encoberto.
Finalmente, tanto a Rússia como a China têm
os meios para, diremos, “sugerir fortemente” outros alvos estado-unidenses na
“lista de países a atingir” pois agora será o momento perfeito para atacar os
interesses dos EUA (por exemplo, no Extremo Oriente).
Assim, a Rússia e a China poderão e
ajudarão, mas farão isto do modo que a CIA gosta de chamar “negabilidade
plausível”.
Retorno à Grande Questão: o que pode/fará o
Irã a seguir?
Os iranianos são jogadores muito mais
refinados do que a maior parte dos americanos despistados. Assim, a primeira
coisa que eu sugeriria é ser improvável que os iranianos façam algo que os EUA
esperem que façam. Ou farão alguma coisa totalmente diferente, ou atuarão muito
mais tarde, uma vez que os EUA tenham baixado sua guarda (como sempre acontece
depois de declararem “vitória”).
Perguntei a um amigo bem informado se ainda
era possível evitar a guerra. Aqui está o que ele respondeu:
“Sim, acredito que uma guerra em plena
escala possa ser evitada. Acredito que o Irã pode tentar usar a sua influência
política para unir forças política iraquianas para pedirem oficialmente a
remoção de tropas estado-unidenses do Iraque. Chutar os EUA para fora do Iraque
significará que eles não poderão mais ocupar o leste da Síria uma vez que as
suas tropas ficarão em perigo entre dois estados hostis. Se os americanos
abandonarem a Síria e o Iraque isso constituirá a vingança final para o Irã sem
ter disparado um único tiro”.
Tenho de dizer que concordo com esta ideia:
uma das coisas mais penosas que o Irã poderia fazer a seguir seria utilizar
este evento fantasticamente temerário para chutar os EUA para fora do Iraque em
primeiro lugar e da Síria a seguir. Tal opção, se puder ser exercida, pode
também proteger vidas iranianas e a sociedade iraniana de um ataque direto dos
EUA. Finalmente, uma tal resultante daria ao assassínio do general Soleimani um
significado muito diferente e belo: o sangue deste mártir libertou o Oriente
Médio!
Finalmente, se esta for realmente a
estratégia escolhida pelo Irã, isto não significa que ao nível táctico os
iranianos não extraiam um preço das forças dos EUA na região ou mesmo algures
no planeta. Exemplo: há alguns rumores de que a destruição do PanAm 103 sobre a
Escócia não foi uma ação líbia, mas sim iraniana em retaliação direta pelo
derrube deliberado pela US Navy do Airbus IranAir 655 sobre o Golfo Pérsico.
Não estou a dizer que sei isto como um fato realmente acontecido, digo apenas
que o Irã tem opções retaliatórias não limitadas ao Oriente Médio.
Conclusão: aguardemos o próximo movimento
do Irã
Está previsto que o Parlamento iraquiano
debata uma resolução pedindo a retirada das forças estado-unidenses do Iraque.
Apenas digo que apesar de não acreditar que os EUA cavalheirescamente concordem
com tais pedidos, isto colocará o conflito no âmago político. Isto é – por
definição – muito mais desejável do que qualquer forma de violência, por mais
justificada que ela possa parecer. Assim, sugiro fortemente àqueles que querem
a paz que rezem para que os deputados iraquianos mostrem alguma honra e espinha
dorsal e digam ao Tio Shmuel o que todo país sempre quis dos EUA: Yankees, go
home!
Se isto acontecer será uma vitória total
para o Irã e mais uma derrota abjeta (auto-derrota, realmente) do Tio Shmuel.
Este é o melhor de todos os cenários possíveis.
Mas se isto não acontecer, então todas as
apostas serão canceladas e o impulso desencadeado por este último ato de
terrorismo dos EUA resultará em muito mais mortes.
Neste exato momento (19:24 UTC), ainda
penso que há aproximadamente 80% de probabilidade de uma guerra em grande
escala no Oriente Médio e, mais uma vez, deixarei 20% para “acontecimentos
inesperados” (espero que sejam bons).
PS: este é um texto escrito sob grande
pressão de tempo e não foi editado para eliminar gralhas ou outros erros. Peço
aos auto-nomeados Gestapo da gramática para tomarem um descanso e não
protestarem outra vez. Obrigado.
[1] Shmuel: Samuel, em hebraico.
[2] Amaleque: Filho de Elifaz e neto de
Esaú (Bíblia); antiga tribo nómada descendente de Amaleque que habitava as
terras de Canaã em tempos bíblicos.
Ver também:
35 ‘vital US & Israeli targets’
within Iran’s reach for potential REVENGE for General Soleimani’s death –
senior IRGC commander
Irán recuerda papel de Soleimani en salvar
vidas de estadounidenses
Os EUA dão o pontapé inicial nos loucos
anos 20 declarando guerra ao Irã
05/Jan/20
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